“Decidi recusar tomar a vacina. Tomarei quando chegar a minha vez. É uma imposição ética”A decisão de o Governo de dar prioridade aos políticos na vacinação contra a covid-19 está longe de ser pacífica. Há vários deputados que vão recusar ser vacinados nesta fase e, embora defendam que as altas figuras do Estado devem ser abrangidas, criticam a “generalização” numa altura em que ainda há profissionais de saúde e idosos à espera.
Cristóvão Norte, deputado do PSD, revela ao i que vai escrever esta quarta-feira uma carta ao presidente da Assembleia da República a informar que prefere esperar pela sua vez. “Decidi recusar a vacina. É uma imposição ética que recai sobre mim e que não me permite tomar a vacina antes de pessoas que são essenciais no combate à pandemia ou que têm um risco maior do que o meu”, diz o deputado social-democrata.
Ricardo Baptista Leite, deputado do PSD e médico, também anunciou que vai esperar pela terceira fase da vacinação. O social-democrata escreveu, nas redes sociais, que “faz sentido vacinar” as três primeiras figuras do Estado, mas “alargar aos demais titulares quando o país ainda não vacinou toda a população com mais de 80 anos ou profissionais de saúde parece-me de difícil compreensão”.
Alexandre Poço, deputado e líder da JSD, João Almeida, do CDS, João Cotrim Figueiredo, da Iniciativa Liberal, e André Ventura, do Chega, também já tornaram pública a decisão de não aceitarem ser vacinados nesta primeira fase.
O Governo emitiu um despacho, esta terça-feira, em que define que os titulares de órgãos de soberania, deputados, funcionários da Assembleia da República, membros dos órgãos das Regiões Autónomas e presidentes de câmara, enquanto responsáveis da proteção civil, vão começar a ser vacinados na próxima semana. A decisão abrange também a Provedora de Justiça, os membros do Conselho de Estado e a magistratura do Ministério Público.
A notícia foi avançada pelo Diário de Notícias que revela ainda que foi solicitada ao Presidente da Assembleia da República uma lista com as pessoas que devem ser vacinadas.
Partidos criticam “exagero” A decisão do Governo foi criticada pelos partidos de direita e de esquerda. Rui Rio defendeu que “o Governo errou ao não incluir os principais decisores políticos nas prioridades de vacinação”, mas “quando corrige volta a errar por via do exagero”. Para o presidente do PSD, não é aceitável que a vacinação seja alargada “à globalidade dos órgãos de soberania”.
Francisco Rodrigues dos Santos, presidente do CDS, vai mais longe e afirma que “dar prioridade na vacinação a todos os titulares de órgãos de soberania é um péssimo exemplo ao país e um insulto aos que mais sofrem” devido à pandemia.
O presidente da Juventude Popular, Francisco Mota, também defendeu, em declarações ao i, que “é um sinal contraditório dado aos portugueses e uma falta de sentido de Estado”
Já o PAN aceita a vacinação de altas figuras do Estado e dos ministros e autarcas que estão na linha da frente. Bebiana Cunha defendeu, porém, que em relação aos deputados “devem ser seguidos os critérios para a restante população”.
Não faz sentido João Cotrim Figueiredo foi o primeiro a anunciar que iria escrever ao presidente da Assembleia da República para que a vacina que lhe “pudesse vir a ser reservada” seja destinada a um profissional de saúde. “Não faço parte do grupo de risco e não sou essencial no combate à pandemia. Não faz sentido nenhum”, explicou, na Assembleia da República, o deputado único dos liberais. André Ventura, do Chega, voltou a defender que os políticos não devem ser uma prioridade “num momento em que os bombeiros e os idosos ainda não foram totalmente vacinados”.
À esquerda, o PCP defendeu que “a prioridade dada a titulares de altos responsáveis do Estado, sendo compreensível para situações concretas, tem uma generalização que se afigura excessiva”. Os comunistas realçam, no entanto, em comunicado, que “as prioridades agora anunciadas abrangem naturalmente setores com intervenção direta no combate à epidemia e grupos de risco”.
O Bloco de Esquerda defendeu que a vacinação deve “circunscrever-se a quem tem responsabilidade direta na gestão da pandemia”.
Demagogia Os socialistas, em reação às críticas à decisão do Governo, defenderam que “em matérias de saúde pública e funcionamento do Estado de direito não pode haver cedência à demagogia e ao politicamente correto”.
José Luís Carneiro, secretário-geral adjunto do PS, defendeu, numa nota divulgada pela agência Lusa, “os titulares de órgãos de soberania, em função de critérios de hierarquia funcional, devem constar das prioridades” de vacinação. “Esta é a decisão que se impunha por imperativo de Estado e por razões de saúde pública”, assegurou o responsável socialista.