A negociação sobre o Orçamento do Estado para 2021 transformou-se num debate, em público, entre o Governo e o Bloco de Esquerda nos últimos dias. Ontem, o Executivo socialista admitiu pela primeira vez que “matematicamente” é possível aprovar as contas públicas sem o partido liderado por Catarina Martins, depois do impasse que se instalou no fim de semana passado, antes mesmo da entrega da proposta orçamental no Parlamento.
“O Orçamento do Estado pode ser, matematicamente, aprovado sem o BE. A questão é que para nós não faz muito sentido que o BE se coloque à parte neste Orçamento. No nosso entender, este Orçamento não tem nenhum elemento de rejeição face ao último Orçamento. Diria que haveria mais desconforto com o BE no último Orçamento do que com este”, declarou o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, à Rádio Observador, horas depois de uma conferência de imprensa do BE.
Na prática está aberta a narrativa para tentar viabilizar o Orçamento com os votos de abstenção conjugados entre PCP, PEV, PAN e as duas deputadas não inscritas – isto caso o BE não ceda à pressão do Governo.
Na véspera, também a ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva, tinha deixado uma pergunta, em jeito de pressão: “Se não é num Orçamento do Estado com estas características que é possível um acordo à esquerda, quando é?” A pergunta surgiu numa entrevista à RTP3 em que a ministra fez um repositório das medidas negociadas à esquerda: sem qualquer cêntimo do Orçamento no Novo Banco, uma prestação social para quem não tem qualquer apoio ou a subida do valor mínimo do subsídio de desemprego para que ninguém ganhe um valor abaixo do valor do limiar da pobreza (505 euros).
Porém, Catarina Martins fez um discurso ontem, em conferência de imprensa, que sinaliza que nada se alterou na posição do BE. “Nós fomos negociar uma nova prestação para que ninguém ficasse na pobreza e acabamos com um Orçamento do Estado que não tem mais do que o prolongamento de apoios extraordinários que já existem, revistos em baixa”, declarou a coordenadora do Bloco de Esquerda. Em causa está a prestação social para os chamados trabalhadores informais e precários, calculada em cerca de 502 euros na proposta de Orçamento do Estado. Problema? O BE queria um apoio “robusto” que permitisse que a prestação não fosse condicionada à condição de recursos, fórmula aplicada noutras prestações sociais. Mais, a forma como está desenhada a medida apenas permite que, em muitos casos, a prestação só dure seis meses.
“Parece-nos que o modo como está desenhado [o novo apoio] vai deixar milhares de pessoas de fora da prestação”, acrescentou o deputado do BE José Soeiro, que acompanha as áreas sociais e laborais no partido.
Desde a entrega da proposta de Orçamento do Estado, o BE não recebeu qualquer contraproposta sobre as medidas que critica nem está aprazada nova reunião. “O que esperamos não é que o Governo aceite todas as propostas do BE, é que pelo menos faça contrapropostas sobre estes objetivos e que mostrem a sua capacidade de ter efeito concreto na vida das pessoas, e é por isso que mantemos as portas abertas à negociação”, acrescentou Catarina Martins.
Do lado do PAN, a líder parlamentar, Inês Sousa Real, avisou o Governo, citada pela TSF, que o seu partido também “está muito distante de um voto a favor” e que há muito caminho a percorrer. Já o PSD, que não faz parte do processo negocial, reserva o anúncio do sentido de voto para dia 21, data das jornadas parlamentares do partido. Até lá, nem uma palavra. Porém, o eurodeputado do PSD Paulo Rangel assinalou, na Rádio Renascença, que o “PSD não tem de viabilizar um Orçamento feito com as condições de BE e PCP”.