Alta tensão no OE 2021

Com o BE a descolar do Governo e a troca de farpas em público, o Executivo avança para a última fase de avaliação de propostas para garantir a viabilização das contas públicas no dia 28.

Os próximos dias serão decisivos para se perceber até onde poderá ir o braço de ferro entre o BE e o Governo.
No PS já se percebeu que o partido de Catarina Martins quer descolar, mas ninguém sabe até onde quererá ir e se avançará mesmo com um voto contra o Orçamento do Estado para 2021. A semana que agora se inicia servirá para negociações de última hora tendo em vista o debate de especialidade. Por exemplo, o PAN será recebido pelo primeiro-ministro já esta terça-feira e são esperados novos encontros com o PCP e o PEV (falta só acertar datas).Com o BE ainda não há data agendada e, na semana passada, Catarina Martins adiantou mesmo que nada estava marcado, nem lhe tinham chegado novas contrapropostas.

O tom do debate entre os dois partidos subiu de tom nos últimos dias. Ontem mesmo, o PS marcou uma conferência  de imprensa para acusar Catarina Martins de «mentir» sobre a injeção de dinheiro no Fundo de Resolução,  veículo através do qual o Novo Banco pode receber dinheiro. «A coordenadora do BE insiste na mentira sobre este Orçamento do Estado (…) É mentira. O OE2021 não prevê a transferência de dinheiros públicos para o Fundo de Resolução para que o possam injetar no Novo Banco», defendeu João Paulo Correia, vice-presidente da bancada do PS, insistindo que não há qualquer cêntimo no Orçamento do Estado de 2021 para o Novo Banco. A declaração num tom crispado servia de resposta a uma conferência de imprensa prévia de quinta-feira, na qual Catarina Martins atacou a proposta de Orçamento por prever mais dinheiro para o Fundo de Resolução do que para algumas medidas para a área social, designadamente o apoio extraordinário para pessoas que estão na pobreza e não têm acesso a prestações sociais ( trabalhadores informais e precários). Um «absurdo», chegou a afirmar a coordenadora do BE. O PS repetiu oito vezes ontem que é mentira. Mas os bloquistas publicaram horas depois desta conferência um vídeo explicador da deputada Mariana Mortágua a insistir na mesma ideia de Catarina Martins. 

De facto, perante este debate público instalou-se alguma irritação entre socialistas com a atitude do Bloco. Isto apesar de o discurso ser sempre de que há espaço para negociar, é possível ultrapassar-se o impasse e ninguém compreenderia que o país mergulhasse numa crise política. Ontem mesmo, António Costa pediu bom senso. «Eu que sou de esquerda sinto-me bem com este Orçamento do Estado e acho que, de facto, ainda ninguém percebeu as verdadeiras razões porque é que, à esquerda, há resistências de fundo a este OE», declarou o primeiro-ministro numa entrevista ao Público, numa  resposta com um destinatário na mira: o BE.

Mais, Duarte Cordeiro, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, já preparou a narrativa para os próximos dias em jeito de pressão para o BE: «O Orçamento do Estado pode ser, matematicamente, aprovado sem o BE. A questão é que para nós não faz muito sentido que o BE se coloque à parte deste orçamento», afirmou.

Esta declaração resulta de uma discussão que já se está a fazer no PS, uma vez que o partido não pode ficar refém do BE. Mas esta tese acarreta problemas acrescidos. A matemática impõe maiores cedências ao PCP (ou a partidos como o PAN e o PEV), designadamente, o pagamento dos aumentos nas pensões mais baixas, pagos já em janeiro (e não em agosto) como está previsto na proposta de Orçamento do Estado para o próximo ano. Neste cenário, o PS precisaria da abstenção do PCP, PEV, PAN para viabilizar o documento por uma diferença mínima. E poderia também obrigar António Costa a alargar as negociações com as duas deputadas não-inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues. 

Ainda assim, o Governo vai passando a mensagem de que fez aproximações: «Para cada uma das medidas fomos dando passos de aproximação», como afirmou Duarte Cordeiro na Rádio Observador. Mas a narrativa para pressionar o BE e colocar o ónus de alguma crise política no partido de Catarina Martins está feita: «Estar contra este orçamento é estar contra o país» , avisou esta semana o deputado do PS João Paulo Correia, o rosto socialista escolhido para responder ao BE a longo de cinco dias.

Duarte Cordeiro, por sua vez, lembrou ao BE que «este Orçamento, com uma forte dimensão social, contém menos elementos de rejeição à esquerda do que o último». Que foi negociada até dois antes da sua aprovação na generalidade no passado mês de janeiro. 

O BE, por sua vez, decide como votará no próximo dia 25, ou seja, três dias antes da votação do Orçamento na generalidade, ou seja, dia 28.  E quer um compromisso (escrito) do lado do Governo com quatro medidas: não haver qualquer referência sobre o fundo de resolução (leia-se Novo Banco) no Orçamento, permitir que o apoio extraordinário para quem não tem apoios seja mais robusto, e alargado, mexidas na legislação laboral para impedir a vaga de despedimentos e o reforço substancial de meios humanos no Serviço Nacional de Saúde. 

O PCP, por sua vez, tem adotado um registo mais discreto, ainda que crítico. E avisou o Governo que está preparado para todas as eventualidades, insistindo que a proposta de Orçamento «é muito limitada, muito parcial» face o que os comunistas consideram necessário para dar resposta à crise no país. Mas «a bola está do lado do Governo» como disse ontem o líder parlamentar do PCP, João Oliveira. Os comunistas não esquecem que o PS e o Executivo de António Costa preferiram o PSD para viabilizar o orçamento suplementar. 

O «PSD pode ser o ovo» do Executivo, admitiu João Oliveira, numa altura em que os sociais-democratas dão como quase certo o seu voto contra. O anúncio será feito no dia 21. E só num cenário de crise política o partido, liderado por Rui Rio poderia avaliar outro sentido de voto.

A questão do Novo Banco tem sido arma de arremesso entre o BE e o Governo, mas este dossiê também causa problemas com o PCP. Esta semana, Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, também carregou nas tintas para contestar quer o processo de resolução de 2014 ( no Governo de Passos Coelho), quer a venda do Novo Banco à Lone Star (Governo PS):«Mas se o processo de resolução do BES configura um escândalo, a venda do Novo Banco a um fundo abutre, a Lone Star, em 2017, transformou-se num negócio ainda mais ruinoso para o Estado português», atirou Jerónimo de Sousa. 

O PEV, por seu turno, tem tudo em aberto e reclama mais medidas sociais. O seu sentido de voto será decidido no dia 26 pela direção do partido.

Do lado PAN, com quatro deputados, a discussão também não está fechada. Em declarações ao SOL, a líder parlamentar, Inês Sousa Real, afirma que «na generalidade», o Governo «foi muito pouco ambicioso» no conjunto de proposta que «acolheu de outras forças políticas, e portanto o processo na especialidade terá de ser diferente daquela que foi a capacidade de acolhimento [antes da entrega da proposta de Orçamento]».

No caso do montante mínimo de apoio social para quem não tem acesso a outras prestações sociais «fica muito aquém daquilo que é a capacidade de sobrevivência das pessoas», avisa Inês Sousa Real, recordando que o valor mínimo são 50 euros (e o máximo 505 euros). Ou seja, os 50 euros terão de ser repensados.  No caso dos jovens, o Orçamento também terá de dar respostas, sobretudo para os jovens que tinham trabalhos precários ou estágios profissionais e ficaram sem apoio com a pandemia da covid-19. Na questão ambiental, o PANlembra que o orçamento também está «desalinhado» com o próprio plano de recuperação económica. Para Inês Sousa Real, «não há uma aposta concreta na reconversão de atividades, nomeadamente aquelas que, do ponto de vista energético, são insustentáveis, que têm uma pegada carbónica que só vêm, de facto, comprometer os compromissos afirmados seja na Agenda 2030,seja ao nível de outros instrumentos ou acordos internacionais». A parlamentar insiste que «continuamos a beneficiar entidades altamente poluentes», cujas verbas poderiam servir para dar outras respostas ao país.

Mais, para o PAN não há «uma renegociação quer das PPP rodoviários, quer do Novo Banco», No caso das PPP Rodoviárias, estão previstos 1500 milhões de euros. São valores «muito significativos» que poderiam servir para os apoios sociais ou para injetar dinheiro nas empresas, sem contrapartidas, à  semelhança do que aconteceu na Alemanha. No caso do Novo Banco, o cerne da questão para o PAN (apesar de o governo dizer que não haverá dinheiro do orçamento para o Novo Banco) é «a renegociação do contrato até mesmo com o Fundo de Resolução». Inês Sousa Real defende que é «perfeitamente possível, porque o contrato prevê a possibilidade de renegociar os termos do mesmo».  Isto para que o Novo Banco não seja um poço sem fundo, e se dê garantias, por exemplo, da manutenção dos postos dos trabalhadores. Além disso, é preciso ir mais longe na proteção animal. Este é o caderno de encargos para o debate de especialidade do Orçamento que o PAN quer ver garantido antes da votação na generalidade do documento. Inês Sousa Real pede que o Governo se comprometa com as medidas acordadas, até porque a execução das propostas do PAN no Orçamento de 2020 « ascendem os 23%». É curto e não chega proclamar anúncios. Tudo está em aberto. 

À direita, CDS, Iniciativa Liberal e Chega vão votar contra o Orçamento. Esta semana, o eurodeputado do PSD Paulo Rangel deixou ainda um aviso à navegação, leia-se, ao seu partido: «O PSD não tem que viabilizar um Orçamento feito com as condições de BE e PCP».