“Não consigo perceber se me discriminam por ser mulher”

O desemprego aumentou entre as mulheres e tem um efeito a longo prazo cada vez maior. No entanto, Vera envia currículos todos os dias e Sara espera concretizar o seu sonho.

A pandemia trouxe consigo a recessão económica, que está a afetar “desproporcionalmente” as mulheres e, com mais gravidade, as jovens entre os 15 e os 24 anos.

Aos 43 anos, Vera Monteiro já fez um pouco de tudo. Foi secretária forense numa sociedade de advogados durante mais de sete anos, lojista, subgerente de loja, au-pair, comercial da área de mobiliário de escritório e de estanteria e, por sete anos e meio, desempenhou funções numa multinacional.

“Tinha um conjunto de mais de 100 pessoas, pertencentes a diversas equipas, a reportar diretamente a mim”, começou por explicar a residente em Mafra que, há quatro anos, ficou de baixa por doença profissional. “Quando tive alta, em 2019, a minha posição já havia sido reabsorvida”, confessou.

Inscreveu-se no Instituto do Emprego e Formação Profissional e, desde essa época, recebe subsídio de desemprego e procura trabalho “muito ativamente”. Contudo, o surgimento do coronavírus tornou a mudança de vida de Vera ainda mais complexa.

“Se os meses anteriores à pandemia foram difíceis, tudo piorou quando a mesma se abateu sobre nós. Envio o meu currículo todos os dias e, até agora, recebi apenas três contactos. Destes, somente um ocorreu desde a pandemia”, explicou.

Todavia, este cenário não é recente. Em 2019, recorrendo a dados do Pordata, é possível concluir que, em 2019, por cada 100 ativos existiam 5,8% de homens e 7,1% de mulheres desempregados.

 

Uma questão de género?

“Posso dizer que recebo resposta a 5% das candidaturas que envio e é sempre algo quase automático”, continuou. “Não consigo sequer perceber se me discriminam por ser mulher ou não, porque acabam por ser emails neutros”, esclareceu.

A situação de Vera enquadra-se nas conclusões de uma investigação do Instituto Europeu para a Igualdade de Género, divulgadas numa reunião de alto nível da presidência portuguesa da União Europeia (UE).

Os resultados preliminares, enviados à agência Lusa pelo Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE na sigla em inglês) – ao qual a presidência portuguesa da UE pediu que desenvolvesse uma “nota de pesquisa” sobre o impacto da pandemia nas mulheres –, indicam que as oportunidades de emprego para as mulheres que já tinham menos oportunidades antes da crise pandémica “diminuíram desproporcionalmente e têm um efeito a longo prazo potencialmente maior”.

“Preciso que o panorama mude, preciso de voltar ao mercado de trabalho. Não sou desmesuradamente ambiciosa, só gostava de ser útil”, concluiu a mulher, que ainda espera voltar a trabalhar numa multinacional onde possa representar “um valor acrescentado”.

 

Ser mulher e jovem: um desafio

Sara (nome fictício) tem 22 anos e tirou um curso profissional na área da hotelaria. Estando a realizar o estágio profissional aquando do surgimento da pandemia, viu o seu futuro ser interrompido.

“Não ganhava muito mas, para quem estava a iniciar o percurso, era um valor aceitável. Apesar de ter estado deslocada da minha zona de residência, tinha possibilidade de ir a casa aos fins de semana e desenrascava-me com o ordenado”, contou, explicando que já perdeu a conta aos emails que enviou e aos telefonemas que fez.

“Primeiro, concentrei-me naquilo que realmente queria fazer e tentei tudo: ajudante de cozinha, empregada de balcão, empregada de mesa… mas nunca me chamaram sequer para uma entrevista. Muitos dos restaurantes e dos hotéis entraram em layoff ou em insolvência”.

Sara, que deseja ser chefe de cozinha, é o espelho da prevalência da desigualdade de género apontada pelo EIGE, na medida em que este indicador é visto como mais elevado nas jovens – entre os 15 e os 24 anos –, assim como nas mulheres com menos qualificações e nas mulheres estrangeiras.

“Agora, só quero um emprego, seja em que área for. Não posso continuar a ser sustentada pelos meus pais, não posso ser um fardo para eles numa altura tão delicada”, disse, comprovando os dados do Eurostat que o EIGE referiu: as necessidades de emprego, no segundo semestre de 2020, eram de 16,9% para as mulheres e de 12,5% para os homens.

É igualmente de realçar que os resultados preliminares do estudo salientaram que há mais mulheres do que homens em trabalhos não convencionais e que elas enfrentam um maior risco de perder o emprego e de ver o salário reduzido ou a proteção social diminuída ou eliminada. Por outro lado, “as mulheres desempregadas tendem a ficar inativas muito mais tempo do que os homens [na mesma situação]”.