Há meses que o presidente da Câmara de Cascais fala na hipótese de se produzir uma vacina em Portugal contra a covid-19. Fez trabalho de prospeção na China, Israel e Rússia, onde conseguiu um pré-acordo com as autoridades russas responsáveis por várias vacinas, entre as quais a Sputnik V. E foi isso que transmitiu há meses ao gabinete de António Costa. Carlos Carreiras – com o presidente da Câmara do Porto em sintonia – quer que o Governo português feche o negócio e assim que a autoridade europeia do medicamento aprove a vacina russa que a mesma possa ser feita em Portugal. Carreiras e Rui Moreira acreditam que poderão vacinar as suas populações em dois meses. Até lá, vão continuar os jogos de bastidores, num negócio que envolve muitos milhões e o poderio de cada país. Se formos pela russa, certamente que os americanos não ficarão muito contentes. E vice-versa. Aqui fica a entrevista do presidente da Câmara de Cascais.
Anunciou ao país, através do i, que a Câmara Municipal de Cascais tem um protocolo com uma farmacêutica para produzir a vacina em Portugal.
Na minha crónica semanal, já há uns largos meses, tinha abordado exatamente esta mesma possibilidade. Na altura, ainda propondo que se devia fazer uma intervenção mais forte de produzirmos a vacina. Obviamente que ocorreu um conjunto de situações: o atraso que temos vindo a verificar na entrega das vacinas, alguma desregulação em termos das marcações, o que tem vindo a adiar as próprias vacinas. Nesse sentido, em janeiro, colocámos um conjunto de contactos a funcionar dentro da rede internacional que a Câmara tem a fim de aferir a possibilidade de, havendo essa disponibilidade, serem vendidas vacinas a Portugal ou serem produzidas através da cedência das patentes. Desses vários contactos, houve um que deu resultados positivos. Houve muitas conversas e, na troca de correspondência, com essa situação evidenciada, na semana passada, escrevi no i.
Como há conversações com uma farmacêutica se supostamente isto tem de passar pelo Governo?
Isso foi, desde o princípio, mencionado nas conversas tidas, que havia três pressupostos: saber a disponibilidade deles e, do nosso lado, só poderíamos avançar com vacinas certificadas pela Agência Europeia do Medicamento (EMA) e, depois, tudo seria coordenado com as autoridades portuguesas. Para se saber isto, havia que desbravar caminho. Muitas das farmacêuticas, e tivemos resposta neste sentido, não têm capacidade de produção e não estão disponíveis para ceder a patente. Esses contactos não foram mais desenvolvidos exatamente por isso.
No jornal i, escreveu: ‘Em completa articulação com o Governo, garantimos recentemente a compra e inclusive a compra de uma patente que já apresenta excelentes resultados’. Está garantida?
Eles estão na disposição de nos disponibilizar quer através da compra quer da patente. Acho que não se chama vender, mas sim ceder a patente.
Mas no seu artigo de opinião foi mais incisivo.
Há um princípio de acordo.
Também me disse que, se o Governo aceitar, no dia seguinte a fábrica começa a produzir as vacinas. Há quem diga que não consegue.
Tanto quanto percebi, há um concentrado que não consegue fazer, mas consegue ter as condições fabris para a fase de pré-enchimento e enchimento dos frasquinhos. Tem de vir um concentrado, com um pré-produto final, que leva um tratamento.
O acordo que tem dos russos pressupõe o envio do concentrado?
Nunca cheguei a esse pormenor em conversa com eles. Imagino isto como uma receita: dizem-nos qual é a receita e enviam a vacina pré-cozinhada. É como a fórmula da Coca-Cola, por aquilo que entendo: há uma fórmula para o mundo inteiro que é igual. Há uma cadeia de valor envolvida.
E a farmacêutica Hikma, em Sintra, garante que consegue fazer isso?
Sim, por isso é que a Rússia quer conhecê-la.
Mas o que é preciso para termos a Sputnik ou outras vacinas russas em Portugal?
Já identificámos a fábrica, a Hikma, em Terrugem, Sintra, que poderá produzir vacinas de imediato, 400 milhões de doses por ano. A Câmara de Cascais não faz negócios de vacinas, encontra os vários players. Foi-me dito que isto não prejudica em nada os compromissos normais que esta fábrica tem.
Conseguiu a patente de mais marcas?
A única resposta que tenho é da disponibilidade das autoridades russas para isso.
As patentes terão de ser pagas.
Esse processo envolverá o Governo, o local onde os frascos serão cheios com a vacina e o detentor da própria patente.
Essa vacinação não ocorrerá nos centros de saúde.
Mas esse é o processo da inoculação. A Câmara já se preparou para ter capacidade de resposta para vacinar a população em menos de dois meses. Se me chegassem 400 mil vacinas amanhã, teria em menos de 60 dias a população de Cascais toda vacinada. Colocámos uma equipa interna a procurar informação, em termos internacionais, e ainda contamos com o apoio dos especialistas. Para quem vai para o mato, às escuras, não conhece o terreno, tem de levar uma lanterna. Aqui foi, indo para o mato neste processo, a nossa lanterna foi recolher informação e aconselhamento para nos conseguirmos guiar e gerir o processo da melhor forma possível.
A Câmara de Cascais compraria essas 400 mil doses.
Não nos pomos de fora disso. Parece-me que as empresas com um grande número de trabalhadores deviam ter vacinas, porque não funcionam sem esses recursos humanos. Tudo isto dentro da tal lógica que isto deve acontecer com regras, normas de segurança muito apertadas, mas que deve ser o mais capilar possível.
Se a Câmara de Cascais e a do Porto dizem que querem comprar a vacina, o que falta para que isso aconteça depois da autorização da EMA?
Acredito e tenho informações de que o Governo não está parado. Está condicionado por via do acordo chapéu da própria União Europeia. Há condicionalismos que extravasam, em muito, a responsabilidade da Câmara. Não estou a ponderar palavras, tenho é consciência da complexidade. Por exemplo, um dos problemas que se coloca é ter acesso às matérias-primas para fazer a vacina porque escassearam também. Podíamos ter vantagem na produção dos próprios frascos. Às tantas, são precisos milhões. Também já faltaram seringas. A dimensão é vacinar 70% da população. Nunca Portugal teve um plano de vacinação destes.
Acha que temos capacidade de produzir frascos e seringas?
Tanto quanto sei, já não há esse problema.
A questão da imunidade de grupo vai também ao encontro daquilo que escreveu, ou seja, que o acordo com as autoridades russas implica vacinar os PALOP. Por que os russos se lembraram disso?
Não tenho um acordo, tenho um contacto. De algum modo, há compromissos.
Por que está a recuar?
Tenho um acordo de princípio com base em salvaguardas. O problema que se coloca, tanto quanto percebi, tem a ver com a capacidade de produção. Quanto mais puderem ter a tal capilaridade de produção, há todo um conjunto de capacidade de produção que facilita muitos processos ao nível logístico. Isto tudo é um dominó: quando se toca numa peça, vem um conjunto de peças que lhe estão associadas.
Mas por que insistiram que se vacinasse os PALOP?
Diria que aconselharam.
Somos 10 milhões. Precisamos de muitas vacinas.
A vantagem deste processo é o tempo, é esse o recurso que vamos ganhar. No menor tempo possível, temos de ter a maior quantidade de vacinas que nos permitam, também, no menor tempo possível ter a população vacinada. Obviamente que as capacidades instaladas são muito superiores a isso. Quando se liga uma máquina de enchimento das vacinas, não tem de ser para a produção máxima. Neste momento, tenho os centros de vacinação para expansão. Posso aumentar as horas do dia em que fazemos inoculações.
Não há sinalizada nenhuma fábrica a Norte?
Sei que há fábricas a Norte, mas esta fábrica em Lisboa surge no âmbito das parcerias muito fortes que temos feito na Saúde. Trata-se de uma empresa multinacional e o seu CEO vive em Cascais, daí o conhecimento mais direto. Não andei propriamente a fazer uma procura das capacidades instaladas. Isso foi aquilo que o Governo já fez. Num dos contactos que tive com o gabinete do senhor primeiro-ministro, quando me questionaram acerca de qual era o laboratório, perguntaram se era o x que não era este. Perguntaram isso porque já tinham tentado com o x e perceberam que não tinha capacidade.
Por que Cascais e Porto se uniram?
Por um lado, há uma experiência muito positiva, fomos à boleia, digamos, do próprio presidente Rui Moreira. Ele é uma pessoa muito confiável.
Como é que há este acordo entre Cascais e Porto? Estão à frente em relação àquilo que é conhecido pelo Governo.
Não lhe consigo explicar de outra maneira, pelas razões que lhe disse. Tivemos uma boa experiência no início, eu próprio tive oportunidade de agradecer publicamente ao doutor Rui Moreira por ter envolvido Cascais nessa aquisição de ventiladores – que a Câmara Municipal de Cascais comprou através de uma parceria com a do Porto e que estão no hospital de Cascais, pertencente ao Serviço Nacional de Saúde.
Rui Moreira disse que tem um protocolo com o Hospital de São João previsto para a questão da vacinação.
Criámos os centros de vacinação que estão montados e temos o plano da própria expansão. Antes de começarmos esta entrevista, estava aqui a tratar dessa questão com uma equipa. Por exemplo, para mim, hoje, é claro que não vamos precisar de acionar os quatro pavilhões inicialmente planeados. Os dois que temos e a feira do artesanato servem-nos perfeitamente, mas, aí, está o processo descentralizado: cada um que está no terreno sabe as forças com as quais pode contar, veículos que pode ter à sua disposição e, neste caso, os presidentes de câmara devem ter um conhecimento mais alargado do seu município do que alguém que está centrado num todo e que, às tantas, se perde nesse todo.
Quando o Ministério da Saúde diz ao Observador que não sabe de nada e Carlos Carreiras não quer responder…
Vamos lá ver: eu nunca falei com o Ministério, mas sim com o gabinete do senhor primeiro-ministro e não sou eu que tenho de dizer ‘Não se esqueça de falar com o ministro A, B ou C’.
Se as Câmaras de Cascais e do Porto conseguem vacinar 400 mil pessoas, dando 800 mil doses, conseguem poupar muito trabalho ao Governo. Até porque há empresas com muitos trabalhadores que podem querer comprar as vacinas.
Não é uma questão de campeonato. Não estamos a ver se Câmara A é muito melhor do que as outras. Há colegas meus que caíram nesse erro e, no início, até disseram que tinham menos casos positivos do que os restantes concelhos. Depois, tiveram de pôr a viola no saco porque a pandemia cresceu muito mais nos seus concelhos. Essas ações não podem ser um chuto, tem de haver uma perpetuidade: relativamente à questão das máscaras, fui muito criticado porque não entregávamos máscaras nas caixas de correio. Essa não foi a nossa estratégia porque temos uma percentagem de segundas habitações muito grande e estes equipamentos seriam perdidos quando eram um dos bens mais caros no país. Não se trata de uma corrida de 100 metros: eu não quero ficar bem no primeiro mês para ficar mal nos outros todos. Porque depois há consequência: há mais infetados, consequentemente mais internados, estes podem precisar de cuidados intensivos e pode haver mais óbitos. Não estou em concorrência com o Governo, mas sim em colaboração.
Se estivesse tudo bem, não precisaria de negociar com os contactos que tem na Rússia e etc. porque o Governo teria feito esse trabalho.
Se observarmos a situação desde o princípio, e sabendo que não sou do partido do Governo… Eu costumo dizer que o meu partido é Cascais e que as minhas responsabilidades incidem em defender os cidadãos, em criar as melhores condições. Numa pandemia global, que afeta o mundo inteiro, tenho de ter uma noção clara. Se os concelhos vizinhos são aqueles que têm uma maior taxa de incidência, Cascais também é afetado. É uma situação de grande complexidade e, desde o início, tomei uma opção: tenho consciência das grandes dificuldades que tenho ultrapassado ao longo deste ano porque tem sido o maior desafio da minha vida. Consigo ter uma pálida noção das dificuldades que tem o primeiro-ministro, serão ainda maiores do que as minhas. Apliquei um slogan desde o começo: ‘Estamos numa fase em que somos todos por todos’. Não há outra forma de sair disto.
A dona da Johnson&Johnson tem casa em Cascais.
Tem contactos. Explorámos essa hipótese, mas não havia capacidade.
A Sputnik é feita da mesma matéria que a da Johnson&Johnson.
Teria de lhe dar uma resposta especulativa mas, tentando ser o menos possível, é óbvio que, neste processo todo, também a parte económica está envolvida. Quando vemos o preço das vacinas…
Mas qual é o preço apalavrado? O Governo comprou a primeira dose da Pfizer por 12 euros e a segunda por 15.
O levantamento que temos do tal grupo que recolhe informação e ma transmite é que a média está nos 10 dólares (cerca de oito euros). A vacina mais barata de todas é a da AstraZeneca. Posso garantir que o gabinete do primeiro-ministro tem toda a informação.
E não fecharam a porta?
Se o fizéssemos, já seria um ato imprudente.
As autoridades de Saúde já disseram que não foram envolvidas no processo.
Da minha parte, não foram.
Mas o Governo foi, como escreveu no artigo.
Sim. O contacto que estabeleci, que me parece ser o normal, foi com o gabinete do senhor primeiro-ministro.
Então está a par de todas as negociações.
Sei que dentro do gabinete estão claramente a par [o primeiro-ministro reconheceu ontem publicamente que está a par das conversações].
Não falou diretamente com o ministro Pedro Siza Vieira?
Não.
Atendendo a que a Câmara tem excelentes relações com Moscovo, obviamente que a vacina em causa é a Sputnik.
Temos boas relações com variadíssimas cidades e instituições em diversos países. De facto, tentámos ir por quatro caminhos distantes quer com a China, Israel, os EUA e a Rússia. Temos boas relações com a Câmara de Moscovo e com as autoridades russas por via de parcerias com a Fundação D. Luís I, de âmbito cultural. Quer das conversas e das condições que eram essenciais salvaguardar, de facto, a resposta positiva que tivemos foi por parte das autoridades russas. A Rússia não tem só a Sputnik neste momento, tem mais, e há hipóteses de termos acesso a várias, mas esta já foi administrada a um grande número de pessoas e existe um pedido de certificação junto da EMA. Além disso, um conjunto de dirigentes europeus está em negociações com o país.
A Itália está a produzir a Sputnik?
Está num processo de eventual produção, tal como uma empresa alemã que poderá fazê-lo. O chefe da comissão alemã de vacinação elogia a Sputnik V. Merkel e Macron mostram interesse nesta vacina também. São países europeus que estão já em contacto, pelas notícias que saíram, e admitem a administração e produção da vacina.
Vamos imaginar este cenário: o Governo chega a um acordo com as Câmaras de Cascais e do Porto.
A Câmara de Cascais não tem de chegar a nenhum acordo com o Governo. A nossa postura é igual àquela que assumimos no início da pandemia. Uma pandemia não tem ideologia e, muito menos, tem partidos. Este é um desígnio nacional que nos deve convocar a todos e não devemos ter nenhuma postura de antítese entre poderes local e central. Por outro lado, uma das máximas que colocámos desde o início é que este é um processo em que devemos dar todos por todos, não dá para cada um desenvolver-se per si. Havendo essa possibilidade, é com o Governo. Não podia assumir a responsabilidade de formular uma possibilidade ao Governo português não tendo as condições mínimas para que fosse exequível. Por isso, encontrámos quem pudesse estabelecer esse fornecimento e essas negociações e, por outro lado, detetámos quem, em Portugal, as pudesse produzir [Hikma]. Neste caso, na área metropolitana de Lisboa. A Câmara de Cascais mantém-se numa posição colaborante.
No princípio da pandemia, havia um grande défice de ventiladores, entre outros, e foi a Câmara do Porto que conseguiu as primeiras compras para Portugal.
Tenho uma relação de grande confiança com o senhor presidente Rui Moreira. No início, Cascais avançou com processos como a compra de equipamentos de proteção individual – que eram escassos – e conseguimos ser os primeiros a fazer chegá-lo ao país.
Para o país ou para os hospitais do concelho?
O primeiro carregamento de equipamentos foi colocado à disposição dos restantes municípios do distrito de Lisboa. Na altura, havia também um grande défice de ventiladores, era este o drama na época e, dentro da relação de confiança com o senhor presidente do Porto, ele juntou-nos, numa encomenda que ele fez dentro das redes de relações internacionais, e tivemos acesso a ventiladores por via dessa aquisição. Houve momentos em que a confiança foi um valor absolutamente essencial. Houve casos rocambolescos por falta de confiança. Nesse sentido, era natural que, neste processo das vacinas, Rui Moreira estivesse envolvido em tudo isto. Não há aqui nenhuma perspetiva de paróquia: nenhum de nós quer vacinas só para o seu concelho.
Por que razão as Câmaras de Cascais e do Porto conseguem tratar dos equipamentos antes do Governo? E como conseguem negociar com as farmacêuticas?
Não sei se o Governo não consegue. Até tenho a informação de que, há uns meses, o próprio ministro da Economia reuniu 11 potenciais fabricantes de vacinas em Portugal. Basicamente, aquilo que posso responder é que, desde o princípio, definimos uma estratégia. Estamos a falar de uma matéria que não conhecia e nem sequer estava nos trâmites normais de uma câmara municipal: aconselhei-me com quem tinha de me aconselhar – desde oficiais generais das Forças Armadas, especialistas, epidemiologistas, médicos, ex-ministros da Saúde, inclusivamente de Governos socialistas – para ter uma perceção e fui atrás dos objetivos para cumprir uma estratégia. Esta foi alterada por via das necessidades que se faziam sentir – máscaras, ventiladores, testes, vacinas – e, portanto, a lógica é que temos capacidade. Somos uma das maiores câmaras do país, entendo que nem todas tenham as mesmas capacidades.
Partindo do princípio que a EMA aprova amanhã a Sputnik V, o que falta para que seja produzida em larga escala, em Portugal?
Só o Infarmed pode fazer essa aquisição. É preciso envolver as autoridades em todo o processo e terá de ser estabelecida uma negociação entre o Governo, o laboratório Hikma, que vai produzir as vacinas, e a autoridade com a qual se estiver a negociar.
Se o contrato é feito com a Câmara de Cascais, o Governo pega nesse contrato ou vai renegociar?
Renegociar não, porque não houve negociação. Não há nenhum contrato assinado porque não o poderia fazer, estaria a violar as leis portuguesas. A Câmara de Cascais, nesta matéria, foi um elemento facilitador, utilizando os seus contactos internacionais para encontrar a solução para um problema que é global. Daí que uma das vantagens que tem este contacto é a possibilidade de produção de vacinas em Portugal para abastecer, nomeadamente, os países africanos e, em especial, os PALOP. Da mesma forma como o Porto funcionou como facilitador na compra de ventiladores.
Vamos imaginar que a EMA e o Infarmed aprovam a vacina. As Câmaras de Cascais e do Porto vão querer comprá-la para vacinar a população.
Não necessariamente. Temos de seguir a estratégia colocada pelo próprio Governo.
Rui Moreira dizia que queria vacinar a população do Porto.
Aquilo que tenho de garantir, e já garanti, é que tenho capacidade operacional para vacinar a população toda de Cascais em menos de dois meses se houver vacinas. Centros de vacinação, recursos humanos… há todo um conjunto complexo de situações que têm de ser garantidas. Estamos a colaborar noutro processo complexo que tem a ver com a marcação das vacinas, até fomos o município piloto neste caso. Interessa pouco a Cascais que tenha a população toda vacinada, imaginemos, e que na área metropolitana de Lisboa só esteja 10%. Já percebemos que uma pandemia, até pela sua própria definição, é global. Portanto, tenho interesse em ter a população de Cascais vacinada o mais rapidamente possível, criei condições para fazê-lo desde que haja vacinas. No entanto, não é justo nem humano que haja uma distinção entre quem tem acesso às vacinas – isso passa-se no mundo, a meu ver, de forma errada – e entre quem não tem – que fica para último.
Admite pedir ao Governo que Cascais se ocupe da vacinação da sua população. Já disse que o Governo estava a chamar pessoas mortas há 30 anos.
Voltamos à mesma questão. Pedimos ao Governo se seria possível controlarmos as marcações das vacinas. Estamos a fazê-lo e detetámos, com isso, todo um conjunto de problemas. Dado o desconhecimento geral do mundo inteiro em termos da pandemia, tentámos antecipar soluções para problemas que surgissem depois. Por exemplo, estamos a correr a listagem dos cidadãos com mais de 60 anos porque vamos identificar situações como a de pessoas que não têm contacto telefónico. Podemos garantir que há logo um conjunto vasto de cidadãos passível de ser contactado com qualidade e que há um conjunto que não tem essa possibilidade e, assim, podemos encontrar outros meios.
Melhoraram o processo de vacinação por estarem a tomar conta?
Em colaboração com o Agrupamento de Centros de Saúde de Cascais, a delegação de Saúde Pública e a Administração de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, melhorámos muito. Dou um exemplo: aquilo que estava estabelecido inicialmente é que o pessoal dos centros de saúde devia fazer as marcações. Não faz muito sentido ter um médico e um enfermeiro a fazer este trabalho. Como temos todos vindo a aprender com este processo, colaborámos com as autoridades de Saúde na questão dos rastreios também, pois constituem uma ferramenta absolutamente essencial. Se um cidadão estiver infetado, não pode passar mais de 24 horas sem ser contactado e sem se saber quais são os contactos de risco que fez. Em determinada altura, chegaram a estar três dias sem receber um contacto.
Por parte da Câmara Municipal ou das autoridades de Saúde?
Das autoridades de Saúde locais e regionais. No nosso caso, foi fácil alocar colaboradores da Câmara para manter os rastreios em dia. É uma matéria que considero que continua a ser sensível. Nesse aspeto, estamos num momento bom porque temos poucos casos positivos. Em Cascais, temos níveis baixos de infetados, uma média de 45-46 casos positivos por 100 mil habitantes nas últimas duas semanas. Cada ação destas tem uma logística por trás, não é carregar num botão e acontece. É preciso telefones, computadores, tudo aquilo que é necessário. Também estamos a fazer com que cada caso positivo receba um oxímetro e um termómetro para que o médico tenha ferramentas para apurar como está a ser a evolução e para que o doente seja acompanhado de melhor forma. Também damos aos contactos de risco.
Onde é que os doentes podem ser testados?
Temos testes PCR e antigénio e já tivemos serológicos. Cada tipo de teste tem funções diferentes e objetivos também diferentes. Neste momento, estão a ser realizados testes PCR no âmbito de um acordo entre os laboratórios Joaquim Chaves e Germano de Sousa e o Governo. A Câmara disponibilizou o Centro de Congressos do Estoril para que isto pudesse acontecer. A prescrição é dada pela autoridade de Saúde e o cidadão faz o teste. Criámos mais um centro de testagem, a Feira de Artesanato do Estoril, onde fazemos testes antigénio. Os próprios testes evoluíram muito ao longo dos meses porque estes últimos não necessitam de serem usados por um profissional altamente especializado porque a zaragatoa não tem de entrar tão a fundo no nariz.
É como os autotestes que são disponibilizados nos hipermercados.
Sim. Aquilo que nos interessa, com os testes antigénio, além de identificar os possíveis positivos que estejam assintomáticos, para cortar as cadeias de transmissão, é acompanharmos aquela que pode ser a evolução de uma nova vaga da covid-19. Dizem-nos os especialistas que isto pode acontecer se entrar uma estirpe diferente na nossa comunidade. Os testes antigénio são feitos por grupos específicos e de forma recorrente, de duas em duas semanas, para percebermos se uma estirpe entrou e se uma nova vaga está em desenvolvimento para conseguirmos contê-la de imediato.
Se alguém testar positivo, o que faz a Câmara a seguir?
Se for um teste PCR, quer dizer que a pessoa foi testada por indicação das autoridades de saúde. Se for o antigénio, temos de colaborar com as mesmas para que seja prescrito um teste PCR que confirme a infeção. Quando temos a confirmação, o centro de rastreio contacta o cidadão para perceber quais são os seus contactos, é-lhe feito um inquérito, para que se identifiquem as pessoas que podem estar infetadas e o local onde terá ocorrido a transmissão. Saber se foi numa escola, num transporte público, em ambiente familiar…
Quem fala com os contactos de risco?
O centro de rastreio ou o centro de Saúde.
Suponhamos que há um caso positivo e essa pessoa vive com outras seis.
Criámos centros de acolhimento para quem não consegue estar isolado em casa. Conseguimos garantir um local onde acolhemos essas pessoas, garantimos que está isolado, mas, depois, tem de ser alimentado e tomar os medicamentos. Fazemos isto quase desde o início. Temos instalações alugadas, há muita disponibilidade ao nível da hotelaria, e, por isso, temos um acordo com a Cruz Vermelha Portuguesa que faz um acompanhamento mais técnico. A alimentação é garantida pela Câmara em parceria com uma IPSS do concelho.
Ficam em hotéis?
Neste caso, são instalações de um alojamento local com uma capacidade substancial. A procura tem vindo a diminuir, mas foi muito importante, por exemplo, para os bairros sociais. Normalmente, são apartamentos que foram atribuídos a x pessoas e o agregado familiar foi crescendo. São locais com uma maior densidade populacional, a contaminação dar-se-ia de uma forma muito mais fácil e rápida e isso é aquilo que não queremos que aconteça. No entanto, pessoas de todos os estratos sociais passam pelo nosso centro de acolhimento.
Onde é que a Câmara, com estes gastos todos, vai buscar dinheiro?
Onde o Estado vai buscar: aos contribuintes. Mas, ao longo deste processo, também tivemos dinheiros de pessoas que se disponibilizaram para pagar. Por exemplo, os testes serológicos.
Quem são?
Por exemplo, a Fundação Claude e Sofia Marion, o Estoril Sol e um conjunto de cidadãos do ponto de vista individual que ajudaram.
Tem conhecimento de casos de miséria aos quais a Câmara tenha respondido?
O melhor indicador que posso dar sobre essa matéria é: sempre percebemos que estávamos a tratar de três pandemias, isto é, a económica, a sanitária e a social. Antes da pandemia, o apoio alimentar não chegava a ser procurado por mais de 1500 famílias. Com a pandemia, cresceu imediatamente para 4500 e, neste momento, ultrapassámos as 6000. Ajudamo-las em termos alimentares e de produtos de higiene. Estabelecemos parcerias neste sentido. Por exemplo, lançámos um cartão solidário em que as insígnias de distribuição contribuíram com uma parte substancial do cartão. Lançámos programas muito parecidos com o sistema do Banco Alimentar também: temos casas solidárias que estão à porta dos principais supermercados do concelho e, se um cidadão vai às compras, pode entregar alimentos lá. Por sua vez, estes são distribuídos por caixas solidárias feitas pelos carpinteiros da Câmara e que foram distribuídas por vários bairros. E, quem precisa, vai lá buscar.
Isaltino Morais disse que isso era ir buscar comida onde os cães fazem xixi.
Não quero entrar por aí. Aquilo que sei é que isto tem permitido alimentar muitas famílias em Cascais, têm todas as medidas de segurança e higienização, não estão expostas ao sol… Tudo isso foi planeado com responsabilidade. Esse meu colega tem um conhecimento mais aprofundado de comportamentos dos cães do que o caso de Cascais em que acolhemos os animais errantes na Fundação Francisco de Assis. Ainda antes do Estado ter tomado a decisão na Assembleia da República, terminámos com os abates no canil municipal. Mas cada um gere o seu território.
Como contabilizam as 6000 famílias?
Alargámos a distribuição através das instituições particulares de solidariedade social, criámos o cartão com a preocupação de que haja uma informação descentralizada para mitigar potenciais abusos, embora não me preocupe nada que haja 20% de abuso porque quer dizer que conseguimos chegar aos 80% que têm necessidade. Temos de identificar aquilo que é essencial e acessório. Se considerarmos agregados médios de quatro pessoas, estamos a falar em mais de 10% da população de Cascais.
Portanto, fala-se em 24 mil pessoas no total.
Exato.
Têm sofrido muito com a quebra no turismo.
Sim, na ordem dos 80%.
Tem conhecimento de que muitos estrangeiros com segunda habitação em Portugal vieram para Cascais ‘passar’ a pandemia?
Sim, alguns transmitiram-me isso. Sentiram-se mais seguros em Cascais do que nos seus lugares de origem. Temos cerca de 20% da população que nasceu noutros países.
Admite formar um partido com Rui Moreira?
Nunca se colocou essa possibilidade.
Toda esta vivência da pandemia não lhe deu vontade de, no futuro, lutar pela liderança do partido?
A decisão mais provável, e não a escondo, é de ir às próximas eleições e será para fazer o último mandato que a lei permite que faça. Preciso de ter tempo de vida para voltar às empresas e garantir que tenho uma reforma – não sumptuosa, rica –, mas sim confortável de satisfação das minhas necessidades.
Está contente com o seu partido?
Desejo as maiores felicidades ao PSD.