Com o desconfinamento a decorrer até agora sem sobressaltos, e Portugal em contraciclo com um contexto “adverso” na Europa, como classificou ontem no final da reunião do Infarmed a ministra da Saúde, Marta Temido, um dos avisos dos peritos no encontro prendeu-se com o risco que a situação epidemiológica na Europa poder “contagiar” o país. Em particular, o risco de entrada das novas variantes do SARS-Cov-2, mais transmissíveis e também associadas na reunião do Infarmed a uma maior taxa de letalidade.
A variante inglesa (B.1.1.7), detetada em dezembro no Reino Unido, na altura com alertas do Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças de que era mais transmissível e poderia tornar-se dominante na União Europeia, já não pode ser contida e foi isso mesmo que aconteceu: num período de três meses, sobrepôs-se a todas as outras. A má notícia é que tem potencial para aumentar os contágios, o que numa altura de desconfinamento pode ser problemático – e ontem a chanceler alemã, que um mês após o início do desconfinamento volta a apertar medidas na Páscoa, falou mesmo de uma “nova pandemia” (ver pág.14). A boa notícia é que as vacinas, testadas quando ainda não havia este contexto, parecem igualmente eficazes para esta variante. Mas a taxa de letalidade, que na covid-19 em geral é calculada em Portugal em 2%, sobe para 4%, revelou no encontro Henrique Barros, que apresentou cálculos para as outras variantes novas (ver pag.4), sublinhando que a preocupação com estas deve ser não só com o controlo da infeção mas com a vigilância de doentes “com maior risco de morte”.
João Paulo Gomes, investigador do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) responsável pela equipa que estuda a diversidade genética dos vírus que circulam no país, apresentou os dados mais recentes, que mostram que no Reino Unido a variante B.1.1.7 representa já quase 100% dos casos, admitindo que dentro de semanas representará 90% a 100% dos casos noutros países, Portugal incluído.
Neste momento, as estimativas de prevalência apontam para que represente cerca de 70% dos casos de covid-19 no país, com maior prevalência em Lisboa e no Algarve, mas o INSA está a fazer a análise de 1300 vírus de pessoas infetadas na primeira quinzena de março e os primeiros resultados são de que já estará acima de 80%. Em janeiro, rondava 15%. E, se a disseminação no início do confinamento acabou por ser mais lenta do que se esperava, já acelerou. Foi a partir do ponto de situação da variante inglesa que João Paulo Gomes seguiu para a apresentação do que se passa com as variantes sul-africana e Manaus. Além de mais transmissíveis, o que pode também dificultar o controlo da transmissão, a variante brasileira P1 tem sido associada a mais casos de reinfeção e possível falência vacinal, afirmou João Paulo Gomes. E, se em Portugal há poucos casos, o risco de introdução não anda longe.
Países com muitos voos para portugal com mais casos O especialista indicou que da variante sul-africana foram detetados no país 24 casos, um terço na semana passada. Um número “modesto”, mas que considera que não deve deixar o país descansado. “Salientaria aqui a importância do controlo de fronteiras a partir desta altura. Estamos a desconfinar, os outros países também. Estamos a falar de África do Sul, mas a variante está disseminada por outros países africanos, nomeadamente Moçambique, e está presente e eventualmente espalhada com transmissão comunitária em países europeus com histórico de voo intenso com o nosso países”, alertou. Nos gráficos que apresentou, Bélgica, Reino Unido e França são os países com mais casos de detetados da variante sul-africana. “A última coisa que queremos é que se repita, e era quase inevitável, aquilo que se passou com a variante inglesa: entrou no nosso país, com múltiplas introduções, espalhou-se e dentro de semanas estará com certeza acima de 90%”.
Para a variante de Manaus, um alerta idêntico. Portugal já “apanhou” 16 casos. Neste caso, o país europeu com mais casos é Itália. João Paulo Gomes defendeu maior controlo nos aeroportos, com recolha de informação sobre historial de viagem. A vigilância genómica vai também ser reforçada: o INSA está a desenvolver uma metodologia de pré-rastreio de casos suspeitos nos laboratórios e apela também que se mantenham testes PCR, inclusive com a retestagem de casos positivos de testes rápidos, já que estes por si só não permitem despistar variantes de maior risco. E são os que estão a ser maioritariamente feitos agora no país.
As medidas em vigor O Governo apertou as medidas nas fronteiras no mês passado, mas não adiantou se serão reforçadas. Os voos diretos de/para Reino Unido e Brasil estão suspensos até 31 de março e as fronteiras terrestres estão fechadas até 6 de abril, mas podem passar cidadãos nacionais e trabalhadores transfronteiriços, cônjuges para reunião familiar ou por motivo de saúde. Não é exigido teste. No caso das fronteiras aéreas, para pessoas oriundas de países fora da UE as viagens estão limitadas às “essenciais”, mas para cidadãos nacionais ou de qualquer país da UE não há interdições à entrada. Para viajar para Portugal de avião, antes do embarque, é obrigatório apresentar comprovativo de realização de teste laboratorial (RT-PCR) com resultado negativo. A única exceção é para crianças com menos de dois anos. Outra regra que passou a vigorar obriga pessoas provenientes de países da UE com mais de 500 casos por 100 mil habitantes a fazer auto-isolamento de 14 dias em Portugal. A quarentena está em vigor, segundo o MNE, para pessoas que cheguem da República Checa, Chipre, Eslováquia, Estónia, Hungria, Malta, Polónia e Suécia. Se ficarem em Portugal menos de 48 horas, ficam dispensadas desta regra.