A luta continua com Jerónimo de Sousa

Os comunistas estão reunidos em Loures, onde, há 30 anos, o processo de sucessão de Cunhal começou a ser desenhado com a eleição de Carvalhas como secretário-geral adjunto.

O PCP orgulha-se de ser diferente dos outros. E é mesmo. A questão da liderança passou praticamente ao lado do primeiro dia do congresso adaptado às restrições impostas pela pandemia. O cenário mais provável é a reeleição de Jerónimo de Sousa, mas não é certo que fique durante quatro anos, completando o mandato.

Jerónimo de Sousa ocupa o cargo há 16 anos e deverá ser reeleito, este fim de semana, no Pavilhão Paz e Amizade, em Loures. O secretário-geral do PCP é escolhido pelo comité central no segundo dia do congresso.

Jerónimo pode, no entanto, não ficar mais quatro anos e abrir caminho à renovação que está em curso no PCP.

Foi com este cenário em cima da mesa que surgiu a hipótese de recuperar um secretário-geral-adjunto, mas os comunistas consideram esse cenário remoto ou pouco provável.

Curiosamente, Carlos Carvalhas foi eleito secretário-geral-adjunto precisamente no mesmo pavilhão, em Loures, em 1990, para suceder dois anos depois ao líder histórico Álvaro Cunhal.

«Não podemos comparar momentos que são diferentes na vida do partido. Não creio que isso esteja, neste momento, em cima da mesa», disse o candidato comunista às próximas presidenciais, João Ferreira, depois de ter sido muito aplaudido pelos congressistas.

O congresso acabou  por ficar marcado pela pandemia. Os comunistas foram alvo de duras críticas, principalmente do PSD e do CDS, por realizarem o evento durante o estado de emergências.

Os principais responsáveis do partido não ignoraram essa realidade e responderam aos ataques.

Bernardo Soares, antigo líder parlamentar dos comunistas e atual presidente da Câmara de Loures, defendeu que «sem democracia não há saúde, nem direitos, nem progresso, nem futuro e, por isso, sairemos daqui com a certeza de que o único vírus que aqui se vai propagar é o vírus da luta por um futuro melhor para o nosso povo».

António Filipe, deputado comunista, também defendeu que «não são os comunistas que promovem ajuntamentos de pessoas sem qualquer distanciamento» e criticou «uma campanha indecorosa contra a Festa do Avante! e o congresso do PCP!».

Jerónimo de Sousa, no discurso de abertura, garantiu que a reunião magna do PCP «demonstrará mais uma vez que a realização de atividades é compatível com a prevenção da saúde».

Ao contrário do PS e do BE, o PCP optou por não adiar o congresso.

A opção foi por realizar o evento com várias restrições, como a redução para metade do número de delegados e sem convidados nacionais e estrangeiros.

 

PCP é uma força de oposição

O secretário-geral do PCP fez um balanço da ‘geringonça’, entre 2015 e 2019, e garantiu que «os quatro anos que corresponderam à nova fase da vida política nacional não foi um tempo percorrido em vão». Mas esses quatro anos também mostraram que o PS está «amarrado a opções de classe que limitaram o alcance e extensão da resposta que seria necessária».

Jerónimo fez, depois, uma análise do período que se seguiu às últimas eleições legislativas, um dia depois de o PCP ter viabilizado o Orçamento do Estado para o próximo ano.

O secretário-geral do PCP explicou que os comunistas não são «parte de uma alegada maioria, mas sim força de oposição a tudo o que contrarie ou faça retroceder os interesses e direitos dos trabalhadores e do povos».

Ou seja, o PCP absteve-se porque foi possível negociar «medidas que terão tradução concreta na vida dos trabalhadores e do povo», mas o Orçamento é apenas da «responsabilidade» do Governo.

«Uma abstenção que marca um distanciamento face a opções e critérios que o Governo assume num Orçamento que é da sua responsabilidade», disse o secretário-geral dos comunistas, na abertura do congresso.

 

‘Geringonça’ penaliza PCP

O PCP tem perdido peso eleitoral desde que, pela primeira vez na história da democracia, alinhou num acordo de Governo com os socialistas. Nas últimas eleições legislativas, em 2019, os comunistas perderam cinco deputados depois de terem sofrido uma pesada derrota nas presidenciais, em 2016, com apenas 3,95% dos votos.

Pelo meio, nas autárquicas, em 2017, perdeu dez câmaras, entre as quais autarquias históricas comunistas como Almada ou Castro Verde e nas eleições europeias passou de três para dois eurodeputados.

Mais recentemente, nas eleições dos Açores, em outubro, perdeu o único deputado que tinha no Parlamento Regional.

 

Carvalhas de saída

Jerónimo de Sousa já tinha anunciado uma redução no número de membros do Comité Central, o órgão máximo entre congressos, mantendo os critérios de «origem social».

A renovação abre a porta à saída de vários históricos do partido. Com destaque para o sucessor de Álvaro Cunhal como secretário-geral do PCP, Carlos Carvalhas. Carlos Gonçalves e Agostinho Lopes, ex-deputado na Assembleia da República, também estão de saída.

Carlos Carvalhas admitiu que já tinha pedido para sair no último congresso, mas só agora foi possível. «Já há quatro anos tinha pedido insistentemente para sair. Desta vez insisti mais e houve um acordo com a direção do partido. As pessoas não são eternamente jovens e é preciso renovar», disse o antigo secretário-geral dos comunistas, à margem do congresso.

Na prática, o comité central passa de 144 para 129 elementos. A proposta, que deverá ser aprovada este sábado, aponta para 33 saídas e 19 novos dirigentes.

André Martelo, Daniela Ferreira, Diana Couto, Fátima Bento ou Filipe Marques são alguns dos novos elementos.

 

PCP com menos militantes

Nos últimos quatro anos, o PCP perdeu mais de quatro mil militantes. O partido tem, atualmente, 49.960 militantes, ou seja, menos 4320 do que em 2016.

O PCP explica que esta redução está relacionada com «o facto de o número de recrutamentos não ter compensado o número de camaradas que deixaram de contar como membros do partido, principalmente em consequência de falecimentos».

11,4% dos militantes do partido têm menos de 40 anos, 39,5% têm entre 41 e 64 anos e 49% mais de 64 anos, de acordo com os dados revelados no Projecto de Resolução Política.

O número de mulheres subiu nos últimos quatro anos.