Quatro meses depois de ter lançado o primeiro volume, de uma série de quatro, com que o Instituto Francisco Sá Carneiro assinala a passagem do 40.º aniversário sobre a morte do fundador e histórico líder do PPD-PSD, e cuja pré-publicação foi igualmente um exclusivo do Nascer do SOL, é agora a vez de ser lançado o segundo volume, que reúne as suas intervenções no período de 1974-1975.
«Cabe ao Instituto Francisco Sá Carneiro uma especial responsabilidade no âmbito da proteção e divulgação do legado do ex-primeiro-ministro de Portugal», sublinhou ao Nascer do SOL João Montenegro, vice-presidente daquele instituto.
«Neste âmbito, estamos a desenvolver a produção de documentários e a reedição dos textos fundamentais de Francisco Sá Carneiro. Um dos projetos é a reedição destes mesmos textos de Sá Carneiro, num total de sete volumes, com uma nova imagem e com a colocação dos livros em venda direta ao público, nas principais livrarias de Portugal», acrescentou Montenegro, que realçou: «Trata-se de um valiosíssimo espólio documental que deve estar disponível não só para estudo académico, como também para o leitor comum que queira conhecer e aprofundar o pensamento político do Fundador do Partido Socia Sá Carneiro».
O Instituto Francisco Sá Carneiro, em conjunto com a Alêtheia Editores, lançou a 30 de Novembro de 2020 o volume 1 dos Textos de Francisco Sá Carneiro, intitulado Sá Carneiro e a Ala Liberal – 1969 a 1973. Um livro onde estão retratados os discursos que marcaram a intervenção pública de Sá Carneiro desde a sua inclusão na chamada ‘ala liberal’, onde foi eleito deputado pelas listas da União Nacional na chamada Primavera Marcelista, marcada pela abertura do regime aos deputados independentes da Ala Liberal. Este primeiro volume contou ainda com o prefácio do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.
Agora, é lançado o segundo volume, com o título Francisco Sá Carneiro – A Caminho da Liberdade – 1973 e 1974.
Com prefácio de Graça Carvalho (ver entrevista nas páginas seguintes), este segundo volume tem nota introdutória de Francisco Pinto Balsemão, que fundou o Expresso em 6 de janeiro de 1973, mês em que Francisco Sá Carneiro renúnciou ao mandato de deputado, com grande repercussão mediática nacional e internacional. Sá Carneiro assina desde o primeiro número do Expresso a coluna Vistos, um espaço de opinião política semanal que rapidamente se populariza e torna alvo da censura do regime.
Nota Introdutória de Francisco Pinto Balsemão
No final de abril de 1973, Francisco Sá Carneiro sofre um aparatoso acidente em Famalicão, no hospital são lhe diagnosticados uma série de traumatismos internos. A recuperação é lenta e Francisco Pinto Balsemão substitui-o na redação da crónica Vistos. A primeira edição, de 9 de junho de 1973, é dedicada ao amigo e ex-colega da Ala Liberal:
Como foi? Como atingiu Francisco Sá Carneiro, passados apenas dois anos sobre o início da sua carreira política, o primeiro lugar nas sondagens de opinião acerca da popularidade dos parlamentares? Que leva Artur Portela Filho a dedicar-lhelugar de prestígio na última Funda?
Por que se interessou de tal modo o público pelo seu estado de saúde, logo a seguir ao acidente de viação, a sua vida estava em perigo, ao ponto de o serviço de noticiário do Rádio Clube Português ter transmitido o seu boletim médico antes de qualquer informação nacional ou internacional? Quais os motivos do êxito dos livros que publicou com as suas intervenções em S. Bento? Que obrigou os jornais considerados de esquerda a quase sempre o tratarem com especial relevo e consideração? Como se explica que muitos dos participantes de Aveiro e de Tomar tivessem encarado a eventual presença de Sá Carneiro nos congressos respetivos? Que razões transformaram um advogado portuense na casa dos trinta e cinco anos (bom profissional, família conhecida, mas sem qualquer experiência da vida política) na «maior figura política da nossa atualidade»?
Com respeito
Antes de mais, é bom ter presente que não é a renúncia de Sá Carneiro ao mandato como deputado que lhe confere projeção. Pelo contrário, é o facto de essa projeção já existir que atribui importância à renúncia. Para mim, Sá Carneiro atingiu o relevo por todos admitido pelas suas qualidades pessoais e pelas circunstâncias em que vivemos desde o início da era marcelista. Por um lado, Francisco Sá Carneiro é claro, conciso, frio (e, como é óbvio, inteligente) e sabe escolher com coragem os temas que aborda.
Os arroubos líricos da oratória novecentista estão ultrapassados; já ninguém tem paciência para ouvir durante meia-hora oque pode ser dito em cinco minutos. Além disso, num hemiciclo onde se vivera demasiado na quase constante da paz podre, é preciso ter uma calma suficiente para não se deixar enervar, quando a ousadia do assunto tratado provoca a ira dos defensores do “establishment”; recordo com especial prazer as infrutíferas tentativas feitas para atrapalhar Sá Carneiro, quando este falou, durante quase uma hora, de improviso, na discussão na generalidade da lei de Imprensa.
Por outro lado, o país, animado pelos indícios de abertura dos anos 68 e 69, julgou, nos primeiros anos da X Legislatura, que a vida política ia mudar substancialmente. Para que tal sucedesse, eram necessários novos políticos, sem os vícios dos anteriores, mais puros, talvez, mais ingénuos, mas em quem fosse possível acreditar. Sá Carneiro, por mérito próprio, foi rapidamente referenciado, adotado e destacado pela Imprensa e pelo cidadão anónimo.
Ele era o que com maior preparação e objetividade falava sobre os problemas que interessavam à maioria. Ele era o que aparecia no momento oportuno com a palavra certa, o projeto de lei por que as pessoas ansiavam, a crítica implacável, mas serena. Ele simbolizava a esperança de normalização-liberalização da sociedade portuguesa.
Quando, mais tarde, se verificou que os desejados tempos novos tardavam em surgir, esse aspeto simbólico reforçou-se, na medida em que evolui para o mito da luta sem possibilidade de vitória e se alargou aos valores da coerência e da determinação.
Decorridos mais de quatro meses sobre a sua renúncia, é sintomático notar que o nome de Sá Carneiro continua a ser pronunciado com respeito por Oposições e Situações e, talvez mais ainda, por aqueles que não aderem a qualquer das duas correntes políticas (clássicas de há meio século para cá).
Lacunas e… lacunas
Haverá este ano eleições para a Assembleia Nacional. Será curioso observar como as partes em confronto direto (bem como as que entenderem não jogar a partida eleitoral) tentarão preencher a lacuna provocada pela muito provável ausência voluntária do fenómeno político Sá Carneiro.
E que lacunas há e haverá muitas (algumas até serão bem-vindas). Mas Sá Carneiro, no atual condicionalismo, dentro das dificuldades de movimentos vigentes, considerando os espaços de manobra permitidos e as independências (e dependências) que lhes acarretam, há poucos. Ou melhor, se quisermos ser cem por cento realistas: só há um.
Francisco Pinto Balsemão