Novo Banco. Muito fumo pouco fogo

António Ramalho garante que ofertas eram ‘más e velhas’. O SOL sabe que a auditoria independente pedida pelo NB registou nota máxima de 100% em quase todos os testes às operações de venda. SOL teve acesso a imagens de imóveis vendidos, alguns em ruínas.

O Novo Banco registou nota máxima (100%) em quase todos os testes realizados na auditoria independente às operações de venda de imóveis, apurou o SOL. Esta é uma das conclusões da auditoria independente encomendada pela instituição financeira à Alvarez & Marsal. O SOL sabe que, ao todo, foram realizados 14 testes a cada uma das alienações dos portefólios ‘Sertorius’ e ‘Viriato’, em que foi analisado todo o processo de venda, nomeadamente a forma como os investidores foram contactados, se foram todos tratados de igual forma, a alienação, a qualidade do empréstimo – o chamado ‘vendor loan’ – e ainda o preço a que a carteira foi vendida.

Ao projeto ‘Viriato’, composto por um portefólio de 5.552 imóveis com 8.719 frações, foram efetuados 14 testes, tendo o Novo Banco obtido 100% em 11 e 75% nos restantes três. Ao que o SOL apurou, do projeto ‘Sertorius’, composto por 195 imóveis agregados, que se traduziam em 1.228 frações, com usos industrial, comercial, terrenos e residencial, incluindo estacionamentos, o Novo Banco teve nota máxima em 13 testes (apenas num teve 75%).
Recorde-se que, para evitar mais polémicas e dúvidas em torno dos imóveis alienados, António Ramalho garantiu, esta semana, no Parlamento, que o Novo Banco já tem na sua posse o parecer independente encomendado a uma consultora internacional para avaliar as práticas da instituição financeira em relação às vendas de ativos imobiliários, elaborado pela Alvarez & Marsal. «Espero que isto esclareça de uma vez por todas», acrescentando que «o processo era adequado, o valor foi o preço de mercado e que a estratégia de desinvestimento era a única possível».
O presidente da instituição financeira chamou ainda a atenção para o facto de o banco ter herdado uma carteira do Banco Espírito Santo (BES) «má, velha e ilegal». E explicou: «Era má porque só 14% dos ativos eram residenciais», era «velha porque 35% [dos imóveis] tinham mais de cinco anos e 100 imóveis tinham mais de 20 anos». E era «ilegal porque os bancos são obrigados a vender ativos no prazo de dois anos». António Ramalho lembrou ainda que o banco não tinha 20 anos para levar a cabo a alienação desses imóveis e que, neste momento, já não precisa de fazer vendas em pacote. Como tal, tem mais margem para negociar.

Um cenário que também foi reconhecido pelo presidente do Fundo de Resolução que, também esta semana no Parlamento, admitiu que é uma «evidência» que os ativos imobiliários que o Novo Banco herdou eram de má qualidade: «É uma evidência, porque a má qualidade dos ativos espelha precisamente o facto de eles serem qualificados como NPL (’non-performing loan’ ou crédito malparado, na tradução em português)».

Direitos de preferência 

Seixal, Montijo e Campo Maior foram as únicas Câmaras que exerceram os direitos de preferência sobre a carteira de imóveis que o Novo Banco estava a alienar e que causou polémica face às perdas provocadas na instituição financeira liderada por António Ramalho. Em causa estão as carteiras de imóveis ‘Sertorius’ e ‘Viriato’, que resultaram em perdas de 390 milhões de euros e geraram dúvidas em relação aos beneficiários finais.
Um desinteresse que foi revelado, nesta semana, pelo CEO da instituição financeira no Parlamento. «Pedimos para que fossem exercidas notificações para o exercício do direito de preferência de todas as câmaras municipais que tivessem ou não tivessem direito ou não de preferência legal», nomeadamente em relação ao projeto ‘Viriato’. Segundo António Ramalho, foram feitas mais de seis mil notificações num bloco de oito mil frações e foram exercidos poucos direitos de preferência, o que leva o responsável a considerar que «ou as casas tinham fraca qualidade ou os preços não eram tão baixos como se dizia, porque só foram exercidos por três câmaras: Seixal, Montijo e Campo Maior».  Em relação aos direitos dos arrendatários, esclareceu que havia 88 arrendatários e só 24 optaram pela compra. «Todas as pessoas sabem que quando o senhorio coloca o exercício, normalmente, é porque o preço é razoavelmente baixo e o inquilino compra».

O CEO do Novo Banco adiantou também que nos prédios confinantes houve o cuidado de «por a casa pronta» a habitar e também de colocar «na imprensa local a possibilidade de utilização» das habitações. Resultado: «Tivemos 453 anúncios publicados para confinantes e tivemos cinco exercícios de direitos de preferência», revelou.
O SOL teve acesso às imagens relativas a alguns desses imóveis. Um deles trata-se de uma moradia, em Mangualde, que faz parte da carteira ‘Viriato’. E apesar da fachada poder parecer atrativa, pelas fotografias do interior verifica-se que estava numa situação de avançada degradação e sem condições de habitabilidade. A moradia estaria a sofrer obras de remodelação que não foram concluídas. O mesmo cenário repete-se em Leiria ou em Aveiro.

Estas garantias surgem depois de ter sido conhecida a auditoria da Deloitte. O documento chamou a atenção para as vendas efetuadas pelo Novo Banco terem sido realizadas por valores inferiores e, em alguns casos, de forma significativa, face aos valores das últimas avaliações disponíveis. O relatório da consultora afirma que, a este respeito, verificou que o banco «não tinha implementado até 31 de dezembro de 2018 procedimentos documentados de backtesting das avaliações efetuadas para este tipo de ativos, tendo em consideração as vendas efetuadas», acrescentando que a instituição financeira não tinha «implementado procedimentos de análise e justificação formal das variações ocorridas nas avaliações obtidas, comparativamente às avaliações anteriormente disponíveis. Adicionalmente, verificámos que nas propostas de aprovação das vendas são normalmente descritas as características e condicionalismos dos imóveis, mas não é incluída uma justificação ou explicação para a diferença entre o valor de venda e o valor de avaliação anterior. De referir que esta justificação não era requerida de acordo com o normativo interno aplicável».

Acusação de Rio sem razão

Ainda na semana passada, o Ministério Público (MP) considerou «não existir prova bastante» para sustentar a acusação do presidente do PSD de que a administração do Novo Banco alienou ativos «ao desbarato», afastando assim qualquer providência cível. Esta é a resposta à carta enviada pelo primeiro-ministro, António Costa, à procuradora-geral da República, Lucília Gago. A PGR entendeu que, «face aos elementos factuais e de esclarecimento disponíveis, que tiveram a finalidade limitada de aferir a viabilidade do recurso à tutela jurisdicional cautelar, afigura-se inexistir prova bastante suscetível de suportar a conclusão de que futuras alienações de ativos imobiliários – se efetuadas nos moldes e termos anteriores – são suscetíveis de causar ao Estado dano grave e de difícil recuperação».

O Ministério Público sustentou que as vendas efetuadas «foram aprovadas pelo Conselho de Administração Executivo e pelo Conselho Geral de Supervisão do Novo Banco, mereceram parecer favorável da Comissão de Acompanhamento e também a não oposição do Fundo de Resolução (no que diz respeito aos ativos integrados no referido mecanismo de capitalização contingente), no sentido de ser autorizada a venda dos ativos em causa».
Já sobre a «disparidade verificada entre os valores contabilístico e bruto dos imóveis e o preço pelo qual vieram efetivamente a ser alienados, poder-se-ia afirmar – numa análise meramente oblíqua a perfunctória – que se tratou de vendas que não resultaram de uma gestão diligente ou que não foram realizadas tendo em conta os melhores interesses daquela instituição de crédito e dos seus acionistas. No entanto, esta conclusão afigura-se, no mínimo, precipitada».

Operações com ‘ok’

António Ramalho esclareceu também que a aceleração da venda de ativos se deveu a exigências das autoridades europeias e que não houve qualquer operação com prejuízos para o Fundo de Resolução sem a autorização deste. «Não há nenhuma transação que crie prejuízo ao Fundo de Resolução que o Fundo de Resolução não autorize previamente», e disse ainda que, em vários casos, o Fundo de Resolução considerou que vendas de ativos traziam prejuízos que não se justificavam, casos em que que essas operações foram canceladas.
E deixou uma garantia: sai da instituição financeira se houver alguma transação com entidades relacionadas com o acionista Lone Star. 
Também Máximo dos Santos afirmou que não há impedimentos de vendas a partes relacionadas e que não teve indícios de que os ativos tenham sido vendidos a partes relacionadas. «Sou o presidente do Fundo de Resolução, não sou o Sherlock Holmes».

Queda do BES em suspenso 

Vai ser o Tribunal da Relação de Lisboa a decidir se o Banco de Portugal pode divulgar o relatório ‘secreto’  sobre a atuação do ex-governador Carlos Costa na resolução do BES. O regulador esclareceu, esta quinta-feira, que foi notificado pelo Tribunal do Comércio de Lisboa que confirma que o ‘Relatório da Comissão de Avaliação das Decisões e atuação do Banco de Portugal na Supervisão do BES está sujeito ao dever de sigilo bancário a que está legalmente vinculado’ o supervisor.

O despacho deste tribunal determina ainda que «o eventual levantamento do dever de segredo, que permitirá a divulgação deste documento, deverá ser ordenado pelo Tribunal da Relação de Lisboa».
O Banco de Portugal, agora liderado por Mário Centeno, diz que, se assim for determinado judicialmente, entregará o documento no Tribunal do Comércio de Lisboa, onde decorre o processo de insolvência do BES e no âmbito do qual o relatório foi solicitado.

Em causa está o chamado relatório Costa Pinto, que avaliou a atuação de Carlos Costa e do Banco de Portugal em relação ao BES, que foi alvo de uma medida de resolução em agosto de 2014. 
Uma operação que foi comentada pelo presidente do Fundo de Resolução . «O tempo para a venda do Novo Banco foi curto. Foram dados dois anos, que depois passaram para três. Fizemos um grande esforço para convencer o Mecanismo Único de Resolução» com vista a não deixar cair o banco.
Máximo dos Santos lembrou ainda que não foi o Fundo de Resolução que vendeu o Novo Banco, uma vez que a operação foi levada a cabo pelo Banco de Portugal, em conjunto com o Ministério das Finanças. «A venda tinha de ser feita. Estivemos a trabalhar em planos de resolução adicionais porque isso era imposto pelas autoridades europeias». Ainda assim, chamou a atenção para o facto de ainda não estar no cargo à frente da entidade quando essa venda foi feita.

Para o presidente do Fundo de Resolução, a possibilidade de o Governo vir a cortar verbas no próximo Orçamento do Estado para o Novo Banco é considerada «prematura», acrescentando que essa «é uma questão política». E deixou um alerta: «Seria errado chegar aqui e fazer qualquer coisa que pusesse em risco o Novo Banco. Entrarmos num processo em que o banco sofresse danos tremendos era negar o percurso e criar uma instabilidade financeira em cima da instabilidade que já temos».

Comissão de inquérito à vista

Também esta semana, o grupo parlamentar do Partido Socialista propôs uma comissão de inquérito às perdas do Novo Banco, com o objetivo de «apurar a verdade para saber se o interesse do Estado foi defendido», anunciou o deputado João Paulo Correia. Feitas as contas, é o quarto partido a propor a constituição de uma comissão de inquérito à instituição financeira. «O PS vai apresentar uma proposta para constituição de uma comissão parlamentar de inquérito às perdas que foram registadas pelo Novo Banco desde a sua fundação e que têm levado às injeções de capital por parte do Fundo de Resolução, com empréstimos do Estado», disse o responsável.

No início do mês, a deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua anunciou também que o partido vai propor a constituição de uma comissão parlamentar de inquérito ao Novo Banco para apurar todas as responsabilidades. Além do Bloco, também o Chega e a Iniciativa Liberal avançaram depois com propostas para a constituição de uma comissão de inquérito à instituição.

A conferência de líderes da Assembleia da República agendou para 25 de setembro o debate e votação das propostas de constituição de uma comissão de inquérito ao banco liderado por António Ramalho. Fragilidades na concessão de crédito no tempo do BES e vendas de ativos abaixo do valor por parte do Novo Banco são algumas das conclusões do documento.

Estas posições surgem depois de ter sido conhecido o relatório da Deloitte aos últimos 18 anos de gestão da instituição financeira (ou seja, abarcando o período quer antes quer depois da resolução do BES e criação do Novo Banco). 

O Ministério das Finanças já tinha revelado que o relatório revela perdas líquidas de 4042 milhões de euros no Novo Banco (entre 4 de agosto de 2014, um dia após a resolução do BES, e 31 de dezembro de 2018) e «descreve um conjunto de insuficiências e deficiências graves” no BES, até 2014, na concessão de crédito e investimento em ativos financeiros e imobiliários».