O ministério tem várias ações em mãos, abrangentes e distintas…
Somos um ministério transversal que toca em todos os ministérios e depois temos uma área muito nossa. Entretanto tivemos de adaptar as medidas à crise, ou seja, continuam a fazer sentido, mas tivemos de alterar o nosso programa, não podemos deixar-nos dominar pela pandemia. Não basta lançar a medida, o apoio, e as empresas ou as entidades concorrerem e aprovarmos. Temos de acompanhar a execução, de perceber se a implementação está a ser bem-sucedida, quais os problemas que os promotores estão a ter, porque isso permite-nos modelar os próximos apoios. O nosso ministério tem de ter essa proximidade com o terreno e temos de ter um olhar especial para o interior. E se for preciso fazer avisos diferentes de região para região para ter em conta as suas especificidades, também o fazemos.
Para adaptar consoante as necessidades…
A coesão territorial é isto, tratar diferente o que é diferente, e é pôr o território nas políticas públicas. O que o ministério procura fazer com a CCDR [Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional], com as entidades intermunicipais e com as autarquias é pôr território nas medidas. Há algumas, como a requalificação das escolas, centros de saúde, património cultural e natural, cuja única fonte de financiamento são os fundos comunitários, e é fazer essa articulação com os vários ministérios. Por exemplo, acabamos de lançar um programa de apoio à produção nacional que foi pensado durante a pandemia com as associações empresariais. A pandemia mostrou que estamos muito dependentes do exterior, que temos de ser mais autossuficientes e que é importante estimular a produção. Então o que aconteceu? Tínhamos verbas de difícil utilização – para projetos-piloto, de trabalho com deficientes, com pessoas idosas – e, com a pandemia, a Comissão Europeia introduziu uma grande flexibilidade para reprogramarmos verbas que foram agora alocadas a este programa. É só para micro e pequenas empresas, para apoiar a compra de pequenas máquinas ou para ajudar no caminho da digitalização. É uma medida que vai ser gerida ao nível das comunidades intermunicipais.
Isso acaba por dar carta branca para as próprias entidades definirem as prioridades daquela região…
Mas isso é que é coesão territorial: havendo um programa de Governo, que os territórios possam definir o que é prioritário para si, porque o país não é todo igual. Isso é respeitar a descentralização. Isto significa que quem toma a decisão ou quem decide o que é prioritário está mais próximo dos problemas. E, depois, aquele que vai acompanhar a implementação das medidas, porque está mais próximo, vai poder corrigir, melhorar as medidas ou alterá-las radicalmente, porque se há coisa que hoje vivemos é a mudança constante da nossa envolvente. Aquilo que é a política correta no momento pode não corresponder às necessidades do território passados uns meses. Neste momento, já não estamos a falar passados uns anos.
E aplicar bem as próprias verbas…
Temos no nosso país uma máquina muito bem montada para fazer as auditorias e as fiscalizações. A verdade é que há casos em tribunal a serem julgados e que são públicos. Também é verdade que esses casos têm maior visibilidade que os 99% que correm bem. Portugal tem contrato de confiança com a Comissão Europeia e na União Europeia só há dois países com esse contrato: um é um país nórdico e outro é o nosso país. Isso decorre do facto de as auditorias a que somos sujeitos pela própria Comissão Europeia permitirem concluir que, em geral, aplicamos bem os fundos e temos procedimentos e mecanismos de controlo. A sociedade não pode estar a pedir para desburocratizar, para confiar, e depois, quando algo não corre bem, dizer, ‘ah, não pediram o papel A ou o papel B’. Não. Temos de desburocratizar, temos de confiar mas, ao mesmo tempo, criar os mecanismos e os procedimentos para detetar os aproveitamentos e as fraudes. E aí funciona o Estado de direito. Temos o Ministério Público, onde denunciamos, depois temos os tribunais, que vão julgar. Num Estado de direito não podemos, sempre que um caso de aproveitamento vem a público, parar todo o processo e desconfiar de todos. Tem de haver aqui um equilíbrio. É a única maneira que temos de gerir verbas que sempre foram significativas e que vão ser ainda mais significativas para que possam ser bem aproveitadas pelo nosso país.
Esse papel da fiscalização vai ganhar mais relevo com a ‘bazuca’?
E vai ser gerido com regras diferentes dos outros programas porque, com o Programa de Recuperação e Resiliência, contratualizamos resultados e estes têm de ser atingidos. É óbvio que quanto maior é o pacote financeiro, maior é a nossa responsabilidade de ter as regras claras, de gerir com transparência e prestar contas.
Já está definido como será feito esse controlo?
Estamos a trabalhar nisso. Mas enquanto o Plano de Recuperação e Resiliência não for aprovado, acho que devemos focar-nos nos objetivos definidos para aplicar essa verba naquilo de que o país necessita para, daqui a dez anos, sermos mais resilientes, mais competitivos, mais inclusivos em termos sociais. E em todo o país, nas áreas metropolitanas, que têm problemas gravíssimos, no interior…
Quando se fala em problemas pensa-se mais no interior, mas as grandes cidades também têm…
Têm problemas enormes de coesão social e territorial. Temos bolsas de pobreza, temos bairros sociais… Ainda por cima estamos a falar de regiões, como é o caso da Área Metropolitana de Lisboa, que apesar de ser desenvolvida tem muitas assimetrias, e por ser globalmente uma região desenvolvida recebe menos fundos nos quadros comunitários. É normal que no Programa de Recuperação e Resiliência tenhamos preocupações de resolver estes problemas, mas de forma sistémica e integrada. A intervenção num bairro social não se faz só ao nível da habitação, do espaço público. Tem de se trabalhar com as famílias, com os jovens…
A pandemia deixou essa realidade a nu nas grandes cidades…
A pandemia levou muita gente para o interior e as famílias encontraram um refúgio que não sentiam na cidade. O que tem o interior que a cidade não tem? Tem natureza, tem segurança. As famílias não iriam para o interior se sentissem -– como muitas vezes se diz, que não há centros de saúde, não há serviços públicos, etc. – que não tinham condições. Têm é numa dimensão adaptada aos territórios. Até há serviços públicos muito mais customizados, que vão a casa das pessoas porque são mais idosas. Agora, a pandemia veio mostrar-nos que temos de mudar também as nossas cidades e a maneira como vivemos nelas. Precisamos de mais espaços verdes nas cidades, por exemplo, precisamos de ter melhor habitação, transportes mais seguros. Imagine o que é para uma família com filhos em teletrabalho num apartamento pequeno se não tiver ao lado um jardim onde possa ir passear com os seus filhos e respirar ar puro. Também a mobilidade tem de ser mais sustentável para que as pessoas usem mais os transportes coletivos, mas com segurança. E temos de investir aí. Não é por causa do receio que vamos abandonar o caminho dos transportes coletivos. Mas não há autarca do interior que não diga, ‘senhora ministra, vi o meu concelho com crianças como já não via há décadas, vi jovens com crianças’. E muitos deles dizem-me que, se tiverem condições, ficam lá. Alguns foram para casa dos avós, outros já não tinham memória de como era viver no interior. E a pandemia veio acentuar também outra coisa: é nestes momentos complicados que questionamos o que é verdadeiramente importante nas nossas vidas e se vale a pena termos a vida que temos nestes centros urbanos, porque, não tenhamos dúvidas, as famílias têm vidas muito complicadas nas grandes cidades, principalmente aquelas que não têm o privilégio de viver no centro ou que não podem usar apenas um transporte público para irem de casa para o trabalho.
Às vezes são mais de duas horas de transportes públicos…
É mesmo, mas as famílias não vão para o interior só para terem contacto com a natureza ou porque a renda das casas é mais barata. Só vão para o interior se tiverem trabalho, se tiverem uma perspetiva de carreira, se os seus filhos tiverem boas escolas, se houver centros de saúde, espaços de cultura. O que neste ministério tentamos criar é que nestes territórios haja estas condições. E elas existem cada vez mais. Existem sobretudo nos pequenos e médios centros urbanos – s formos ver, de norte a sul do interior, desde Bragança, passando pela Guarda, Viseu, Chaves, Portalegre…
Muitas delas surgem nos índices de melhor qualidade de vida…
Exatamente, e o que verificamos é que estão a sofrer uma procura muito grande por parte dos jovens e das empresas. A ideia que se tem do interior é uma perceção muito errada: é a mulher vestida de escuro, com bigode. Isso é um conceito que ainda existe em alguns espaços rurais, mas não representa o nosso interior. Sou uma mulher do interior. Vou todos os fins de semana para o interior. A minha secretária de Estado trabalha no interior e fez vida sempre no interior. A ideia que se tem, bucólica, campestre do interior é uma ideia errada. E nem aqueles que vão passar férias ou vão fazer umas visitas ficam com o conhecimento profundo do que são os territórios do interior. Há dinâmicas nesses territórios que temos de robustecer e alimentar, e isso só se faz de uma maneira: valorizar o interior, continuarmos a insistir para que tenha bons serviços de saúde, boas escolas, e estamos a fazer esse investimento com os autarcas. Depois é muito importante que as pessoas tenham trabalho, que haja empresas. É muito importante que nestes territórios continuemos a ter agricultura, continuemos a valorizar a floresta, mas têm de existir atividades económicas que remunerem bem. Senão, não vamos ter pessoas a quererem trabalhar lá porque não vão ganhar um bom salário. E isso só se faz com novas tecnologias, com conhecimento e inovação. É claro que temos de continuar a preservar o ambiente, mas não temos de ter territórios intocáveis, sem atividade económica. A ideia de que o interior tem de estar intacto e que ninguém pode mexer é uma ideia profundamente errada.
É fácil atrair investimentos para esses territórios?
Abrimos medidas dedicadas para o interior – até agora, 300 milhões de euros, através de fundos. A procura foi quatro vezes superior.
É preciso reforçar essa linha?
Sim, mas a esmagadora maioria destas linhas concentra-se em apoiar projetos empresariais, apoiar o aumento de capacidade das empresas, apoiar a instalação de novas empresas nestes territórios. Estas linhas não são só para quem vai. São também para quem já lá está e é também para apoiar a contratação de pessoas. O programa +CO3SO Emprego, inicialmente, foi pensado só para o interior, mas com a pandemia abrimos para todo o país, para as IPSS, associações sem fins lucrativos, cooperativas. Com este programa, se quiser constituir um negócio no interior tem direito, durante três anos, a três indexantes de apoio social. Isto dá à volta, por mês, de 1200 euros. Ainda tem um apoio para a Segurança Social e sobre este bolo tem ainda um adicional de 40%. Isto é liquidez. Antes da pandemia, só tínhamos este apoio previsto para empresas e para o interior, mas alargámos a medida a todo o país e pusemos uma majoração para o interior. Esta medida arrancou com 90 milhões de euros e tivemos uma procura de 500 milhões de euros.
Houve uma procura muito elevada…
De forma bastante isenta, qual é o sinal político que isso dá? A partir do momento em que a medida é desenhada e tem elevada procura, isso significa que faz sentido e que corresponde às necessidades das pessoas, das empresas e do território, significa que vamos poder apoiar os projetos de maior mérito. Se não o fizermos nesta altura, quando é que o fazemos? O que tentamos fazer é desenhar medidas que correspondam verdadeiramente às necessidades e resolvam problemas imediatos. Esta medida +CO3SO Emprego é uma medida que tem duas vertentes: apoiar a empregabilidade e dar liquidez. Estamos a fazer as primeiras aprovações, as CCDR estão a fazer isso. A medida acabou em finais de setembro mas, como tivemos muitas candidaturas, a pressão foi analisá-las e ver que reforço é que necessitamos de fazer para não ficarem candidaturas de mérito por aprovar. Daí ser muito importante esta descentralização, porque permite uma maior flexibilidade na adoção de medidas conforme as necessidades do território, porque em janeiro eram umas, em março eram outras, em outubro são outras. E como há uma necessidade de adaptar permanentemente as nossas medidas, só podemos fazer da maneira que fazemos: estar no terreno, trabalhar de forma muito próxima com as CCDR. Falar pouco e ouvir, ouvir, ouvir. E há uma coisa que a experiência nos diz: em geral, quem sente o problema também tem uma proposta para esse problema, e é preciso ouvir as propostas. Temos aqui um desafio com a pandemia, que é continuar no terreno com todas as cautelas, mas não abdicamos de ir ao terreno, às empresas, aos municípios, às IPSS.
Para não dar a ideia de abandono…
Não, isso não. É o pior que há. O Ministério da Coesão Territorial e todo o Governo procuram, mesmo em contexto de pandemia e com todas as cautelas, estar no terreno. E fazer duas coisas simultaneamente: temos de ter medidas para gerir a pandemia, mas temos que pensar que há vida além da pandemia. Temos de começar já a planear – e é isso que temos de fazer através do Plano de Recuperação e Resiliência – como vamos sair desta crise económica, que vai perdurar além da pandemia. A pandemia está a trazer-nos muito sofrimento e esse sofrimento traduz-se em desemprego, em encerramento de empresas, em diminuição da qualidade de vida de muitas famílias, e traduz-se de forma muito mais impactante em alguns setores que são importantíssimos para a nossa coesão social. Por isso é que temos de ir tomando medidas mantendo a atividade económica, tal como o Governo faz, dentro do possível, e preservar a nossa saúde.
É uma balança difícil de gerir?
É, mas tem de se ir gerindo. E quem pensar que gerir a pandemia é tomar duas ou três medidas e que o problema fica resolvido está muito enganado. Não fazemos uma gestão da pandemia muito diferente da que os outros países fazem. Ainda esta semana ouvimos as medidas de França, de Espanha, e o que estamos a fazer é bastante semelhante tendo em conta, naturalmente, a cultura do nosso país, que é diferente dos outros povos, mas a pandemia gere-se. É impossível – e, se assim fosse, de certeza que já o teríamos feito – termos uma ou duas ou três medidas que resolvessem os problemas. A única maneira de resolver a pandemia na perspetiva da saúde seria o confinamento total, mas não sei se isso não nos mataria.
Em termos económicos?
E não só. Se não há dinheiro, também não há saúde. Nada se faz, e sobretudo num sistema nacional de saúde sem recursos.
Apesar das restrições, elas são mais leves face aos outros países…
Também estamos confinados. Quando foi o primeiro confinamento, o primeiro estado de emergência, as pessoas já estavam em casa. Acho que têm mais resultado regras claras, transparentes, bem comunicadas, em que as pessoas entendam que é importante cumprir não só porque é proibido, mas porque é importante para a nossa saúde individual e coletiva do que confinar por confinar, porque as pessoas já têm essa cautela. Não adianta termos regras se as pessoas, depois, não as cumprem ou não as entendem.
Há sempre a tentação de haver exceções ou tentar fintar as regras…
Por isso é que digo que mais vale regras claras que entendamos e saibamos que todos vamos cumprir, porque sabemos que são as corretas, do que termos um conjunto enorme de restrições e, depois, não cumprirmos. Temos de perceber que estamos todos muito cansados desta pandemia. Tem de haver muito equilíbrio naquilo que fazemos. As restrições que estamos a impor já são brutais. Não concebo algo mais brutal do que impedir as pessoas de mobilidade entre concelhos a não ser para irem trabalhar ou estudar ou prestar cuidados de saúde. Há algo mais radical e brutal que isto? Já acho que as nossas medidas são brutalmente restritivas.
E do ponto de vista psicológico também são muito severas…
E afetam de uma maneira atroz setores de atividade económica que são fundamentais para a nossa coesão social e económica. As medidas têm sido ponderadas, não têm sido impostas cedo demais. Temos de ter em conta que temos uma cultura de segurança diferente da dos países nórdicos. Aquilo que é o momento certo num país nórdico pode não ser o momento certo num país do sul. Estamos em estado de emergência, estamos a inibir as pessoas de saírem. A sua família pode ir passear e ser abordada por um agente da autoridade a perguntar o que anda a fazer na rua. Mas há algo mais violento que isso? É por isso que acho que as pessoas cumprem de livre vontade porque sabem que é o melhor para si, para as suas famílias e para nós enquanto comunidade.
Mas também há um pouco de saturação…
As pessoas têm de pensar que temos de continuar a ter paciência e a ser aquilo que sempre fomos: um povo resiliente, que coloca o nosso bem-estar coletivo acima das nossas saturações, das nossas neuras. Porque todos temos direito a elas, mas acredito que, ao fim e ao cabo, o cidadão português, mesmo com a neura de estar em casa, vai pensar que vale a pena porque, enquanto comunidade, saímos a ganhar.
Em relação ao teletrabalho, as regiões do interior poderão sair beneficiadas. Isso poderá estimular ainda mais as medidas?
Sim, sim. Estamos a criar neste momento uma rede de espaços de teletrabalho que está no plano de estabilização económica e social. A medida vai ter uma verba inicial de 20 milhões de euros e é para os municípios adaptarem espaços – a medida já está no terreno – para que as pessoas possam trabalhar lá, porque é muito mais fácil fazer a separação entre o que é a vida familiar e a vida profissional. Esta é uma das grandes lições da pandemia. É valorizar os territórios do interior neste contexto e onde é possível trabalhar para o mundo. Se o fizeram durante a pandemia, então há que aproveitar que há pessoas que queiram continuar a fazê-lo depois da pandemia. Em breve faremos uma divulgação mais pública e, quando a fizermos, teremos a rede mais trabalhada de norte a sul do país. Uma das ações deste ministério é trabalhar e consolidar uma rede de espaços de teletrabalho no interior. E estamos a fazer isso com as autarquias. Muitas delas nem financiamento querem, querem apenas fazer parte da rede.
Isso acaba com a ideia que disse, que o ‘interior do país tem de ser mais do que um destino de férias’?
Sim, sim. É muito bom que o interior seja um espaço privilegiado pelos turistas, mas a pandemia também trouxe uma lição: o desenvolvimento dos territórios dependentes de um só setor de atividade não é boa ideia. O turismo é importante, continua a ser importante para os territórios do interior, mas não pode ser a única fonte de desenvolvimento deste território. As pessoas têm de se mentalizar que, se não desenvolvermos o interior, vamos continuar a ter problemas gravíssimos nas grandes cidades, nomeadamente aumentar o número de famílias que passam a ter melhor qualidade de vida e diminuir o número de famílias que vivem mal, que passam horas para chegar ao trabalho, que apesar de terem equipamentos culturais ao lado não têm recursos nem tempo para ter momentos de lazer e de cultura, porque a sua semana é uma semana casa-trabalho e, depois, o fim de semana é para preparar a semana de trabalho. Isto não é vida. E as pessoas que agora foram para o interior, durante a pandemia, perceberam isto. Perceberam que podem andar com os miúdos na rua de mão dada, que podem levá-los à escola a pé, percebem que os centros de saúde funcionam, percebem que têm escolas modernas, percebem que podem ter atividades que nem pagam porque as autarquias providenciam estas atividades, desde programação nas escolas, ensino de línguas, várias modalidades de desporto – coisas pelas quais as famílias, aqui, teriam de pagar uma fortuna e nem sequer teriam condições, porque frequentar estas atividades exige uma logística que as famílias não conseguem ter nas cidades. É nossa obrigação aproveitar que há famílias que querem mudar de vida e também é nossa obrigação mudar esta perceção e esta ideia que se tem do interior. Não é só floresta, não é só agricultura. Então, o que fazemos? Apoiamos as empresas a modernizar-se e depois apoiamos as empresas a contratar pessoas licenciadas também. E depois temos até uma medida de apoio que, neste caso, é paga diretamente às famílias que queiram mudar-se do litoral para o interior – por família o valor máximo é 4800 euros. A pessoa só tem de se inscrever no centro de emprego e comprovar que vivia num território que não era no interior e que agora tem um negócio ou que vai trabalhar no interior. Se levar o agregado familiar, recebe um apoio. Este dinheiro é pago à família. Depois, a própria empresa também tem apoio para a contratar. E também temos apoio para trazer emigrantes, que pode ir até aos 7600 euros, para dar a ideia a essas pessoas que saíram porque não tinham aqui trabalho correspondente às suas qualificações que podem agora regressar. Já antes da pandemia tínhamos tido uma grande procura mas, agora, porque estas pessoas também foram afetadas nos países onde estavam, tivemos uma procura ainda maior.
Em relação aos transportes defende a ligação Lisboa-Porto-Vigo, mas há ligação Lisboa-Madrid. Esta solução é irreversível?
Não sei quem fala da solução Lisboa-Madrid.
Vários economistas…
Pois, mas não são eles que estão no Governo. O que está no programa do Governo, no programa nacional de investimentos e que interessa ao país, é a inserção da alta velocidade no mercado ibérico, e já definimos dois eixos, o atlântico e o sul. É unir os dois portos que temos – Sines e Setúbal – e fazer uma ligação de modo a que se insira no mercado ibérico por Elvas, Caia e Badajoz. Está a ser financiado por fundos europeus e tem como objetivo potenciar o aumento das nossas exportações. Em relação a Lisboa-Madrid, não está no nosso plano nacional de investimentos porque temos estes dois corredores, e só vou pronunciar-me em relação aos que foram definidos e aprovados em Conselho de Ministros por unanimidade.
Em relação aos aeroportos, defende o de Beja…
E mantenho. O Aeroporto de Beja começou há muitos anos com uma pista feita por uns alemães, mas que depois abandonaram o nosso país. Recentemente foi feito um investimento no aeroporto com fundos europeus de 34 milhões de euros. Embora nunca possa ser um substituto de um aeroporto nacional, porque será sempre um aeroporto regional, não perde importância por isso. Estamos a falar de uma infraestrutura que podia ter um aproveitamento maior e que está a cerca de 150 quilómetros de Faro e 150 quilómetros de Lisboa. Portanto, temos de continuar a valorizar o investimento que já fizemos e colocar este aeroporto ao serviço da região.
E potenciar a região…
Exato. Não podemos ignorar que está a ser construído, no Alentejo, nomeadamente em Ponte de Sor, em Beja, mas sobretudo em Évora, um cluster de aeronáutica. Mesmo que tenhamos de fazer mais investimentos, se eles justificarem o impulso que vão dar na atividade económica da região, então têm de ser feitos. Agora, investir 34 milhões e a região não sentir que o aeroporto está ao serviço do seu desenvolvimento não faz sentido.
Mas não iria substituir o aeroporto do Montijo?
Nunca seria para substituir um aeroporto de que precisamos em Lisboa. Seria sempre um aeroporto regional e não perde valor por isso.
Tem também em mãos a remoção do amianto das escolas. E há várias críticas por parte do Movimento Escolas Sem Amianto e da associação ambientalista Zero..
Compreendo as preocupações, mas não podemos estar preocupados antes de as medidas terem fechado. O aviso ainda está aberto e, muito provavelmente, vamos prorrogá-lo por mais 15 dias ou até ao final do ano. Quando abrimos esta medida é para resolver um problema, não a abrimos só para a anunciar. A nossa primeira preocupação foi mapear as escolas que tinham amianto.
Ainda há muitas?
Fizemos uma primeira lista, temos vindo a alterá-la e a acrescentar escolas. Neste momento, o despacho conjunto entre a ministra da Coesão e o ministro da Educação conta com 631 escolas identificadas. Quanto às candidaturas, neste momento temos 416 submetidas, que correspondem a um investimento de cerca de 45 milhões de euros. Se o aviso se prolongar temos a expetativa de que a maior parte das autarquias com escolas com amianto submetam candidatura.
Mas há um valor máximo a ser atribuído…
Há um valor máximo de 65 euros por metro quadrado, que pode ser acrescido de 10% para outras despesas relacionadas com a intervenção. Na prática, o preço por metro quadrado é de 71,5 euros, que acomoda a esmagadora maioria das intervenções. O que é que aconteceu? Quando se divide o investimento pelos metros quadrados dá um valor maior mas, nesse caso, estamos a falar de intervenções que vão além daquilo que era a medida de substituição do amianto. Alguns municípios, e bem, aproveitam a intervenção na remoção das placas de fibrocimento e fizeram outras intervenções nas escolas. Mas esses outros acréscimos de investimento não são financiados. Só recebi duas reclamações de duas autarquias a dizerem que o valor não chegava. Respondi por escrito. Quando analisámos os investimentos, estes iam para além da remoção do amianto. Neste momento é uma questão de justiça e de igual tratamento.
Tendo em conta que são 631 escolas identificadas, quando estará concluído este processo?
Algumas até estão a submeter candidaturas e já retiraram o amianto. Os municípios vão ter as férias escolares para fazerem obra, vão ter as férias do Natal, da Páscoa e o próximo verão para poderem fazer a substituição. E é suficiente. Por exemplo, na Área Metropolitana de Lisboa, nunca os municípios tiveram taxas tão atrativas para intervir num problema de saúde pública. Não tenho dúvidas de que este é um excelente exemplo de aplicação de fundos.
Disse numa entrevista que este ministério foi desenhado para o seu perfil. Que perfil é esse?
Procuro fazer, ao nível nacional, aquilo que fazia na CCDR Centro. Mesmo quando recebia orientações nacionais, o que é normal, aplicava sempre essas orientações tendo em conta a especificidade da região. Tentava fazer sempre um trabalho de grande proximidade, de grande diálogo, de presença no terreno, para conhecer os problemas, conhecer os atores, gerar confiança, o que é muito importante. Quando digo que este ministério é um bocadinho à minha medida é no sentido de que olho para a coesão territorial nesta perspetiva. Isto é, pegar naquilo que são as medidas de política pública do nosso Governo, tentar adaptá-las às regiões, trabalhar com as regiões e ajudar depois a CCDR a adaptá-las ao contexto dos seus territórios.
É um ministério novo, não havia esta pasta em Governos anteriores…
Não havia. A partir do momento em que foi criada uma pasta da Coesão Territorial, senti que tinha o perfil. Se não sentisse isso, de certeza que não tinha dito que sim. Tenho experiência de 25 anos de fundos comunitários, doutoramento, fiz investigação nesta área, fui durante anos e anos alta dirigente de uma CCDR, conheço o país, tenho um conhecimento profundo de como funciona a máquina da administração pública.
Chegou a dizer que as autarquias deviam estar neste ministério…
Acho que, nesta fase, as autarquias estão no ministério certo, porque estamos num momento de grande reforma da administração pública e do Estado. Essa reforma está a ser levada a cabo pela ministra Alexandra Leitão e estamos num processo de descentralização. É importante que esta reforma seja feita de forma integrada. As autarquias estão no ministério certo até porque as autarquias não têm tutela e, portanto, não é por estarem em termos administrativos num outro ministério que este não trabalhe com elas ou que as CCDR não trabalhem com elas.
A pandemia poderá pôr em causa este processo de descentralização?
Sou uma regionalista convicta. Agora, não posso ignorar que no programa do Governo não consta a regionalização. Não vou, neste momento, em perfeita lealdade com o primeiro-ministro e com o programa do Governo, defender que se faça um referendo ou que se faça a regionalização, até porque o país é muito diferente daquele que era quando se fez o referendo. O que este Governo está a dar são sinais muito importantes, com a eleição dos presidentes da CCDR, com o aumento das suas competências. A minha convicção é que só seremos um país mais coeso se formos um país mais descentralizado, se formos um país com regiões mais fortes, com regiões com maior autonomia, com maior poder de decisão e com mais meios.
A senhora ministra não vem propriamente da estrutura partidária do PS. Isso não pode colocar algum entrave?
Já trabalhei com vários Governos e nunca me senti menorizada por não ter o cartão de um partido. Não tenho cartão de qualquer partido e nunca senti que isso me prejudicasse na minha vida pública e política. Fiquei muito honrada com o convite do senhor primeiro-ministro, mas penso que ele, neste ministério, queria alguém que, de facto, fizesse a ponte com os vários atores. E a coesão territorial não tem partidos. Consigo ser absolutamente fiel ao programa do Governo e a este Governo, e não é por não ter o cartão de um partido que sinto que não tenha voz no Conselho de Ministros. Pelo contrário. O senhor primeiro-ministro dá voz a todos os ministros no Conselho de Ministros e não é por isso que não me dou bem com todos os colegas de Governo que são líderes partidários, legitimamente. Estou muito confortável e continuarei independente.
Foi responsável pela reconstrução de casas dos incêndios de outubro de 2017. Que memórias guarda?
Guardo memórias muito dolorosas. Guardo, inclusivamente, cheiros que nunca esquecerei. Acho que só quem viveu estas tragédias é que, de facto -– não consigo deixar de me arrepiar –, percebe o que se passou e o quanto aquelas pessoas e aqueles territórios sofreram. Mas senti na altura que tinha todas as condições, que o Governo deu todas as condições à CCDR que foi responsável pela construção das casas dos incêndios de outubro. Tinha uma equipa pequena, mas era o que era, mas também tinha as autarquias a trabalhar. Sobre as habitações, a CCDR deu apoio a 26 apetrechamentos de habitações e deu luz verde a 825 reconstruções de habitações. Destas 825 habitações que considerámos que eram primeiras habitações e que tinham sofrido danos nos incêndios – algumas parciais, outras totais – estão reconstruídas 817 habitações. Ou seja, há oito habitações que ainda estão em fase de execução, mas estão em execução pelos donos das obras, que são as próprias famílias, e não a CCDR Centro. Diria que não fizemos certamente tudo bem, mas os números falam por si e tenho muito orgulho no trabalho que a equipa da CCDR fez.
O levantamento foi muito complicado?
Foi, mas fizemo-lo em 15 dias. As pessoas não tinham fins de semana, não tinham feriados, trabalhavam durante a noite, e estamos a falar de um trabalho contínuo durante dois anos, no mínimo. Houve 372 empresas que praticamente arderam na totalidade e também tiveram apoio. Este apoio ronda os 100 milhões de euros e já transferimos para as empresas 80 milhões de euros. A diferença é que há ainda empresas que estão em construção. Estamos a falar de empresas que tiveram prejuízos de 25 milhões, de 13 milhões, e que tiveram que fazer projetos de licenciamento, que demoram. A pandemia também não ajudou. Mas a maioria já está inaugurada e está a trabalhar. Por uma questão de transparência, todos os dados estão publicados e são permanentemente atualizados no portal da CCDR, com todos os dados, com fotografias do antes e depois, ou seja, para que haja uma total transparência quer nos apoios às famílias, quer nos apoios às empresas. Foi um trabalho de muita dedicação, feito por poucas pessoas.