Rússia. Putin enfrenta a maior dor de cabeça das últimas décadas

Multidões cantam “abaixo o czar”por toda a Rússia, exigindo a libertação de Navalny, que revelou o “Palácio de Putin” após ser envenenado.

Milhares de russos, armados com cuecas azuis e piaçabas, símbolos do seu descontentamento, tornaram-se na maior dor de cabeça de Vladimir Putin em décadas. Saíram mais uma vez à rua, este fim de semana, contra a detenção de Alexei Navalny, um conhecido ativista anticorrupção. Os protestos resultaram em pelo menos 4500 detenções em mais de 60 cidades, só no domingo, segundo os media russos, incluindo a própria mulher de Navalny, Yulia, que foi detida em Moscovo.

Por trás da insatisfação está o envenenamento de Navalny, de 44 anos, que esteve meses entre a vida e a morte num hospital alemão, em agosto. Foi vítima de novichok, um agente nervoso conhecido como o favorito das secretas russas, que terá sido colocado na sua roupa interior – daí as cuecas azuis.

O ativista, que estava em liberdade condicional devido a acusações de fraude, falhou o prazo para se apresentar à justiça russa, acabando detido no regresso à Rússia. Mas não sem antes lançar um documentário intitulado Palácio de Putin. História do maior suborno do mundo, sobre uma mansão monumental na costa do Mar Negro, avaliada em mais de mil milhões de euros. Entre os itens listados, muitos russos não deixaram de reparar num piaçaba de luxo, no valor de 700 euros – daí os protestos de piaçaba na mão.

Entretanto, Putin negou ser proprietário do palácio, tendo um dos seus amigos de infância, o oligarca Arkady Rotenberg, declarado ser o verdadeiro dono. Mas muitos têm dúvidas que Arkady seja mais que um testa-de-ferro, e as tensões estão em alta, após mais de 93 milhões de pessoas assistirem ao documentário nas últimas semanas.

No domingo, em Moscovo, os descontentes até tiveram a temeridade de convocar protestos à porta da seda das secretas russas, o FSB. A polícia de choque não o tolerou, carregando rapidamente sobre a multidão, dispersando os manifestantes perseguindo-os pela cidade fora.

Alguns tentaram ripostar atirando bolas de neve, no meio do gelado inverno russo, outros formaram correntes humanas, desesperados, enquanto viam os seus companheiros ser arrastados em massa para dentro de carrinhas da polícia. 

No Tik Tok, uma aplicação muito popular entre adolescentes, tornaram-se virais vídeos de manifestantes a cantar: “Vou acabar na prisão”. E muitos foram mesmo, alguns por algo tão simples como construir bonecos de neve, com mensagem como “abaixo o czar”, avançou a AFP.  
 
Maré de protestos Que Navalny desafie o todo-poderoso Putin, que se mantém uma figura muito popular na Rússia, não é novidade. O que mudou foi a escala das manifestações pela sua libertação, que aglutinaram a fragmentada e perseguida oposição ao Presidente russo. Estes protestos cavalgam uma onda que já se notava desde as eleições autárquicas na capital, em 2019, quando a oposição teve ganhos substanciais, após grandes protestos contra a exclusão de vários dos seus candidatos.

No que toca a Navalny, “o Kremlin sempre insistiu em minimizar a sua importância e popularidade junto do público”, referiu o Moscow Times – aliás, Putin sempre recusou sequer a pronunciar o nome do seu opositor, para não o legitimar.

 “Inversamente, os seus admiradores no Ocidente exageram rotineiramente a sua significância na política russa, sobrestimando o seu apoio”, acrescentou o jornal independente. Notando que as sondagens do Levada Center – o único instituto russo que conduz sondagens onde o nome Navalny aparece – mostram sempre índices de confiança à volta dos 4%. Com um ligeiro aumento nos últimos meses, sobretudo entre profissionais de colarinho branco e empresários.