Eu vivi aqueles tempos da Guerra Fria, quando uma ideologia (um modo de interpretar o mundo na perspetiva dos interesses próprios) do ‘mundo do trabalho’, vencedora, que havia derrotado o nazismo e arrancado os povos da URSS de um atraso milenar, em muitos casos nómadas, tribais e sem alfabeto, para um mundo industrializado e, urbano e cientificamente avançado, procurava romper caminho à custa dos interesses dos modernos herdeiros (a burguesia) de todos os sistemas anteriores de dominação de uns homens sobre outros.
Na perspetiva dos possidentes, dominadores e exploradores, paizinhos do nazismo, do excecionalismo ou de qualquer outra ideologia justificadora da sua ‘ordem’, a que, por muito antiga, se atrevem por vezes e designar como ‘natural’, isto é, própria da ‘natureza humana’ e, por isso, definitiva, aqueles objetivos libertadores dos trabalhadores de todo o mundo eram, simplesmente, inaceitáveis. Tinham de ‘se salvar’ (a si próprios, claro) fosse como fosse. Como sempre acontece em momentos ‘críticos’ (lembram-se como todos eles, depois do 25 de Abril, se afirmavam democratas, progressistas e, salvo o CDS, socialistas?) o Capital Internacional também se afirmava ‘honesto e civilizado’. Para tal, captou para si uma parte do movimento dos trabalhadores (a social-democracia) e deu-lhe, para se entreter, o ‘Estado social’.
Afinal o Capitalismo podia ser ainda bem melhor do que o socialismo, já que, para além dos serviços do socialismo (trabalho, educação, saúde, habitação…) assegurava a liberdade de ter ‘jeans’ e de ver filmes pornográficos. Por conveniência, após mais de 50 anos de silêncio criminoso sobre a Encíclica Rerum Novarum, deram espaço à afirmação do conceito segundo o qual à dimensão do Poder detido corresponderia uma idêntica Responsabilidade perante os outros, isto é, o conceito que vinculava a ‘chefia’ com os deveres cristãos para com os outros, os chefiados. A ‘economia’ estaria assim, subordinada aos interesses humanos, a ‘economia’ subordinada à política.
Essa aliança de sociais-democratas e democratas cristãos, suportada, na retaguarda, pelo Poder dos que não se iludem e que sabem que o Poder é igual ao pragmático ‘eu quero, posso e mando’ e que os ‘Mercados’ não são mais do que a cortina que os esconde aos olhos públicos, fez associar o Socialismo ao demónio e garantiu-nos que, derrotado este, o mundo seria, finalmente, celestial.
O desmoronar da URSS criou, de facto, essa perspetiva junto de muitos milhões de seres humanos pelo mundo fora. Não haveria mais guerras, nem corrida aos armamentos; finalmente, seria a era do desenvolvimento geral de todos os povos do mundo.
Na sua perspetiva, porém, a daqueles que nem se davam ao trabalho de se mascararem em sociais-democratas ou democratas cristãos, a sua hora havia chegado, a hora da exploração do sucesso e da afirmação pura e simples do seu Poder pragmático, a era da Hegemonia Universal, a hora da desabrida acumulação de capital seja à custa das vidas humanas ou dos ecossistemas planetários. Eles, que se auto designaram como ‘neoliberais’ mas que colonizaram internamente os ‘velhos’ sociais-democratas e democratas-cristãos, são o novo deus todo poderoso, os ‘racionais’ que modelam o mundo às suas necessidades e desejos; são o ‘fim da história’.
Eles estão aí, eles ‘andem por aí’ a mandar nestes novos tempos de modernidade líquida, a preparar as novas guerras e a dizimação dos ‘humanos excedentes’.
Os acontecimentos das duas últimas semanas, a aceleração em direção ao desastre que se verifica a olhos vistos, onde já nem se fala de ‘negócios’ mas sim de uma geopolítica de confronto, as deslocações de todo o tipo de meios bélicos para as fronteiras dos ‘oponentes’ e a criação de novos muros à volta de invenções e ‘navalnys’, estão aí, para durar. As conversações UE-China e o discurso da Úrsula no Parlamento Europeu mostram que a Europa aceitou ser o palco privilegiado da futura guerra nuclear dos EUA contra a China e a Rússia.
Estamos tramados!