Governo deu mais um passo rumo à concretização do projeto para a produção e exportação de hidrogénio verde em Portugal, com a assinatura do (há muito anunciado) memorando de entendimento com os Países Baixos.
O acordo era visto pelo Executivo de António Costa como a ‘chave’ para o arranque efetivo do projeto, uma vez que vai permitir a candidatura portuguesa ao financiamento através do Projeto Importante de Interesse Europeu Comum (IPCEI na sigla inglesa) para o hidrogénio – que, segundo as regras comunitárias, terá sempre de ser concretizada por pelo menos dois Estados-membros. A assinatura surgiu horas depois de a Comissão Europeia ‘chumbar’ a estratégia holandesa para a produção de hidrogénio naquele país (uma vez que a eletricidade nos Países Baixos ainda é produzida, principalmente, a partir de gás natural e carvão, Bruxelas defende que a produção de hidrogénio verde no país apenas aumentaria as emissões de carbono).
Ao SOL, fonte do Ministério do Ambiente defendeu que esta decisão beneficia Portugal e até pode ter acelerado o acordo: «Se, antes da decisão da Comissão, os Países Baixos já reconheciam que precisavam de importar hidrogénio verde de Portugal, após a decisão da Comissão terão de importar ainda mais, porque os seus planos de apoio à produção interna não foram considerados viáveis».
Em comunicado, o Governo explicou que «o memorando prevê o desenvolvimento de uma cadeia de valor estratégica de exportação-importação, garantindo a produção e o transporte de hidrogénio verde de Portugal para os Países Baixos e o seu hinterland, através dos portos de Sines e de Roterdão».
Recorde-se que o Governo está convencido de que o hidrogénio verde será o combustível do futuro e pretende colocar Portugal na vanguarda da produção e exportação. A denominada Estratégia Nacional para o Hidrogénio (EN-H2) – também defendida no plano de recuperação do consultor do Governo António Costa Silva – prevê ‘alimentar’ o país, fazendo chegar a energia, por mar, até aos Países Baixos e à região do Vale do Ruhr, na Alemanha.
A convicção do Governo no hidrogénio verde é tal que o Executivo de António Costa está na disposição de ‘abrir os cordões à bolsa’. Face aos elevados custos de produção do hidrogénio verde – dependente de fontes de energia renováveis (solar, fotovoltaica e eólica) –, em comparação com o gás natural, o Governo anunciou ter disponíveis 900 milhões de euros em apoios públicos ao investimento e à produção, pelo menos, até 2030. O Estado vai assim ajudar os novos projetos com 400 a 450 milhões de euros provenientes do Portugal 2020 e do Portugal 2030 e mais 500 a 550 milhões através do Fundo Ambiental, compensando os privados.
Mas o investimento do Estado poderá até ser maior, pois, segundo a EN-H2, apenas em 2035 esta tecnologia se tornará competitiva no mercado (na sequência do previsível aumento do preço do gás natural, pelo agravamento dos preços do carbono). Segundo este documento, o quilo do hidrogénio verde custa mais de três euros (entre os 2,5 e os 5,5 euros, diz a Comissão Europeia), enquanto o do gás natural se situa na ordem dos 50 cêntimos. Perante esta (enorme) diferença, o Executivo adianta que é necessário «criar as bases para estimular a procura, e não simplesmente aguardar que esta ocorra». Fica, todavia, por saber, quanto vão pagar pelo hidrogénio português os países importadores. Ao SOL, fonte do Ministério do Ambiente diz que «essa avaliação ainda decorre, numa lógica de otimização técnico/económica». E mais não adianta. Caso os Países Baixos e a Alemanha procurem adquiri-lo a preços próximos do gás natural, isso significaria que seria o Estado a custear, na prática, parte da descarbonização dos países compradores, pelo menos até 2030.
Pedro Nunes: o ‘mesmo drama’ do Governo Sócrates/Pinho
São precisamente estas contas, ainda por esclarecer, que têm motivado as críticas à estratégia do hidrogénio verde, vindas de vários quadrantes e personalidades (e que já deram forma a um manifesto).
Uma das vozes mais ativas contra o plano é a de Clemente Pedro Nunes. O professor do Instituto Superior Técnico já mereceu, inclusive, uma resposta enraivecida nas redes sociais do secretário de Estado da Energia, João Galamba, que adjetivou Pedro Nunes de «aldrabão encartado», na sequência de uma entrevista do engenheiro e académico.
Ao SOL, Clemente Pedro Nunes voltou a lançar duras críticas às opções do Governo, dizendo que «a questão do hidrogénio verde é o mesmo drama que começou com a estratégia da energia iniciada pelo Governo de José Sócrates e Manuel Pinho». «O dinheiro desperdiçado em coisas que não se conhecem começou em 2005 com as feed-in tariffs (FIT) – tarifas atribuídas aos investidores que apostam nas potências elétricas intermitentes (como são as renováveis fotovoltaica e eólica) –, às quais os portugueses estão agora ‘agarrados’», afirma. «Estes apoios expulsam do mercado todos os concorrentes, mesmo os que vendem eletricidade a preços muito mais baixos, o que contribui para que Portugal tenha uma das eletricidades mais altas da Europa, para além de uma dívida tarifária de 3 mil milhões de euros, suportada pelos consumidores. Aliás, por causa disto, as famílias e as empresas portuguesas estão, neste momento, a pagar 600 milhões de euros de sobrecustos todos os anos», afirma.
O professor do Técnico não tem dúvidas que a EN-H2 «é mais do mesmo», tanto nos custos, como nos ganhos. «A central de Sines, que é a maior e mais eficiente da Península Ibérica, poderia permitir vender eletricidade a preços muito baixos para os consumidores, no entanto, vai encerrar, pois as FIT das potências intermitentes retiram-lhe competitividade», explica. «Se o Governo quisesse, de facto, resolver o problema, teria de fazer estudos, ao invés de optar por uma estratégia que tem metas obrigatórias, o que significa que o Estado terá de pagar o que for preciso para lá chegar, mas que depois vai dar dinheiro a ganhar e subsídios às entidades que investirem. Agora, quais são as contas, quanto custa realmente, ou quanto ganha o país, isso ainda ninguém sabe», conclui.
Recorde-se que a EN-H2 estima investimentos privados na ordem dos 7 mil milhões e ainda a criação de até 12 mil novos empregos, diretos e indiretos. O calendário do Governo prevê que deverá ser lançado no próximo ano o primeiro leilão para a produção de hidrogénio verde em Portugal. A produção poderá começar no final de 2021 ou início de 2022.