Coordenem-se! – foi o que o Presidente Marcelo exigiu ao primeiro-ministro, António Costa, na sequência do descontrolo em que entrou o combate à pandemia no pico da nova vaga de covid-19, que tornou janeiro o mês mais negro dos últimos cem anos (ver páginas seguintes), e das sucessivas falhas do plano de vacinação que conduziram à demissão do coordenador nacional, Francisco Ramos. Marcelo Rebelo de Sousa, que se tem mantido longe dos holofotes mediáticos nos últimos dias – abriu uma exceção para dar uma entrevista ao humorista Ricardo Araújo Pereira –, exigiu a António Costa a garantia de uma maior articulação e comunicação entre os membros do seu Executivo (nomeadamente a ministra da Saúde, o ministro da Administração Interna, o ministro da Defesa e a ministra da Segurança Social) e as autoridades na primeira linha do combate à pandemia, a começar pelo plano de vacinação. E Belém não deixou de fazer saber que a demissão de Francisco Ramos e a nomeação de um militar de carreira (o vice-almirante Gouveia e Melo) para o lugar de coordenador do plano nacional de vacinação foram bem recebidas pelo Presidente.
O Nascer do SOL sabe que Marcelo Rebelo de Sousa afasta os cenários de um governo de iniciativa presidencial (ou de ‘salvação nacional’) – apesar de serem cada vez mais os defensores da ideia (ver texto nas páginas 8-9) –, mas não deixará de exigir ao Governo mais e melhores respostas no combate à pandemia, cumprindo o compromisso de uma ‘maior exigência’ com o Executivo assumido na noite da reeleição.
Por outro lado, Marcelo Rebelo de Sousa também já fez saber que não permitirá o alívio das medidas restritivas sem que a situação da pandemia esteja definitivamente controlada. Daí que tenha vindo a admitir o prolongamento do estado de emergência até ao verão.
Aliás, António Costa transmitiu o recado do Presidente não só no Governo – como se viu pela nomeação de Gouveia e Melo para o plano de vacinação – como no PS – que remarcou o seu congresso (inicialmente previsto para março) para o mês de julho.
E as estruturas do partido já anunciaram que a reunião magna dos socialistas será feita num sistema misto – presencial e digital –, distribuindo-se por 13 distritos. Ou seja, o partido do Governo está a contar que no início do verão ainda não seja aconselhável, nem possível, realizar um congresso com centenas de delegados num mesmo pavilhão.
Confrontado com esta opção pelo Nascer do SOL, o secretário-geral adjunto do PS, José Luís Carneiro, mostrou-se indisponível para qualquer comentário e remeteu as explicações para o secretário nacional adjunto para a organização, Pedro Cegonho, que confirmou que o partido estará a preparar o congresso «prudentemente (…) para um cenário em que o país ainda tenha de conviver com a pandemia». Na calha, no entanto, fica a promessa de que «se o cenário for melhor que o previsto, temos condições logísticas para reavaliar as condições em que se realiza».
Remodelação em cima do congresso?
António Costa é avesso a remodelações, uma realidade vincada durante os incêndios de Pedrógão Grande, que só viram alterações no Executivo após as catástrofes.
Mas se há vários ministros que estão manifestamente fragilizados, como Eduardo Cabrita – com casos como o do SEF e o das golas inflamáveis –, Francisca Van Dunem – que escapou ilesa do processo de não recondução de Joana Marques Vidal como procuradora-geral da República no primeiro Governo de Costa, mas ficou ferida de morte com o caso da nomeação do procurador europeu – ou Tiago Brandão Rodrigues – com o clamoroso falhanço na preparação, prometida por Costa, de todos os estabelecimentos de ensino público para o ensino à distância no início do ano letivo, que já vai a meio e só agora foram encomendados os prometidos computadores para os estudantes –, outros estão esgotados, como é o caso de Marta Temido, ou já definiram com o primeiro-ministro o timing para a sua saída, como será o caso de Augusto Santos Silva, o último dos históricos pesos pesados socialistas com pasta no Governo e que tem o recorde de tempo em funções governativas desde o 25 de Abril. Santos Silva já terá pedido a Costa para sair do Governo no final da presidência portuguesa da UE, precisamente em julho.
Santos Populares na dúvida
O Nascer do SOL confrontou entretanto as Câmaras de Lisboa e de Gaia, ambas presididas por membros do PS, sobre o facto de o partido ter estas precauções relativamente ao Congresso e em que medida é que, sendo assim, estão ou não a pensar manter ou cancelar as festas de ambas as cidades associadas aos Santos Populares.
Ambas admitem não ter sido ainda tomada nenhuma decisão final, mas confessam que, com as informações atuais e face à evolução esperada da situação pandémica, a realização das festas pode estar ameaçada.
Fonte da Câmara Municipal de Lisboa revelou não haver ainda decisão final, admitindo que será tomada «de acordo com o que é a prudência face à situação da pandemia», não deixando qualquer resposta sobre eventuais moldes em que pudessem realizar-se as festas, mas garantindo que até ao final de março será tomada uma decisão.
Na mesma linha de raciocínio está Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Câmarade Gaia, que afirma também não ter sido ainda tomada nenhuma decisão sobre as festas do São João, desligando qualquer correlação entre o congresso socialista e a realização das festas: «A questão do congresso não é indicativa de nada, até porque grande parte da organização assenta num modelo online. Não é possível, pelo congresso, retirar consequências para as festas populares».
O autarca de Vila Nova de Gaia mostrou-se apreensivo sobre o seu cancelamento, defendendo que «é simples dizer que não há festa, mas são milhares de pessoas entre carrosséis, músicos e senhores das farturas em todas as festas populares, que já o ano passado ficaram completamente fora de tudo». Apesar de não deixar certezas, o presidente da Câmara de Gaia frisa que «não seria nenhuma surpresa» dizer que não se antevê a normalidade total em junho deste ano.
Eduardo Vítor Rodrigues deixa ainda uma nota final sobre a realização ou não destas festas: «Não queremos que isso aconteça de novo [cancelar as festas] mas, se não houver possibilidade, pois não haverá. Primeiro está a saúde».