Faltam cerca de duas semanas para a entrega da proposta de Orçamento do Estado para 2021 e há várias incertezas sobre a sua viabilização. Ao ponto de o próprio Presidente da República ter deixado um alerta sobre um eventual cenário de crise. Talvez por isso, ontem, a líder parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, tenha dramatizado o discurso: “Não estamos a salvar um governo, estamos a salvar um país”, declarou a deputada socialista numa entrevista à TSF sobre o momento difícil que se vive e a importância de ter um orçamento aprovado para o próximo ano.
“Espero que os parceiros à esquerda parlamentar possam estar connosco de novo. Num ano particularmente dramático para os portugueses, estamos a tratar da sobrevivência da vida de qualidade e capacidade de vencermos esta crise em nome dos portugueses. Não quero acreditar que um caminho de boa memória para os portugueses seja interrompido não só pela pandemia, mas também pela falta de entendimento à esquerda”, insistiu a líder parlamentar socialista sobre a fórmula para viabilizar as contas de 2021. Ana Catarina Mendes espera que o interesse do país fale mais alto aos parceiros de geringonça da anterior legislatura. Estas declarações surgem numa semana com reuniões técnicas, designadamente, com o Bloco de Esquerda. Que ontem tinha uma reunião aprazada com o ministro das Finanças, João Leão, ao final do dia, após o fecho desta edição.
Uma das várias bandeiras do Bloco de Esquerda para este orçamento é uma prestação social permanente para quem não tem outra forma de subsistência: os chamados trabalhadores informais, intermitentes ou independentes. No Orçamento Suplementar ficou apontado um caminho de proteção temporária, mas o BE quer uma solução permanente, correspondente a 1,15 IAS (502 euros), mas com a “disponibilidade para aceitar ofertas de emprego nos mesmos moldes do subsídio de desemprego”.
A este propósito, Ana Catarina Mendes reconheceu que o tema tem estado em cima da mesa das negociações com os parceiros de esquerda nos últimos dois meses. E o debate é o de que forma uma prestação temporária pode passar a definitiva.
Claro que a outra linha vermelha do Bloco de Esquerda é o fim de qualquer ajuda ao Novo Banco. O Governo estará disposto a não colocar qualquer previsão de injeção de capital do Orçamento para o Novo Banco, mas Ana Catarina Mendes deixou a pergunta: “Merece o país ficar amarrado, somar a uma crise económica e social uma crise financeira? Se o Estado não cumprir o contrato está a entrar numa crise financeira”. Ou seja, o PS quer uma solução (que pode passar por um sindicato bancário, como sugeriu no domingo o comentador Marques Mendes na SIC), para não falhar o cumprimento do contrato de venda do Novo Banco, ao mesmo tempo que não penaliza mais os portugueses.
Neste equilíbrio é ainda muito cedo para perceber se as propostas do Governo serão suficientes para o BE ajudar a viabilizar as contas de 2021. Sinal disso mesmo, a coordenadora do partido, Catarina Martins, afirmou ontem, em Mangualde, (após uma visita a trabalhadores da PSA Citroën) que “era importante que o Governo passasse da proclamação de ideias para a concretização de respostas para o país, que tanto precisa delas, com tanta gente a ser afetada por esta crise”.
Horas mais tarde, o próprio primeiro-ministro foi confrontado com um cenário de crise política ( ao lado da presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen) em São Bento. António Costa respondeu que está a preparar o orçamento com a “tranquilidade normal”, há avanços positivos nas negociações à esquerda e seria “absolutamente insano” acrescentar uma crise política à económica e social.
Porém, o PCP está cada mais afastado do Governo e Marques Mendes avançou, na SIC, que “já descolou” e não deve viabilizar o Orçamento. “Se não for o BE, vai ter de ser o PSD, na 25ª hora, a viabilizar o Orçamento do Estado”, afirmou Mendes, considerando que até pode representar uma oportunidade para os sociais-democratas em nome do interesse nacional. Esta mensagem foi lida no PSD como mais um recado de Belém. De realçar que Mendes, antigo líder do PSD, é também conselheiro de Estado, e amigo, de Marcelo Rebelo de Sousa. Do lado dos sociais-democratas há quem lembre ao i, contudo, que Costa disse que, no dia em que precisasse do PSD para governar, o seu executivo tinha acabado.