Bicho de sete cabeças

Cabe aos adultos transmitir confiança aos mais novos para que eles possam voar sem medo. O ano letivo chega com  um novo desafio…

No país onde vivo, o ano letivo 2020/2021 começou no dia 1 de setembro. O distanciamento deixou de ser a prioridade. É impossível assegurar o afastamento entre o professor e os alunos em turmas com mais de 25 crianças. As máscaras são a grande arma no combate ao vírus, sendo obrigatórias para professores, vigilantes e alunos a partir dos 11 anos e usadas sempre, mesmo nos recreios. Únicas exceções: as aulas de Educação Física e as refeições na cantina. O álcool gel continua na moda e é consumido sem moderação. 

Quanto ao resto, pouca coisa mudou. Muitas famílias voltaram a receber, na segunda quinzena de agosto, a allocation de rentrée scolaire (abono destinado à compra de roupa e material escolar). É uma forma de promover um regresso às aulas organizado. Este ano, o empurrãozinho chegou inflacionado. 469,97 euros para as crianças dos 6 aos 10 anos, 490,39 euros para as crianças dos 11 aos 14 anos e 503,91 euros para os jovens dos 15 aos 18 anos. 

Esta ajuda é ainda mais preciosa para o primeiro grupo de crianças, tendo em conta que, no 1º ciclo do ensino básico (que em França vai até ao 5º ano), os livros e cadernos são oferecidos pela escola, sem necessidade de qualquer pedido. São também muitos os collège (estabelecimentos do 2º ciclo do ensino básico que se inicia a partir do 6º ano) que fornecem, gratuitamente, duas máscaras e uma garrafa térmica para a água, por aluno. Pensam (quase) em tudo! Mas a escola não são só os materiais e o almoço na cantina. 

O primeiro dia foi marcado pela emoção e, ao mesmo tempo, pelo medo. O confinamento deixou feridas nos adultos e, sobretudo, nos mais pequenos. Um fantasma que teima em assombrar alguns durante a noite. A vida antes do vírus parece fazer parte de outro milénio, mas a nova realidade ainda é um tiro no escuro. Principalmente para os encarregados de educação e os professores. Quanto às crianças, a história é outra. E são elas as protagonistas deste novo capítulo.
Uma vez mais, a resiliência e a capacidade de adaptação dos mais novos deixam-me atónita. Temos tanto que aprender com eles! O que para os pais, professores, educadores e encarregados de educação é um drama não passa de algo simples e meramente formal para os que só têm um desejo: aprender. E a nova realidade é uma aprendizagem como tantas outras. O mais difícil é evitar tocar nos colegas. Tarefa quase impossível no recreio. Mas, ainda assim, superada com sucesso!

Ao que parece, o vírus ainda vai circular entre nós por algum tempo. De acordo com os especialistas, depois deste teremos outros. Talvez ainda mais fortes e perigosos. Obviamente que devemos proteger-nos. Penso que ninguém põe em causa a importância da prevenção. Se excluirmos os “anti-máscaras” e os que defendem a teoria da conspirção (uma minoria), o uso da máscara tornou-se tão natural como lavar as mãos. 

Para algumas crianças o regresso às aulas vem acompanhado de ansiedade, receio, incerteza e stress, muitas vezes fruto da apreensão dos adultos. Algo legítimo, sobretudo para os que vêm televisão todos os dias e assistem, em direto, à contagem do número de casos confirmados, doentes recuperados, doentes internados e óbitos. Felizmente, não é o meu caso. 

Mas a escola é, acima de tudo, um lugar de (re)encontros, aprendizagem, partilha e autonomia. Cabe aos adultos transmitir confiança aos mais novos para que eles possam voar sem medo. O ano letivo chega com um novo desafio, entre tantos outros que já existem. Aprendamos a viver com o vírus, impedindo-o de controlar as nossa vidas. E não façamos da Covid-19 um bicho de sete cabeças!