O primeiro período está a duas semanas de terminar e são centenas os alunos que no Agrupamento de Escolas Vergílio Ferreira, em Lisboa, ainda não tiveram nenhuma aula de Português e de Inglês. Este caso não é único e Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof, afirma ao i que “estamos a falar de um total de cerca de 30 mil alunos sem aulas” em todo o país. Os distritos de Lisboa, Setúbal e Faro são aqueles onde se sentem as maiores dificuldades. Entre os problemas estão os horários parciais e os contratos temporários. Os encarregados de educação falam em “horários com vícios” feitos por docentes com muitos anos de casa, de forma a “deixar os horários mais convenientes para os amigos”. No final da discussão entre o Ministério da Educação, professores e sindicatos, os alunos, explica o encarregado de educação Daniel Ferreira, “são a razão da existência de toda a comunidade escolar e, tal como me disse um professor, acabam por ser vistos como danos colaterais”.
O Agrupamento de Escolas Vergílio Ferreira tem dois jardins-de-infância, sete escolas básicas e uma secundária. São várias as que têm carência de docentes, nomeadamente a Secundária Vergílio Ferreira, a Escola Básica de Telheiras e a a Escola Básica de São Vicente. Relativamente à segunda, os pais apontam para a especial gravidade da situação, visto que é uma escola “que integra vários alunos com necessidades especiais e cujos funcionários se foram embora”.
Os encarregados de educação que veem os alunos com conhecimento em atraso – e que “será praticamente impossível de ser reposto” – conseguem, no entanto, compreender o porquê de tantos professores se recusarem a trabalhar naquele agrupamento. Daniel Ferreira lamenta que os horários sejam feitos “não em função das necessidades dos alunos, mas do ponto de vista do interesse de alguns colegas docentes mais antigos”. O encarregado de educação vai mais longe e dá um exemplo específico: “Se há professores que só querem trabalhar de terça-feira a quinta e terem os outros dias livres, faz-se a vontade”. Neste caso, o encarregado de educação acredita que bastava a escola “fazer um esforço neste contexto excecional de pandemia e terminar com esta brincadeira de fazer os horários a jeito para alguns amigos”.
Perante um cenário em que a educação de centenas – e, no panorama geral, de milhares – de jovens está a ser posta em causa, seria de esperar que as aulas que ficaram por dar pudessem ser repostas. No entanto, devido à situação pandémica, é impossível “pôr os alunos do 3.o ciclo a ter aulas ao mesmo tempo que os alunos do secundário”, explica Daniel Ferreira.
Ministério indiferente O secretário-geral da Fenprof afirma que “é insustentável que os professores paguem para trabalhar” e, por isso, muitos deles optam por desistir de lecionar e procurar empregos mais estáveis. Trabalhar com uma carga semanal reduzida e com contratos temporários faz com que, por um lado, cada vez menos docentes optem pela profissão para que estudaram e, por outro, o número de pessoas que desejam ser professores baixe consideravelmente. Mário Nogueira explica que, inicialmente, as disciplinas mais afetadas foram as de Informática, Inglês, Geografia e História mas, progressivamente, a situação alargou-se a outros grupos como Física e Química, Biologia e Geologia e Matemática. E apesar de vários alunos continuarem sem aulas 80 dias após o começo deste ano letivo, o sindicalista lamenta a apatia com que o Ministério da Educação assiste a este flagelo, mostrando-se completamente “indiferente aos problemas”.
Também os encarregados de educação se queixam da mesma posição negligente por parte do Ministério da Educação, acusando inclusivamente o ministro Tiago Brandão Rodrigues de fazer “birra”. A afirmação baseia-se no facto de os professores em grupos de risco estarem impedidos de dar aulas online, sendo obrigados a meter baixa.
Além do Agrupamento de Escolas Vergílio Ferreira, também o Padre Cruz, bem como o Lindley Cintra, têm escolas cujo funcionamento é apenas parcial devido à falta de pessoal.
Esta é mais uma situação que vem prejudicar não só alunos, mas também professores e pessoal não docente. No caso dos professores a quem, em alguns casos, se pede que trabalhem apenas de 6 a 14 horas semanais com contratos de dois meses, torna-se insustentável exercerem devido aos salários abaixo do ordenado mínimo nacional e que, quando se encontram deslocados, não lhes permite sequer uma deslocação a casa.