A margem era pouca, mas havia ainda menos a perder. A partir daí foi trilhando Tiago Mayan Gonçalves um caminho que foi seu, mas que vem ajudar a consolidar o crescimento do Iniciativa Liberal. Primeiro, com surpresa: era o rosto desconhecido dos portugueses que, sem grandes dotes oratórios, se mostrava afirmativo, frontal quase como nenhum outro nos debates. Nas últimas legislativas, o partido que o apoiou elegeu um deputado com 67 681 votos (1,29%). Agora, Mayan ultrapassou os 130 mil. A esses portugueses se dirigiu Mayan Gonçalves em início de discurso: “A verdade é que não tinha nada para lhes oferecer a não ser a força das minhas ideias e dos valores em que acredito. Obrigado pela vossa energia e por terem feito o meu sonho o vosso sonho”.
Horas antes, Manuela Ferreira Leite olhava apenas para anunciada derrota da esquerda – “o estado de espírito dos portugueses é completamente contrário àquele que nos tem governado até à data”, sentenciava na TVI24. Já Paulo Portas olhava sobretudo para o resultado com que se previa que André Ventura terminasse a noite: “Pela primeira vez há um populista à direita com dois dígitos. Para o PSD, e ainda mais para o CDS, uma questão séria”. Questão que não parece ter preocupado um Francisco Rodrigues dos Santos que chegaria a ser descrito como “delirante” ao encontrar no resultado do recandidato Marcelo uma “tremenda satisfação” e três grandes desafios políticos para o país: “instabilidade governativa, pandemia e crise social”. Sobre a reconfiguração da direita portuguesa, seria preciso esperar pelo discurso de Tiago Mayan Gonçalves, antecedido do presidente da Iniciativa Liberal.
Numa noite da qual a esquerda saiu derrotada (responsabilidade da direção PS, atacaria Ana Gomes), entre a prova dos nove de Marcelo e a constatação do crescimento galopante do apoio a Ventura, quase esquecido ficou o resultado do candidato apoiado pela Iniciativa Liberal. Resultado que, notou João Cotrim de Figueiredo quando estavam ainda 300 mil votos por contar, não foi “só um resultado melhor do que o de há um ano e meio”, nas legislativas. “É um duplicar daquilo que foi a votação há um ano e meio num partido que sistematicamente é visto no seu crescimento como menos exuberante do que outros”. Os números falam por si: com 3,2% dos votos, Tiago Mayan Gonçalves, o mais desconhecido dos sete candidatos a estas presidenciais, posicionou-se como o sexto classificado na corrida a Belém, a apenas 30 mil votos de Marisa Matias. “É o resultado que almejávamos ter nas nossas melhores perspetivas, portanto estamos muito satisfeitos”, afirmou Cotrim de Figueiredo, antes de ter discursado Tiago Mayan Gonçalves. “Fizemos uma campanha em que discutimos aquilo que eram alternativas políticas para o país e não nos refugiámos em nenhum tipo de espalhafato, em nenhum tipo de protagonismo excessivo. E isso é muito importante, prova que é possível em Portugal fazer política com base em ideias”.
“O extremismo não vencerá” Sem alguma vez referirem o nome do candidato que conseguiu o tal resultado de “dois dígitos” que, nas palavras de Portas, deveria preocupar o CDS, tanto um como outro não deixaram o assunto passar ao largo dos discursos de uma vitória relativa, mas vitória na noite que veio provar a reconfiguração da direita.
“Foi uma corrida bonita, fiz a campanha que queria ter feito, apesar das dificuldades e dos tempos em que vivemos”, afirmaria o candidato. “Avancei porque percebi que havia um espaço, um espaço político em Portugal que se arriscaria a ficar sem voz nestas eleições. Não o poderia permitir. A avaliar pelos resultados desta noite, parece que tomei a decisão certa. Os números desta noite sinalizam o crescimento da onda liberal de que tenho vindo a falar, um crescimento sustentado do espaço liberal no contexto político português”.
Mas não se esqueceu dos números que, também à direita, se desenharam paralelamente aos que celebrava: “São números que mostram que há cada vez mais gente a querer um caminho que não passa pelas opções dos últimos 40 anos mas também não alinham no discurso de quem quer colocar portugueses contra portugueses. Se depender de mim, em Portugal, o extremismo, seja ele qual for e de onde venha, não vencerá. E não será opção ao socialismo que também temos de combater”.
A curiosidade seria sobre o que fará Tiago Mayan Gonçalves depois de uma corrida às presidenciais. “Ganhei esta corrida como cidadão. Amanhã voltarei à minha vida como cidadão, mas valeu muito a pena sair do sofá e vir lutar por aquilo em que acredito”, revelou. “Se não ficar mais nada desta noite eleitoral depois de as luzes se apagarem, que fique esta mensagem: vale sempre a pena lutarmos, livres e com coragem, por aquilo em que acreditamos. Nunca aceitem que vos digam ‘não consegues’, ‘não podes’, ‘não és capaz’, nunca”.