Poder de compra: Portugal na cauda da Europa

Países de leste já ultrapassaram o mercado português. Analistas contactados não se mostraram surpreendidos com o resultado e apontam para fragilidades do mercado laboral.

Portugal está na cauda da Europa no que diz respeito ao poder de compra per capita. Os últimos dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) não deixam margem para dúvidas: o produto interno bruto (PIB) per capita no país situou-se, no ano passado, em 79,2% da média da União Europeia, ainda assim superior em 0,9 pontos percentuais ao registado em 2018. No entanto, entre os 19 países da zona euro fica na 16.ª posição, abaixo de países como Estónia (83,8) e Lituânia (83,5) e à frente de Eslováquia (68,2), Letónia (69,1) e Grécia (66,5).

A situação não surpreende os analistas contactados por este jornal. «Estes dados acabam por servir de alerta para uma necessidade de intervenção do Estado nesta questão e para a importância que tem o crescimento económico nacional», diz Henrique Tomé. O analista da XTB defende que «é necessário rever este tipo de indicadores, pois são fundamentais para o crescimento económico do próprio país, no que diz respeito à produtividade».

Também José Melo garante que este fator é «uma consequência natural do facto de os países de leste verem o seu poder económico como muito importante para responder às dificuldades geopolíticas (influência/pressão da Rússia)». E, como tal, algumas economias como, por exemplo, a Finlândia «são agora famosas pela rapidez com que digitalizaram a sua economia e formas de pagamento».

E como chegou Portugal a esta situação? O analista não tem dúvidas: «A aposta fraca no mercado laboral faz com que os empregos precários sejam mais frequentes e os empresários optem por investir menos na mão-de-obra de qualidade e na já existente». Henrique Tomé diz ainda que «melhores condições salariais fazem com que a população tenha um poder de compra maior, o que irá traduzir-se num aumento do PIB e, por conseguinte, no PIB per capita através do consumo». E as consequências não ficam por aqui: «O fosso entre as classes sociais mais ricas e as mais pobres em Portugal também aumentou».

Já José Melo defende que o ponto fulcral é que «as ditas economias de leste quiseram desde cedo ter um plano sério ou, pelo menos, muita organização e disciplina nas suas economias. Eram e são economias com níveis de endividamento muito baixo, assim como com níveis educacionais já altos». E acrescenta que a pandemia tornou apenas «mais visível a diferença que existe, já que várias empresas tinham estruturas capazes de trabalhar à distância e estarem muito menos dependente do turismo».

Para inverter esta situação «terá de haver uma revisão das condições de trabalho atuais e de incentivos para que os empresários possam apostar mais na qualidade contratual dos seus empregados». O Estado também poderá intervir «com a criação de estímulos, mas o setor privado será fundamental para que possa existir uma melhor qualidade laboral no país e, por conseguinte, que seja visível no poder de compra do consumidor».

Também para reverter esta situação, o analista da Infinox diz que é necessário existir um rumo ou uma estratégia contínua, «o que poderia passar por menor intervenção do Estado em todos os planos e simplificação dos planos em que o Estado atua como, por exemplo, impostos mais simplificados, criação de empresa mais simples e facilidade de acesso a investimentos privados, como competidor da tradicional banca». 

Salário mínimo estimula?

A subida agora oficializada do salário mínimo nacional em 30 euros para os 665 poderá dar um ‘empurrão’. Apesar da resistência dos parceiros sociais (ver págs. 56-59), o Governo manteve o seu objetivo. «Os desafios que a pandemia trouxe à economia poderão estar por trás deste aumento, que acabou por ser abaixo das expetativas dos analistas», diz o especialista da XTB, lembrando que «o maior desafio neste momento é saber se o Governo consegue utilizar os recursos da melhor maneira no intuito de continuar a estimular a economia sem que esses estímulos tenham repercussões nos contribuintes portugueses».

Em relação à meta de atingir os 750 euros no final da legislatura, Henrique Tomé acredita que tudo dependerá do desenvolvimento da economia nos próximos tempos. «Se o ritmo da recuperação económica for maior do que o esperado, então poderá ainda haver essa possibilidade. Recentemente, as notícias referentes à nova estirpe do coronavírus que surgiu no Reino Unido revelaram que a incerteza no mercado ainda permanece e, por isso, este tipo de eventos inesperados acabam por influenciar a recuperação económica num sentido negativo», refere.