Presidenciais. “É tarde para adiar as eleições”, diz Jorge Miranda

Constitucionalistas divididos sobre adiamento das eleições. O i foi tentar perceber as razões que podem levar à  alteração da data das presidenciais. Soluções para combater a abstenção também não são pacíficas.

O atual Presidente da República e recandidato, Marcelo Rebelo de Sousa, fez soar alarmes após ter testado positivo à covid-19 na noite de segunda-feira. As notícias no dia seguinte acalmavam, com testes negativos a garantir o seu estável estado de saúde, mas no ar pairava a dúvida sobre a possibilidade de realizar eleições nacionais numa altura em que a pandemia atinge novos picos a cada dia que passa, e não parece poupar ninguém.

Jorge Miranda e Jorge Bacelar Gouveia explicaram ao i que, caso algum dos candidatos não consiga participar no processo eleitoral, a sua candidatura se mantém vigente, pelo que, ainda que se possa ver impedido de exercer o seu voto, por questões de saúde ou de outra índole, esta realidade não influenciará a sua candidatura, nem sequer criará uma justificação para adiar o processo eleitoral.

Foi ainda desvendado o ‘mito’ que renasce nas épocas eleitorais: os cidadãos portugueses não ficam impedidos de se candidatar à presidência da República se se abstiverem em alguma eleição. A confirmação veio de Bacelar Gouveia, que ainda acrescentou que, caso existisse tal lei, seria “completamente inconstitucional”.

Eleições podem ser adiadas?

Em declarações ao i, o constitucionalista Jorge Miranda garantiu acreditar que é “demasiado tarde” para alterar a data das eleições. “Se as pessoas durante o confinamento podem sair de casa para ir fazer compras ou para ir à farmácia, também poderão votar, embora a abstenção provavelmente vá aumentar imenso, mas agora, a esta distância, não vejo possibilidade”. Jorge Miranda considera, porém, que esta situação “já devia ter sido pensado há muito tempo, porque a vaga da pandemia já se previa”.

Vital Moreira também defende que é “inviável” adiar as eleições. “Primeiro, nem a Constituição nem a lei eleitoral preveem a remarcação das eleições, segundo, de acordo com a Constituição, o novo Presidente da República tem de estar eleito até ao termo do mandato em curso, havendo que descontar três semanas para uma eventual segunda volta (por menos verosímil que seja tal hipótese), pelo que a primeira votação teria de ocorrer até 14 de fevereiro”, escreveu, no blogue Causa Nossa, o constitucionalista. 

Jorge Bacelar Gouveia tem uma opinião diferente, revelando ao i achar que “se as condições se agravarem, é aconselhável adiar as eleições, e não é preciso rever a Constituição”. Para Bacelar Gouveia, ”não seria necessário mudar nada na Constituição, até porque não seria possível mudar, porque estamos em estado de emergência”. 

A solução passaria então, para o constitucionalista, pela inclusão no decreto do estado de emergência da suspensão do direito de voto. “Adiam-se as eleições sem data, e quando isto voltar a acalmar, volta-se a marcar novas eleições e recomeça-se o processo eleitoral com novas candidaturas, ou interrompe-se onde estava. Não vejo outra maneira de isto se resolver”, lamentou.

ABSTENÇÃO PODE ser elevada

A abstenção é uma das preocupações dos constitucionalistas. O receio de ser infetado durante o processo eleitoral, defendem, poderá fazer a abstenção aumentar exponencialmente. Jorge Bacelar Gouveia esclarece que “a validade das eleições não depende do número de votantes”, mas é um sinal político que fragiliza o Presidente eleito. “Uma eleição Presidencial com participação de 10%, por exemplo, é uma fraude democrática, não é uma verdadeira eleição. Não tem valor nenhum do ponto de vista político. Tem valor jurídico, mas uma eleição Presidencial em que participa 10% da população não é nada”. 

Outro fator que pode aumentar a abstenção está relacionado com o número de eleitores que, estando em quarentena, não se inscrevam para o regime de voto antecipado e acabem por abdicar do seu direito ao voto. 
A lei eleitoral foi adaptada para permitir que estes cidadãos possam requerer o voto antecipado, evitando precisar de sair dos seus domicílios para exercer o voto. O mesmo regime foi aplicado a idosos que vivem em lares e se vejam incapacitados de se dirigir aos centros de votação.

No blogue Causa Nossa, o constitucionalista Vital Moreira, que não quis prestar declarações ao i, é claro sobre as medidas que permitem aos idosos residentes em lares votar: “Se as pessoas acolhidas em lares de idosos não podem ir às urnas de voto, por causa da pandemia, devem estas ir aos lares onde haja idosos que queiram votar, tal como vão às prisões recolher os votos dos presos que tenham manifestado vontade de votar”.

A medida, defende Bacelar Gouveia, poderá não ser assim tão simples. “Há um problema de operacionalidade. Se é para permitir nos lares, tem de ser os lares todos do país. É impossível, do ponto de vista técnico, ter pessoas para ir a todos os lares do país”, referiu.

ALTERNATIVAS

Com as eleições marcadas para dia 24 de janeiro, o tempo não permite pensar em soluções mais ousadas para travar a abstenção. Mas, no futuro, há quem defenda a implementação do voto eletrónico. “Se pela internet fazemos transferências bancárias avultadas, porque é que não havemos de votar eletronicamente num candidato?”, afirmou Bacelar Gouveia. O constitucionalista acredita que este meio ainda não foi implementado devido a “alguma desconfiança” em relação à veracidade do voto. “Há medo dos hackers e uma certa tradição que não quiseram alterar, mas penso que a pandemia obrigou-nos a mudar muitas tradições.

Temos de acompanhar os novos tempos”. Vital Moreira defende que esta solução merece uma discussão profunda, mas alerta que “suscita questões de segurança e de liberdade e segredo pessoal do voto que precisam de ser apropriadamente respondidas antes de qualquer medida legislativa”. 
O constitucionalista esclarece ainda que o voto eletrónico remoto carece de revisão constitucional.