O tema é controverso e implica leituras sobre a Constituição e o papel do Parlamento ou o de um Presidente da República que até agora nunca abordou a ideia nas audiências com os partidos em Belém. Faz ou não sentido pensar num Governo de salvação nacional – ou de unidade nacional, como lhe prefere chamar o antigo ministro da Educação (do PS) Marçal Grilo? A resposta não é mesmo nada consensual.
Silva Peneda, antigo presidente do Conselho Económico e Social e militante do PSD, diz ao Nascer do SOL que não vê como possível esse cenário. «Para haver uma coisa dessas era preciso que o Governo caísse. E para o Governo cair seria preciso uma moção de censura na Assembleia da República. Não vejo nenhum partido interessado numa moção de censura agora. Não vejo. Mas admitindo que houvesse uma moção de censura, admitindo que fosse aprovado e que o Governo caísse, o que é que havia a seguir? Os governos dependem do Parlamento. O que o Presidente faria era marcar novas eleições», começa por explicar o ex-presidente do CES. Num quadro pós-eleitoral, poderia dar-se o caso de não haver condições para se formar um executivo. Logo, teriam de se convocar novas eleições. E só depois o chefe de Estado poderia ser tentado a testar junto dos partidos uma solução que passasse no crivo parlamentar. Como acontece em Itália, recorda Silva Peneda. E «arranjar uma personalidade acima de toda a suspeita. Não sei onde iriam buscar o nosso [Mário] Draghi», desabafa o também destacado militante do PSD.
Também da área do PSD, Guilherme Silva, antigo deputado e vice-presidente do Parlamento, tem uma posição diferente e muito própria do momento. O antigo dirigente considera que António Costa e o seu Governo deveriam ter tomado a iniciativa de estabelecer um diálogo permanente com as outras forças políticas. E não era uma ida a São Bento, partido, a partido. «Isto deveria justificar reuniões conjuntas com os líderes ou delegados ( representantes) dos líderes», quinzenais, por exemplo, advogou Guilherme Silva. No fundo seria criada uma «task force multipartidária para dialogar na solução de medidas», insistiu o antigo dirigente, numa espécie de «pré-experiência» a um Governo de emergência nacional. Mais, Guilherme Silva avisa que haveria ainda um fronteira que não se poderia ultrapassar. O Governo «não [poderia] tornear as dificuldades» e promover a «propaganda política». A seguir, o Presidente da República avaliaria o resultado desta pré-experiência, apesar da situação fugir às regras de alternância de poder. «Pelo menos [tentar uma] pré-experiência que poderia justificar, ou não, avançar para um governo de emergência nacional ou salvação nacional», concluiu Guilherme Silva, considerando que as condições são excecionais e «uma situação destas não deve ser deixada em exclusivo nos ombros de um governo escolhido, em tempos normais (sem pandemia)».
Por seu turno, o antigo ministro (de governos do PS) e antigo presidente do Tribunal de Contas, Guilherme d´Oliveira Martins, prefere defender que mais importante do que um governo de salvação nacional, é preciso unidade nacional. «Mais do que “salvação nacional”, importa garantir a “unidade nacional”, num contexto democrático e pluralista», explica o antigo responsável num depoimento por escrito ao Nascer do Sol.
Para Oliveira Martins «o lugar constitucional do Presidente da República no nosso sistema político, agora com legitimidade renovada, permite assegurar a mobilização excecional de esforços no sentido de o Estado e a sociedade responderem aos difíceis desafios da pandemia, da situação económica e da necessária recuperação». Em suma, o que é preciso é convergência para enfrentar os problemas, mais do que abrir crises políticas, que pressupõem um contexto de executivo de salvação nacional. «O Presidente, a Assembleia da República e o Governo já estão confrontados com estas tarefas – e tem havido consciência da importância da unidade democrática. Temos, pois, de aproveitar ao máximo tais virtualidades. Mais do que abrir uma crise política neste momento muito exigente, precisamos de convergências concretas e imediatas», argumentou Oliveira Martins.
De facto, há quem peça a demissão do Governo a Marcelo Rebelo de Sousa ou a promoção de um Governo de salvação nacional. Ora, esta solução , imbuída no espírito de um Governo de iniciativa presidencial, já não existe desde a revisão da Constituição de 1982. E o próprio afastou o cenário de um Governo de salvação nacional na entrevista que deu ao humorista Ricardo Araújo Pereira, no programa da SIC, Isto é gozar com quem trabalha. «A minha ideia não é que o Governo caía, é que o Governo responda à crise, que enfrente a pandemia», avisou o Chefe de Estado, na primeira entrevista após reeleição.
Mas há quem não queira qualquer crise política e defenda antes uma solução de unidade nacional desde março, afastando-se querelas políticas, mas jogando-se no atual quadro parlamentar. É o caso de Marçal Grilo ou até do antigo dirigente do CDS, Nobre Guedes.
«Um Governo de unidade nacional, não tenho dúvida nenhuma. Estou a falar dele desde março passado (…) É preciso fazer um governo de unidade nacional (…) Se era necessário em março, imagine agora», argumentou, em declarações ao i Marçal Grilo. Para tal, não era preciso colocar em xeque a «posição dos partidos, nem as suas ideologias, nem ninguém tem de deitar nada para o lixo». E Nobre Guedes reforçou a ideia ao i : «O primeiro-ministro e Rui Rio, os dois é que se têm de entender».
Quem não aceita de forma alguma a ideia de um governo de emergência nacional é Vital Moreira, constitucionalista e antigo eurodeputado eleito pelo PS: «(…) não se vê como é que um governo nascido de um ato inconstitucional e formado à margem do parlamento poderia obter a investidura parlamentar, com a atual composição da Assembleia da República, onde talvez só tivesse o apoio do Chega!», escreveu no seu blogue Causa Nossa.