Já por mais de uma vez, ao olhar para as estantes cá de casa, me lembrei de uma expressão que o meu Tio Rui costuma usar e a que sempre achei muita graça: ‘De vez em quando é preciso tirar-lhe as teias de aranha’. Esse princípio que ele usa para os carros – volta e meia há que puxar um pouco mais pelo acelerador para que o motor não atrofie – eu aplico-o aos livros. De tempos a tempos é preciso tirá-los da prateleira, afagar-lhes as capas, abrir-lhes as páginas para que possam respirar um pouco em liberdade.
Existe hoje um certo culto do pó dos livros – consagrado até no nome de uma livraria infelizmente desaparecida – mas confesso que não partilho dessa visão romântica. E quando, à mistura com o pó, começa a haver indícios de bolor, uma boa limpeza torna-se ainda mais urgente.
No fim de semana passado atirei-me a essa tarefa, tendo em vista apenas um pequeno núcleo de livros antigos, que se encontram arrumados em cima de um móvel mais antigo ainda. Eu chamo-lhe a ‘secção de livros decorativos’ – pois embora tencione ler um ou outro, em relação à maioria deles não alimento grandes ilusões. Em compensação, dá-me um grande prazer olhar para aquelas lombadas envelhecidas, algumas com ferros (o nome que se dá na gíria aos dourados), quase todas com marcas visíveis da passagem do tempo.
E stando muito longe de ser um especialista – quer em matéria de livros antigos, quer em matéria de limpezas –, quando se trata de tirar o pó a estes velhos volumes guio-me simplesmente pelo bom senso. O primeiro passo é tirá-los de cima do móvel. Algumas capas estão gastas pelo uso, polidas pelo toque de muitas mãos. Noutras há pontos em que começam a desfazer-se, o que não deveria surpreender num objeto com trezentos anos, e isso exige especial cuidado.
Além do pano do pó, recorro a uma escova de dentes velhinha para chegar a algumas zonas de mais difícil acesso, e desta vez descubro que, se cobrir a cabeça da escova com o pano, obtenho um resultado ainda mais satisfatório.
Uma vez limpo o pó, é então altura de abrir os livros, tentando expulsar as partículas que se acumularam nas extremidades das páginas ou no interior. Entretanto, aproveitei para puxar o brilho ao móvel com um pouco de cera de abelha líquida, e tenho de esperar que a cera se entranhe na madeira e seque antes de devolver os livros ao seu lugar. Para passar o tempo, dou uma espreitadela a uma ou outra página avulsa, acabando muitas vezes por deter-me mais nas especificidades da ortografia do que propriamente no conteúdo. Deixo alguns exemplos tirados ao acaso: crystallino, pantuphos, thezoureiro, exçitaménto do apettite.
A cera de abelha já secou e posso finalmente arrumar os livros. Um pormenor importante: não se pode encostá-los à parede, há que deixar um espaço livre (um cuidado que já era conhecido dos romanos). E é aí que me apercebo de uns fiozinhos cinzentos pendurados, que limpo com o pano do pó. O meu Tio sempre tinha razão: afinal, havia mesmo umas teias de aranha para tirar!