O Governo sempre anunciou o aumento do salário mínimo em 30 euros para 665 euros. Vai haver acordo com os parceiros sociais?
Não pode haver acordo porque não fomos tidos nem achados na questão. As empresas foram simplesmente peões políticos neste jogo do Governo.
Mas o Governo pode aumentar o salário mínimo nacional por decreto-lei…
Mas é isso que o Governo está a fazer, como é evidente. Não vem ouvir os parceiros sociais, vem informar o que vai fazer. E do lado das empresas, o que não queremos – e estão-nos a fazer passar por isso – é sermos um peão neste jogo político. No momento em que a riqueza cai cerca de 8,5% e para o ano as melhores perspetivas se se verificarem acabaremos 4 ou 5% abaixo deste ano, como é que isso é compatível com aumentos de 4,7% como este que o Governo resolveu lançar?
Na proposta de Orçamento do Estado para 2021 apontava para um aumento de 23,75 euros, mas o Governo foi garantindo que queria ir mais além…
Isso é resultado da negociação com os partidos de esquerda, nomeadamente com o Partido Comunista. Seguramente foi isso que lhe foi exigido e acabou por acontecer. E depois veio apresentar às empresas um aumento superior àquilo que estava previsto no Orçamento.
A Confederação do Turismo defendeu aumentos a meio do ano consoante a evolução da economia. A CIP tinha esta posição?
Poderíamos discutir, poderíamos apreciar que se pudesse rever consoante a evolução da economia. No entanto, o Governo não optou por isso e, pura e simplesmente, decretou que em 2021 o salário mínimo é este.
Os parceiros sociais não têm então uma palavra a dizer?
Não e qual é a racionalidade económica para esse aumento? O Governo não apresentou nenhuma. O Governo pura e simplesmente negociou este valor com os partidos da esquerda parlamentar para a aprovação do Orçamento do Estado e veio à concertação social informar que é este o aumento. E, mais uma vez, digo que fez da concertação social, dos parceiros sociais e das empresas peões deste jogo político. Estamos disponíveis, como sempre estivemos, para em sede de concertação chegarmos a um acordo de médio prazo para uma política de rendimentos. Mas não é assim com esta metodologia que o Governo constrói a melhor solução, porque não nos apresentou um racional económico para este aumento. Queremos subir o salário mínimo, aliás, a esmagadora parte das empresas que a CIP representa – 160 mil empresas – paga acima daquilo que o Governo quer chegar no final da legislatura. Já pagamos hoje acima da meta que o Governo definiu como ponte de chegada, agora temos uma tipologia de empresas no país – a restauração, o pequeno comércio, as micro e pequenas empresas, as IPSS – que não suportam estes aumentos e aquilo que vamos fazer é lamentavelmente empurrá-las mais rapidamente para a insolvência e aumentar o desemprego. Quando o Governo vem dizer que os aumentos do salário mínimo dos últimos anos não contribuíram para o aumento do desemprego isso não é intelectualmente honesto, porque foram feitos num momento de crescimento económico, de desenvolvimento económico. O turismo e todas as atividades a ele ligadas nestes últimos anos cresceram muito. Agora, pela primeira vez, estamos numa situação da economia muito fragilizada, muito debilitada e é nesta fase que é preciso acautelar e salvar os empregos e impor o aumento do salário mínimo não vem ajudar este objetivo.
Mas o Governo não abre mão da meta de atingir os 750 euros no final da legislatura…
Quando o Governo anunciou, no início da legislatura, que queria chegar aos 750 euros estava longe de imaginar uma crise covid como a que estamos a viver e os seus efeitos mundiais. Ninguém adivinhava que isto iria acontecer. O Governo se tivesse podido incorporar esta variável covid nas suas previsões no seu programa de Governo seguramente que nunca teria apresentado esse valor do salário mínimo. Só um burro é que não muda, os homens mudam por inteligência, como é óbvio. Então temos de reagir de acordo com aquilo que a vida nos apresenta. Esta crise pandémica e os seus efeitos não merecem uma reapreciação desse objetivo?
Ninguém estava à espera desta pandemia…
Obviamente. Por isso, esse objetivo não incorpora a crise que todos estamos a viver e tem de incorporar.
Acredita que é possível atingir as metas previstas no Orçamento do Estado?
Todos os economistas, pelo menos aqueles que não estão reféns de ideologias, constatam que as previsões do Governo estão demasiado otimistas. Os próprios organismos internacionais também o acham – veja a previsões da OCDE para o próximo ano que ficam muito abaixo daquilo que o Governo apresentou quer no Orçamento do Estado suplementar, quer agora neste Orçamento. Obviamente que foram muito otimistas nesses indicadores. É a própria OCDE que vem desmontar esses números. O Orçamento ainda agora foi aprovado e já está desadequado. Desejaríamos nós que isso não acontecesse e que a economia já em 2021 sofresse uma retoma espetacular. Seria bom para todos, mas temos de ser razoáveis e temos de ser sensatos.
Disse muitas vezes que o desespero é mau conselheiro. Volta a acontecer o mesmo?
Acho que sim, o desespero é sempre mau conselheiro e, por isso, exige que quanto mais grave é a situação mais sensatez e mais tranquilidade teremos de ter para a enfrentar. Acho que estarmos a ir atrás de questões político-partidárias não se compadecem com a situação do país.
Falou do turismo. A economia estar assente neste setor mostra que foi uma aposta errada e devia-se ter apostado em outras áreas de atividade?
Qualquer empresa não pode focalizar-se nem só num produto, nem só num cliente. Também os países têm que diversificar, obviamente que o turismo teve e, ainda bem que teve, o crescimento que teve e ajudou a um conjunto de outros setores que arrastou consigo, mas em termos de estratégia nacional, qualquer país, e Portugal não é exceção, tem que diversificar. Não podemos assentar a nossa atividade económica num só setor, seja o turismo, seja o que for, porque qualquer pandemia, qualquer crise climática, qualquer alteração desta ou de outra natureza – como agora aconteceu – deixa-nos numa situação demasiado frágil. Temos que diversificar para compensar as perdas de receitas de uma determinada natureza e compensarmos com outras.
Mas tem alertado para a falta de mão-de-obra em determinadas atividades, como é o caso da metalomecânica…
O que fizemos foi adiar essa necessidade, porque antes da pandemia já tínhamos uma necessidade enorme de mão-de-obra qualificada. Adiou-se obviamente essa situação, mas as empresas precisam de mão-de-obra qualificada e, por isso, é necessário fazer um grande investimento em formação profissional para qualificar e requalificar os nossos recursos humanos porque o país tem necessidade de mão-de-obra qualificada e não a temos. Adiamos a situação, mas não a extinguimos e o problema vai-se colocar de novo. Assim que ultrapassarmos a crise pandémica, o país precisa de mão-de-obra qualificada para este combate da digitalização, das alterações climáticas, para todas as novas tecnologias.
Disse que os políticos governam para as eleições e não para as gerações. Nota-se agora mais isso?
O Governo, de uma forma geral, tal como todos nós fomos apanhados de surpresa e, por isso, está a reagir a esta situação e a fazer aquilo que acha que pode. A crítica que fazemos ao Executivo é que comparativamente com outros Governos europeus é que está a ser muito limitado nos apoios à economia. Apesar de as medidas que têm sido feitas em comparação com os produtos internos de cada país, Portugal fica aquém de outros países.
Mas esses países também têm uma estrutura económica mais forte…
Provavelmente porque seguiram políticas de desenvolvimento de cigarra e de formiga e fizeram desenvolvimentos diferentes daqueles que nós fizemos. E estou a comparar coisas comparáveis, à escala, à dimensão do país, da população, do produto – obviamente não podemos comparar nem copiar a dimensão da Alemanha, mas se fizermos uma regra de proporcionalidade entre o produto deles e o nosso conseguimos comparar, ainda assim, comparamos mal.
E acha que as medidas que têm sido anunciadas pelo Governo são suficientes?
Como tenho dito, as medidas têm que ser rápidas, racionais e ter proporcionalidade. As medidas do Governo são bem-vindas, obviamente, mas não têm sido rápidas. Por vezes, não têm tido racionalidade e têm tido alguma desproporcionalidade. A CIP, a 1 de abril, apresentou um conjunto de propostas ao Governo para apoiar a fundo perdido uma tipologia de empresas mais fragilizadas e em determinadas condições visando a manutenção do emprego. O Governo rejeitou essas propostas e veio agora em novembro lançar medidas a fundo perdido, coisa que em abril já tínhamos sugerido. Veio agora tarde porque entretanto já se perderam postos de trabalho que poderiam ter sido preservados. Apresentámos a 13 de maio propostas para a recapitalização das empresas. O Governo veio agora reconhecer que é preciso fazê-lo, fez finalmente o Banco de Fomento, mas as medidas de capitalização e de recapitalização das empresas que sabemos que estão a ser estudadas no Ministério da Economia, ainda não foram sentidas porque ainda não chegaram à economia portuguesa. Por isso é que digo, independentemente de serem meritórias, são tardias. Não somos mais do que os outros, não somos mais lúcidos ou dotados do que os outros, mas a 1 de abril e a 13 de maio apresentámos essas propostas então porque é que o Governo não as absorveu e não as adaptou? Não talvez da forma como apresentámos, mas aquilo que podia ser um aproveitamento das mesmas chegou tarde. Por isso, as medidas que têm sido lançadas não as rejeitamos, são todas bem-vindas, mas têm que ser mais rápidas, têm que ser mais racionais e têm de ter maior aderência no terreno e às necessidade do terreno e apresentarem alguma proporcionalidade porque há setores que têm mais necessidade do que outras, como há regiões que têm mais necessidade do que outras. O Governo não pode apresentar as medidas por fatias e aí devia ter uma proporcionalidade diferente. Mas sobre isso nem temos muitas queixas, já sobre a rapidez e a racionalidade aí sim, temos críticas construtivas.
Mas os apoios excluem algumas empresas, como quem está em regime simplificado ou tem dívidas ao fisco…
Aí obviamente temos que perceber que empresas que já registavam à data da medida dívidas à Segurança Social e ao Fisco comparativamente com outras que não têm essas dívidas não podem ser beneficiadas porque estaríamos a distorcer a concorrência e a premiar os faltosos. Mas o Governo deveria tentar perceber porque é que essas empresas se encontram nessas situações porque, às vezes, são os próprios atrasos dos pagamento do Estado às empresas que as levam a essas situações. O Governo deveria avaliar o que é que motivou essas dívidas à Segurança Social e à Autoridade Tributária e se concluísse que não foi por dolo, nem foi por laxismo, mas por razões que às tantas, se deveu ao atraso do próprio pagamento do Estado que as levou a essa situação. E, nesse caso, deveriam ser atendidas mas tenho de perceber que empresas com dívidas comparativamente com outras que não têm não podem ser beneficiadas. O que devia era haver uma auditoria à situação e incluir aquelas que, mesmo estando nessa situação, revelassem estar por razões objetivas e não por razões de desleixe a razão para que isso acontece. Temos de ser justos.
Com a vacina poderemos voltar à normalidade? A atividade económica poderá recuperar?
Só voltaremos a ter uma vida minimamente normal quando o medo que está instalado for removido. Passámos por uma fase de pânico, já saímos dela. Estamos hoje numa fase só de medo mas enquanto o medo não for comedido, dificilmente a economia vai reagir. E a economia vai reagir em função e na proporção da remoção do medo. As vacinas vêm dar um sinal de esperança, vêm dar uma perspetiva de domínio da pandemia. Agora, até o medo ser removido – até porque as vacinas vão ser ministradas até setembro, no caso português do próximo ano, porque não vamos vacinar toda a gente ao mesmo tempo, há uma calendarização definida – o medo vai continuar instalado e, enquanto o medo não for removido, a economia não vai dar grandes sinais de retoma.
Falando da taxa de desemprego. Há vários setores que dizem que a taxa vai disparar no próximo ano até porque o layoff irá terminar e irá desmascarar os números…
O Governo terminou abruptamente o layoff simplificado. Defendemos até ao fim essa figura e tentámos convencer o Governo que o layoff simplificado era a melhor situação que se adequava, uma vez que, salvou muitos postos de trabalho. O Governo não entendeu assim e alterou essa figura. Lamentamos a retirada demasiado cedo dessa figura já que evitou muito desemprego. A situação em que esta micro realidade empresarial, a situação em que as micro e pequenas empresas se encontram – umas sem ajudas, outras com ajudas tardias, sem grandes perspetivas de futuro próximo de retoma – receio que algumas vão desaparecer, outras vão ter de reduzir substancialmente os seus efetivos. E veja o caso da própria TAP, empresa intervencionada pelo Estado, em que o Estado enquanto responsável, enquanto patrão, faz reestruturações das suas empresas. Não se admire que a privada, pelas mesmas lógicas de economia e de racionalidade, faça o mesmo. Empresas de 10 trabalhadores – que são a maior parte das empresas portuguesas – só têm trabalho para cinco e, isso significa que, as empresas têm de se reestruturar porque a quebra de receitas, de encomendas, de faturação a isso as obriga. Por isso, receio algum aumento do desemprego e essa é a grande prioridade que todos, independentemente da responsabilidade que tenhamos na sociedade portuguesa – Governo, sindicatos, associações empresariais – devemos combater e onde todos nos devemos unir. É o jogo de seleção: trata-se da maior defesa possível dos postos de trabalho, mas, para isso, as empresas precisam que sejam criadas condições, que não sejam apenas só do Governo, obviamente, para que possam resolver o problema. Não podemos pensar que o Governo resolve tudo. Há um conjunto de condições que tem que se conjugar e, por isso, os fundos comunitários devem ajudar nesse sentido e devem chegar o mais rápido possível. Há um conjunto de questões que têm que se interligar a esse grande objetivo que é salvar o maior número possível de postos de trabalho.
Como vê o plano de reestruturação da TAP que é criticado pelos partidos pelo valor, redução de frotas, desemprego…
Basta olharmos à nossa volta e ver o que é que os outros países e as outras companhias aéreas fizeram – umas que já desapareceram e eram de grandes países. A aviação, de facto, está numa situação muito complicada pela enorme redução de passageiros e pela quebra do tráfego aéreo e, obviamente, as empresas para sobreviverem – aquelas que ainda vão conseguir sobreviver – têm de se adaptar à realidade. O que se está a passar com a TAP é aquilo que se está a passar com todas as companhias aéreas. A TAP não é exceção. Aquilo que temos de perceber é se a TAP, à semelhança de outras companhias aéreas, serve os objetivos do país e se é efetivamente estratégica para o país. Não podemos olhar para a TAP apenas para as receitas que gere. Temos de perceber também a subcontratação que faz. Há aqui um conjunto de aspetos que têm de ser valorizados, mas essa é uma questão que o Governo terá de apreciar e acordar minimamente com os agentes envolvidos. É uma avaliação custo/benefício que o Governo empregador, patrão, tem de fazer, tal como fazemos nas nossas empresas. Tem de haver uma relação, um plano estratégico, um plano de negócios e tem que reagir em função daquilo que é a perspetiva futura e do quadro em que nos movemos.
No seu entender, acha que a TAP é estratégica?
Não consigo responder com rigor a essa pergunta. Pelas relações que temos com a lusofonia, pelas relações com África, o hub de Lisboa. É uma questão que tem de ser devidamente avaliada. Não consigo responder em rigor se sim ou se não, teria de avaliar custo/benefício mas acho que Lisboa se deve manter como hub porque é necessário para Portugal e se a TAP puder manter-se nesse papel, então sim deve ser considerada estratégica. Caso contrário, é uma avaliação que terá de ser feita.
A TAP é vista como uma das empresas de bandeira, como era a EDP, a REN, entre outras. Isto poderá ditar o fim destas empresas?
Para termos empresas de bandeira temos de ter capital para manter a bandeira. O facto é que, tirando alguns poucos exemplos que temos, o capital português não tem sido suficiente, tirando algumas exceções como foi o Barraqueiro na TAP e outros, para manter esse tipo de empresas. Não temos músculo de capital português para manter as bandeiras e, por isso, é uma questão difícil quando não há dinheiro. Lamentavelmente vamos perdendo alguns ativos face a um mundo global, a uma economia global, sem golden-shares e sem opções estratégicas dos Governos. Ainda agora Espanha tomou uma medida que impede a toma de capital com determinada percentagem por empresas estrangeiras. Os países, às vezes, têm essa postura, essa lucidez. Outras vezes não as têm. Aqueles que podem tomar essa decisão porque têm capital, porque criam riqueza para isso, muito bem. Aqueles que não têm e que estejam dependentes de capital, não conseguem.
No caso das moratórias. Vamos pagar esta fatura mais tarde?
Tudo vai depender da evolução, da tal remoção do medo e como a economia se vai desenvolver. Se as empresas, quando chegarem ao período de pagamento… acho que vai ter de haver uma certa flexibilidade nas moratórias e, provavelmente para renegociar os prazos das mesmas, adaptar as moratórias à situação de desenvolvimento da economia, sob pena de se formos muito rígidos no cumprimento de prazos e se as empresas ainda não se encontrarem em condições, porque a economia global não lhes permite esses cumprimentos de obrigações, receio que tenhamos aí alguma dimensão que convém acautelar.
E depois uma crise sanitária pode dar origem a uma crise financeira…
Não vamos recear o pior. Como digo, tem de haver alguma flexibilidade nos prazos e adaptar as moratórias à situação concreta da economia quando chegarem os prazos de vencimento.
Está otimista em relação a 2021?
Sou por natureza otimista. Estou apreensivo com alguns indicadores. Gostaria que esta situação pandémica, que a vacina acelere a remoção do medo e está aí o click de se estar mais pessimista ou mais otimista. Estou apreensivo, mais do que pessimista.