O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) foi apresentado pelo primeiro-ministro como uma espécie de vitamina para a recuperação económica. Já fez muitas críticas ao plano. Não acredita que a estratégia desenhada conduza à recuperação da economia?
Muito dificilmente, por duas razões principais. Primeiro, não há uma visão estratégica para a competitividade da economia, com as necessárias reformas estruturais para as áreas que já referi. Em segundo lugar, é um plano muito centrado na Administração Pública.
Isso é mau?
É uma lista de compras de investimentos e gastos públicos. Com este Plano de Recuperação e Resiliência, a economia portuguesa continuará a ser pouco competitiva e continuará a ter crescimentos muito baixo. Receio que em breve sejamos já não o penúltimo país da Europa em termos de riqueza per capita, mas o último dos 27 Estados-membros. Essa é uma marca do Governo do PS desde novembro de 2015, um país cada vez mais pobre e sem uma política orientada para as empresas.
O plano desenhado pelo PSD teria sido totalmente diferente?
O plano do PSD é bastante diferente. Recordo que o Conselho Estratégico Nacional do PSD apresentou, em 2020, três programas de resposta à crise económica: um programa de emergência económica, um programa de recuperação económica e um Programa Estratégico e dos Fundos Europeus. Este último é exatamente a nossa visão para a década e tem as reformas estruturais para tornar a economia portuguesa mais competitiva, bem como a alocação dos fundos europeus, quer os da recuperação, quer o próximo quadro comunitário. Não creio que alguma vez um partido da oposição tenha feito tanto trabalho num tão curto espaço de tempo. O PSD está a construir uma alternativa sólida e credível. Está a mostrar que tem um programa e uma equipa para governar Portugal com Rui Rio como primeiro-ministro.
Quando refere que este Governo está a repetir as receitas do passado está a pensar nos governos liderados por José Sócrates?
Não apenas, dado que os erros de política económica desde 1995 conduziram o país à estagnação. Mas há o risco de repetir investimentos públicos não reprodutivos, que deixam depois custos operacionais para os contribuintes pagarem durante décadas.
O PSD ficou colado às políticas de austeridade depois do Governo PSD/CDS liderado por Pedro Passos Coelho. Julga que os portugueses continuam a ter receio de que o regresso do PSD ao poder possa significar mais sacrifícios?
Isso foi um mito que se criou. Primeiro, quem iniciou a austeridade em Portugal foi um Governo do PS, de José Sócrates, em 2010, com os chamados PEC 2, 3 e 4. Segundo, em apenas um ano, entre março de 2010 e março de 2011, se considerarmos o PEC 4 ou se considerarmos o acordo com a troika, que foi assinado por José Sócrates, o Governo PS fez mais austeridade do que o Governo PSD nos três anos seguintes. Terceiro, a diferença é que enquanto o PS trouxe a troika, o PSD mandou-a embora. Por último, a austeridade não é uma política, a austeridade é aquilo que se faz quando o dinheiro acaba. E foi isso que aconteceu em março de 2011, por irresponsabilidade socialista.
O facto de o PS estar a governar com o apoio dos partidos à sua esquerda, embora o último orçamento tenha sido viabilizado apenas pelo PCP, condiciona as políticas deste Governo?
Naturalmente que sim. Isso tem sido visível desde novembro de 2015. Entre 2016 e 2019, em quatro anos, não houve uma reforma estrutural, não houve uma medida de melhoria da competitividade da economia nacional. Quando nas legislativas perguntaram ao dr. Mourinho Félix, na altura secretário de Estado das Finanças, qual tinha sido a principal reforma estrutural do Governo, ele respondeu o aumento do salário mínimo. Não é preciso dizer mais nada. O problema é que não só desperdiçamos quatro anos de alguma bonança económica como não estou a ver que seja com a extrema-esquerda que se vá levantar o país desta crise económica profunda em que estamos mergulhados.
O PSD defende, no plano estratégico que apresentou para a aplicação dos fundos europeus, um conjunto de reformas estruturais para tornar a economia mais competitiva. Quais são as transformações que considera essenciais fazer nos próximos anos?
O nosso programa é claro ao identificar as empresas, o investimento privado, sobretudo o estrangeiro, e as exportações como o centro principal e a alavanca para Portugal crescer e ser mais próspero. Para isso são precisas reformas estruturais. Além da digitalização e da descarbonização, que são prioridades a nível europeu e mundial, o principal eixo de atuação passa por criar um ambiente em que as empresas possam investir, produzir e exportar. O mais importante é que Portugal se torne um país onde é fácil investir, criar riqueza e exportar. É reunir um conjunto de condições que permitam aos agentes económicos desenvolverem as suas atividades no melhor ambiente competitivo.
Mas quais são as áreas que identifica como prioritárias?
É preciso atuar em quatro áreas principais: reforçar a qualidade das instituições e do ambiente legal e regulatório, melhorar a qualidade do capital humano e da ligação entre ciência, inovação e empresas, mitigar os estrangulamentos da competitividade da economia portuguesa e, por último, preocuparmo-nos muito a sério com o ‘inverno demográfico’ que trará graves problemas a Portugal nas próximas décadas.
Refere, muitas vezes, que a economia esteve estagnada nos 20 últimos anos e justifica essa realidade com os estrangulamentos da economia. Quando fala de estragulamentos está a pensar, por exemplo, na justiça?
Entre 2000 e 2019, a economia portuguesa cresceu, em termos acumulados, 12%, ou seja, uma média anual abaixo de 0,5%. Tem um problema grave de baixa produtividade e de competitividade. Os estrangulamentos estão há muito identificados: elevados custos de contexto e burocracia, morosidade da Justiça, serviços públicos com baixa eficiência, falta de concorrência em vários setores, um sistema fiscal complexo, contas públicas desequilibradas e um elevado endividamento externo, público e privado. Mas também a baixa ligação entre a ciência e as empresas, um mercado laboral dual e rígido e empresas com pouca dimensão, capitalização (muito endividadas) e baixo valor acrescentado.
Admite que um Governo do PSD poderá fazer alterações às leis laborais para cumprir o objetivo de aumentar a competitividade?
A Comissão Europeia, no âmbito do semestre europeu, é clara nas suas recomendações a Portugal relativas à dualidade e rigidez do mercado laboral. Mas qualquer alteração tem de contar com o apoio da concertação social.
A pandemia veio alterar a realidade do país. O PSD mantém o objetivo de reduzir os impostos quando voltar ao poder, nomeadamente o IRS para a classe média e o IRC?
Em 2019, no programa eleitoral das legislativas, apresentámos aos portugueses uma proposta de redução da carga fiscal, em IRS para as famílias e em IRC para as empresas, em 1,5% PIB, cerca de 3,6 mil milhões em quatro anos. Mantemos esse objetivo de baixar a carga fiscal das famílias e das empresas. Assim que a situação da pandemia for ultrapassada e retomarmos alguma normalidade económica, seguramente que o país precisa que se reduza a carga fiscal, quer sobre a classe média, hoje sufocada por um IRS muito elevado, além dos outros impostos e taxas, quer para atrair investimento e aumentar a competitividade das empresas.
A redução dos impostos é uma medida essencial para implementar a estratégia do PSD?
É uma das alavancas. Isto porque a carga fiscal sobre as famílias e as empresas é muito elevada. Mas nunca dissemos que era a única medida. Pelo contrário, precisamos de melhorar o sistema fiscal também ao nível da sua simplificação, estabilidade e redução dos custos de cumprimento, bem como garantir a redução da morosidade na litigação fiscal. O sistema fiscal é apenas um dos estrangulamentos. É preciso medidas na justiça, na burocracia, nos licenciamentos e em muitas outras áreas.
Qual é a avaliação que faz da resposta dada pelo Governo à pandemia?
Não me pronuncio sobre a resposta sanitária, embora a impressão com que fiquei é que foi francamente negativa, sobretudo a partir de julho do ano passado. Em termos económicos, o Governo foi profundamente incompetente.
Quais são as principais falhas que aponta?
Não é capaz de apoiar as empresas. Há quase uma unanimidade entre os empresários e os gestores de que os apoios são curtos e chegam muito tarde. Basta ver o Banco de Fomento e a questão da capitalização das empresas. As empresas nacionais entraram na pandemia muito descapitalizadas e quando a pandemia terminar vão estar ainda pior. O PSD apresentou, em maio do ano passado, já lá vai quase um ano, uma proposta de aumento do capital do Banco de Fomento de 100 milhões para mil milhões. Com isto, e a efetiva operacionalização do Banco de Fomento, propusemos também oito linhas de capitalização. Porquê várias linhas? Para que as linhas de capitalização se adequem às necessidades das empresas e não o contrário. Existem 240 mil milhões de euros para isto a nível Europeu no BEI [Banco Europeu de Investimento]. Portugal, com as propostas do PSD, podia ter 4 a 5 mil milhões de euros de capital (não são empréstimos) para as empresas. Infelizmente, até agora o Governo fez zero. Também não há uma resposta do governo aos setores mais afetados por esta crise.
As falhas no combate à pandemia estão a ter consequências na economia?
As hesitações e erros na gestão sanitária têm um impacto muito forte na economia.
Vamos demorar muito tempo a recuperar?
Infelizmente vamos ter uma recuperação lenta. As previsões apontam para que Portugal apenas retome o nível económico de 2019 em 2023 ou 2024. Basta pensar que a quebra do PIB em 2020, que foi de 7,5%, é superior à quebra do PIB acumulada na última crise, entre 2008 e 2013.
Temos condições para responder aos problemas sociais provocados por esta situação?
Os problemas sociais estão a agravar-se. Só teremos capacidade de responder a esses problemas se recuperarmos a economia. Sem criação de riqueza e sem emprego, não há recursos para ter um Estado social forte e capaz. Mas o PSD apresentou logo em maio de 2020 um programa de emergência social. É preciso proteger os mais desfavorecidos. Esta crise está a ser mais assimétrica do que as recessões anteriores.
Escreveu, num artigo de opinião no jornal ECO, que o Governo coloca despesa nos orçamentos para enganar os parceiros de coligação. Acha mesmo que assistimos a uma farsa orçamental como escreveu?
Totalmente. Dou-lhe três exemplos: o primeiro foi logo em 2016. O Governo atingiu um défice de 2%, mas para isso teve medidas extraordinárias em agosto, cortou no investimento público e aumentou as cativações. Tudo somado deu 1% do Produto Interno Bruto (PIB). Pelo que o défice sem isso teria sido acima dos 3%. O segundo está na execução do investimento público, sempre abaixo dos 2%do PIB em cada ano, quando em 2015 foi de 2,3% e nos orçamentos o Governo sempre apresentou valores acima dos 2%. O terceiro foi em 2020. O Governo executou menos despesa, incluindo o investimento no Serviço Nacional de Saúde, que ficou abaixo do OE inicial, quer era de janeiro, anterior à pandemia. Que se caia na farsa uma vez é compreensível. Que se caia cinco vezes, como sucedeu com o Bloco, ou seis, com o PCP, é também uma farsa política. Os partidos da extrema-esquerda sabem, em todos os orçamentos, que estão a ser enganados e pelos vistos gostam, porque votam a favor.
Porque é que a esquerda acaba por viabilizar os orçamentos?
Isso tem de perguntar aos partidos que votam dessa forma. Eu diria que o apego ao poder é mais forte que o interesse nacional. Basta ver que em tempos de alguma bonança foram capazes de se entender. Agora, que estamos em crise, o entendimento é cada vez mais difícil.
Este Governo vai cumprir o mandato até ao fim ou prevê eleições antecipadas devido à crise e às divergências entre os partidos de esquerda?
Não sei. Não faço futurologia e não sou comentador político. Mas, com mais dois anos deste pântano de governação e desta falta de rumo na política económica, temo que o país fique condenado a mais uma década de baixo crescimento económico.
Há quem defenda uma espécie de regresso do Bloco Central para enfrentar esta crise. Isso faria algum sentido?
Não creio. É importante que haja uma alternativa credível a quem é Governo. E é importante não deixar crescer os extremos, quer à direita, quer à esquerda, por motivos de insatisfação e de as pessoas não se sentirem representadas.