Mulheres na primeira pessoa

A importância do papel da mulher foi crescendo ao longo dos anos mas as diferenças ainda são notórias na comparação com os homens. O testemunho de mulheres portuguesas sobre as diferenças e o que ainda é preciso fazer.

TERESA RICOU
‘Basta’

Se conseguimos gerar um filho, também conseguimos gerar um outro mundo, mais justo, mais solidário, com uma melhor gestão.

Não faz sentido que, em pleno século XXI, ainda exista esta desigualdade entre o homem e a mulher, assim como é inadmissível falar em deveres de uns e de outros. Com uma atitude positiva, mudar-se-á certamente a actual sub-representação das mulheres na intervenção política, social e económica. Mas sempre com uma dignidade e uma sabedoria feminina, própria de quem tem o instinto da maternidade.

Os nossos afectos, os nossos gostos, as nossas sensibilidades, as nossas praticidades de todos os nossos sentidos – incluindo o sexto – podem proporcionar outras vidas, outros mundos. Estejamos nós sozinhas. Ou acompanhadas.
Não esqueçamos que as mulheres representam mais de metade da população do mundo, enormes capacidades, talentos absolutos. A presença destas nos lugares de decisão corresponde a uma verdadeira democracia.
É nossa responsabilidade a tomada de consciência do nosso valor próprio. Urge assumirmos um papel que implique e que decida a mudança nos diversos campos da sociedade – seja na educação, seja em casa: seja na rua, nos campos de batalha, nos hospitais, nos grandes centros de decisão, nas artes, na cultura, no dia-a-dia. Na política social, geral e de base. A educação e a cultura são os alicerces de um Povo. Onde acontecer, elas, as mulheres, deverão lá estar!

Não temos que, constantemente e de forma pertinente, reclamar os nossos direitos. Enquanto actores sociais intervenientes, ainda é preciso sensibilizar as pessoas, ainda é preciso sensibilizar as pessoas para as questões das mulheres e para a necessária participação destas nas decisões. Basta!!!

Apesar de todas as suas fragilidades (os homens também as têm, ainda que envoltas por um pomposo machismo), a Mulher tem que ser uma ‘guerrilheira’ e não se deixar levar pelas suas ‘maleitas’. Tem que se confrontar com as suas fraquezas e com o mundo, de uma forma saudável e firme. Objectiva e afectuosa. Naturalmente, tudo será mais fácil se existir uma cumplicidade solidária entre parceiros.

Da ‘Lógica de Governação Doméstica’ as mulheres fazem decorrer práticas especialmente compreensivas, persistentes e subtis, como acontece – basta olhar o mundo socialmente excluído. Acontece que a desenvoltura desta lógica, quando obsessiva, se revela especialmente pertinente para as manobras de quem se propõe trocar as voltas ao destino. Ou não fosse a vida feita de pequenos nadas. As mulheres são verdadeiras Malabaristas nas suas economias domésticas, é um modelo a traduzir na economia desabrida de um País.

As grandes mudanças fazem-se a partir de pequenas mudanças. Há que começar a criar estruturas de apoio familiar, com a respectiva dimensão humana, capazes de apoiar e tranquilizar a necessária intervenção – da mulher, da mulher e do homem, dos homens, das mulheres – para a construção de uma sociedade que precisa da realização de cada um, para a Grande Mudança.

ANA RITA CAVACO
‘O homem líder é regra, a mulher é exceção’ 

O caminho tem sido de afirmação e reconhecimento, mas a verdade é que uma sociedade que ainda precisa de quotas para as mulheres, nomeadamente em cargos políticos, é uma sociedade que reconhece que ainda não fez todo o trabalho que deveria ter feito. 

É inegável que a mulher se emancipou, conquistou direitos que não tinha, começou a ocupar lugares de maior relevo social. Ao longos dos últimos anos, a mulher ganhou expressão em espaços de liderança e atribuiu-lhes uma assinatura própria. A verdade, no entanto, é que ainda vivemos numa sociedade machista. O homem líder é a regra. A mulher a excepção. É assim nas empresas, nos partidos e até no desporto.

Portugal tem uma das maiores diferenças salariais do mundo, entre homens e mulheres. Um homem ganha, em média, cerca de 20% mais, segundo um estudo da Organização Internacional do Trabalho. Este é um bom exemplo porque o salário é reconhecimento e dignidade. Se neste ponto continuamos a cavar desigualdade, as quotas são só uma forma de tapar o sol com a peneira.

É pelo mérito que a mulher se deve afirmar, mas para isso precisa de ter as mesmas oportunidades.

Isabel Camarinha
‘Igualdade – uma luta de todos os dias’ 

 A CGTP-IN promove de 8 a 12 de março a Semana da Igualdade, num quadro em que, apesar dos grandes avanços que têm acontecido, se mantêm actuais os objectivos que estiveram na origem, há 111 anos, da instituição do 8 de março como Dia Internacional da Mulher. 

Hoje temos de continuar a lutar pela efectiva igualdade no trabalho e na vida: a luta por melhores salários e horários de trabalho, contra a exploração e a guerra, em defesa dos direitos.

Hoje, as mulheres em Portugal têm salários em média 15% inferiores, são a maioria a receber o salário mínimo nacional, são discriminadas no acesso à carreira profissional, são as primeiras a ser despedidas, são a maioria dos trabalhadores com vínculos precários, com os horários longos e desregulados que são praticados é impossível conciliar a vida profissional com a vida pessoal e familiar.

Nesta situação são fundamentais a unidade, organização e mobilização de todos os trabalhadores, mulheres e homens, na luta pela igualdade e combate às discriminações, pelo aumento geral dos salários, pela negociação da contratação colectiva, pelo emprego seguro e com direitos, com o fim da precariedade dos vínculos laborais, pelos horários de trabalho dignos e regulados, por condições de trabalho dignas e a protecção da saúde e segurança.

A CGTP-IN continuará, como tem feito ao longo dos seus 50 anos de existência, a lutar pela igualdade e pela defesa dos direitos e interesses de todos os trabalhadores, pela mudança de rumo no nosso país e a garantia de um Portugal com futuro, de progresso e justiça social.

RAQUEL VARELA
‘Paradoxos da História do Feminismo’ 

Em nenhum país hoje na Europa há igualdade salarial entre homens e mulheres. Elas trabalham mais em casa, eles trabalham mais fora de casa – também por isso eles vivem menos anos. Em Portugal morrem 30 mulheres por ano vítimas de machismo e mais de 100 homens vítimas de ‘acidentes’ de trabalho (evitáveis). Um mundo decente está por construir. O feminismo foi atravessado por muitas contradições, paradoxos. 

Em 1968 foi pujante a visão radical das mulheres que recuperou as teses do amor livre de 1917 (o direito a amar para além das restrições materiais que, por pobreza, obrigava os casais a ficarem juntos – estamos a voltar a isso nas hipotecas?) 

Em muitos países o capitalismo, necessitando da entrada das mulheres no mercado de trabalho, teve um papel central na aceleração da independência das mulheres. Noutros, para gerir os ‘custos do trabalho’, teve um papel conservador. 80% das crianças na RDA, uma ditadura, tinham infantário gratuito até aos 3 anos; na RFA, um regime liberal-democrático, menos de 3% frequentavam o infantário. Na RFA a mulher ficava em casa.

A história não é linear – a guerra colonial e a imigração colocaram Portugal em 1974 com uma das mais altas taxas de trabalho feminino, perto do 40%. E hoje 49%. Na Holanda liberal de hoje não há creches gratuitas generalizadas – elas ‘estão’ em casa a cuidar dos filhos, garantindo um pleno emprego artificialmente baixo. 

Hoje, ganharam espaço movimentos de elite que querem as mulheres nas chefias das empresas. Pergunto-me: a vida das mulheres no mundo melhorou com Merkel ou Lagarde no poder? O mundo ficou menos desigual?

O feminismo foi também usado como combate puritano – caso do Metoo – contra o movimento dos trabalhadores nos EUA, liderado por Bernie Sanders. Elas diziam ‘mulheres’, ele dizia ‘working class’. Em países com forte pendor católico, a Irlanda e a Polónia, o feminismo continua a batalhar por fazer sair as mulheres da Idade Média. 

SIMONE DE OLIVEIRA
‘Não sei se a mulher tem consciência da força que tem’ 

Acho que fui um pouco a mulher que deu o chuto em várias coisas: por ter filhos sem ser casada, por ter fugido de casa, por achar que tinha os filhos de quem queria e à hora que queria… Nasci livre. Ser mulher continua a ser hoje muito mais fácil do que quando nasci. Hoje a mulher tem a liberdade toda. Não sei bem se tem a consciência da força que tem mas penso que sim. Os homens é que acham que as mulheres não têm força quando é exatamente ao contrário. Ser mulher para mim é muito bom, embora ache que, sinceramente, tenha alma de homem. Tenho uma alma muito libertária, muito para a frente, andei sempre um bocadinho à frente do meu tempo, do tempo em que nasci.

Andei sempre à frente da carroça a dizer que queria a liberdade. E isso custou-me caro. Custou-me tão caro que quando disse que quem faz um filho fá-lo por gosto só não me mataram porque não puderam. Disse isso em 1969.

Depois aconteceu tudo, desde me insultarem nos espetáculos, quererem bater-me… Fui cantando até que a Desfolhada virou quase um ícone neste país. Tentei fazer alguma coisa. Nasci livre e continuo nessa ideia, continuo a achar que a mulher tem que ter os mesmos ordenados, os mesmos direitos, as mesmas obrigações e não continuar numa certa subalternidade do homem. Devia haver mais mulheres no Governo, a Assembleia devia ter mais mulheres.

Que soubessem o que estão a fazer, evidentemente. Não como a nossa ministra da Cultura que não sabe nada de nós. Tenho uma enorme admiração pela nossa ministra da Saúde, sou fã da Graça Freitas. São duas mulheres muito importantes neste país. A ministra da Justiça, talvez. Tem uns dias que funciona bem. Outras vezes quer agradar a Deus e ao Diabo e não é muito possível. A mulher continua a ser muito útil. Há mulheres extraordinárias na escrita. Teresa Horta, Alice Vieira, Rosa Lobato Faria, Luísa Castel-Branco… Há outras mulheres. A nossa poetisa Sophia de Mello Breyner, Natália Correia, Amália Rodrigues… Há ainda muito a fazer mas não é com vinagre que se apanham moscas. Os homens vão perceber. Têm que perceber mesmo. Há mulheres importantíssimas pelo mundo fora, sobretudo naqueles países em que acham que a mulher não vale nada. E tem havido mulheres que morrem, que se sacrificam e que vão à luta. 

MARIA DO ROSÁRIO GAMA
‘Tem havido algumas conquistas mas ainda não está tudo igual’

Antigamente o papel da mulher era muito submisso. Não tinha direito a votar e por isso não tinha direito a escolher os seus dirigentes, um direito que só foi conquistado muito mais tarde. Era instruída na escola. Toda a ideologia que era passada na escola primária era no sentido de a mulher ser uma boa dona de casa, uma boa mãe e uma boa esposa, cumpridora dos seus deveres. Era só submissão. Até há um quadro muito interessante que às vezes encontramos nas redes sociais que é: o marido chegava a casa, lia os jornais e os filhos sentavam-se a fazer os deveres da escola e a mulher sempre de pé, a varrer, a fazer as refeições… Era mesmo um papel de submissão. Tinha também pouco acesso ao mercado de trabalho. As mulheres que eventualmente tiravam um curso, para serem professoras, por exemplo, nunca podiam casar com alguém que tivesse uma habilitação inferior. Sou alentejana e conheci na minha zona uma senhora que era professora do primeiro ciclo e tinha uma grande paixão por um senhor rico lá do Alentejo mas como ele só tinha a quarta classe, não podia casar com ele sem uma autorização especial. Era preciso essa autorização para poder casar. As mulheres tinham muitos deveres e poucos direitos. Estas circunstâncias eram muito claras e muito vincadas. O primeiro voto, que foi de Beatriz Ângelo, só o conseguiu porque o direito ao voto era só para os chefes de família e como ela tinha ficado viúva quis votar. Era chefe de família, cumpria perfeitamente a lei.

Foi uma lutadora naquela altura. Acho que, naquela altura, a maior parte das mulheres que estudava era para serem professoras do primeiro ciclo. A escola era uma transmissora de ideologia e era tudo a privilegiar o papel submisso da mulher. Com o 25 de Abril vieram outras conquistas, essas condicionantes acabaram e a mulher começou a ter maior autonomia e a poder tomar mais decisões, até de emprego. Mas hoje em dia ainda há desigualdade salarial. A mentalidade começa agora a alterar-se um bocado mas as mulheres é que ainda são as donas de casa, ainda são aquelas que têm um trabalho em casa superior ao seu marido fora do seu emprego. Penso que isso tem a ver ainda com a mentalidade antiga mas está a alterar-se. Os mais jovens já têm uma maior distribuição de tarefas. Era preciso a igualdade salarial, o acesso ao emprego e a distribuição de tarefas. Penso que a pandemia agora até afetou mais as mulheres que os homens e é mais um sinal que ainda não há essa igualdade que seria importante que acontecesse.