Os primeiros dias de 2021 trouxeram-nos tristes histórias. Soubemos que uma mulher residente em Penafiel expunha na internet fotos de uma filha de 9 anos em poses eróticas. Outra, em Vila Franca de Xira, fazia promessas à filha de 13 anos para não denunciar o padrasto que a abusava sexualmente. Outra ainda, em Rio Maior, foi ‘resgatar’ os dois filhos que estavam à guarda da avó por ordem do tribunal, fugiu com eles de carro, e pouco depois de arrancar chocou contra um muro; um menino de 3 anos morreu e uma menina de 2 ficou em estado muito grave, acabando por morrer no hospital.
E as desgraças envolvendo episódios familiares não ficaram por aqui.
Um homem montou uma armadilha à mulher com uma carabina ligada ao puxador da porta da casa de banho, de modo a que, quando alguém a abrisse, a arma disparasse; mas quem acabou por sair ferido foi um agente da Polícia.
E, como não podia deixar de ser, deu-se mais um crime já recorrente: um homem matou a namorada à facada perante os filhos desta (frutos do casamento com outro homem), depois de a mulher anunciar que queria terminar a relação.
O que têm estas tristes histórias em comum? Famílias desestruturadas. Casais que se separaram, crianças que, em vez de viverem com um pai e uma mãe, passaram a viver só com a mãe, ou só com o pai, e muitas vezes com padrastos e madrastas. Ora, isto é uma fonte de conflitos. As mães e os pais vivendo sozinhos com os filhos são por vezes levados a utilizá-los como arma de arremesso, como objeto de chantagem ou vingança, desenvolvendo em relação a eles sentimentos por vezes doentios.
E as relações das crianças com padrastos ou madrastas são frequentemente conflituosas. As crianças não veem com bons olhos que outra mulher ou outro homem ocupem o lugar da mãe ou do pai. E os padrastos ou madrastas veem as crianças como potenciais ‘concorrentes’, que lhes disputam as atenções do parceiro. Ainda por cima, crianças filhas doutras relações.
O aumento assustador dos crimes chamados ‘passionais’, os abusos em ambiente doméstico, os pais e as mães que usam os filhos para captar o amor dos parceiros, as mulheres que fecham os olhos aos abusos sexuais às filhas por parte de namorados, são sinais extremos de uma sociedade doente.
Muito doente.
Fala-se hoje muito em corrupção. Na necessidade de combater a corrupção. Mas esta corrupção é muito pior do que a ‘corrupção do dinheiro’ – porque se trata de ‘corrupção moral’. E não afeta apenas meia dúzia de pessoas com acesso a órgãos de poder mas a sociedade inteira, estendendo-se a todas as classes e envolvendo adultos e crianças. Por isso, é muito mais corrosiva e destrutiva.
Esta ‘corrupção moral’ é em grande parte o resultado da crise da família que atingiu o Ocidente. E é um dos mais graves sintomas do processo de degenerescência civilizacional em que o Ocidente se encontra. Porque afeta a célula-base da sociedade. Na verdade, essa célula não é o indivíduo isolado, como os liberais proclamam. Nem é substituível pelo Estado, como os socialistas e os comunistas pretendem.
Depois da revolução soviética, com o pretexto de que as famílias não educavam convenientemente os filhos, porque lhes transmitiam ‘valores errados’, os bolcheviques intentaram substituir a família pelo Estado no papel de educador, para lhes inculcar os ‘valores certos’. Esse tempo, felizmente, passou. Mas a semente maligna ficou.
A esquerda continua a não valorizar a família – pelo contrário, ataca-a – e os conservadores não têm ânimo nem força para lutar por ela. Assim, criou-se um caldo de cultura em que a família é continuamente desvalorizada.
O Estado não a protege, pois trata do mesmo modo o casamento e outras formas de relação, não incentivando a estabilidade familiar. A família é encarada como outra coisa qualquer – e não como o elemento base de uma sociedade bem organizada.
E as pessoas, levadas pelo facilitismo, pela busca do prazer efémero, pela vertigem da relação passageira, passaram a encarar a família com leviandade. Não lhe atribuem valor, não a defendem, põem-na em causa às primeiras dificuldades.
E depois é que o vemos: separações e divórcios constantes, que já ultrapassam os casamentos; homens que matam as namoradas que os querem trocar por outros; mulheres que usam os filhos para fazer chantagem sobre os ex-companheiros, ou não os protegem dos abusos dos companheiros; crianças ao deus-dará, andando de uma casa para outra, de Herodes para Pilatos, vivendo com padrastos ou madrastas que não lhes têm amor.
O principal problema da nossa sociedade não é a corrupção, nem a criminalidade, nem as desigualdades, nem sequer a pobreza – é a desagregação das famílias. Aí está a raiz de quase todos os males. Se houvesse estabilidade familiar, tudo seria mais fácil de resolver. Até enfrentar a pandemia.