Se esta semana fosse o editor do Nascer do Sol, que tema privilegiaria?
Escolhia o problema do Plano de Recuperação e Resiliência e destacaria o problema da questão orçamental por antecipação e em face daquilo do que nós conhecemos que foi o Plano de Estabilidade, e os problemas – uns implícitos e outros já explícitos – do plano. Tentaria evitar, por exemplo, o tema do futebol.
Não lhe garanto. Quanto ao plano, é tido como bem estruturado, bem feito, que nos deixou bem vistos em Bruxelas…
O objetivo do plano não é ser bem visto em Bruxelas. O objetivo do plano é contribuir para a recuperação da economia portuguesa. E o que tenho notado é que o plano está pouco focado na retoma, está pouco focado na recuperação, em especial, das empresas. Não resolvemos os problemas sociais, como o desemprego ou a pobreza, se não houver crescimento económico. E para isso temos de ter as empresas mais eficazes, mais capitalistas e mais capazes de conquistar quota de mercado no exterior, porque o mercado interno por natureza está limitado. Temos de atrair investimento e exportar mais. Não há outra via. E, neste sentido, o Plano de Recuperação e Resiliência responde pouco a esta questão. Eu gostaria de ver uma abordagem aos diferentes clusters que existem na economia portuguesa. Qual é o potencial que têm…
Mas o plano tem-nos identificados e priorizados, na sua opinião onde está a fragilidade?
É frágil porque está muito centrado na ação do Estado. Tudo o que vai para despesa, quer seja despesa de investimento, quer seja despesa corrente, vai contribuir para um aumento do Estado. E o problema é que vamos ter de o pagar mais tarde através de impostos.
Isso não é um pouco contraditório com a recente aprovação no Parlamento por uma coligação negativa’ de um pacote de apoios sociais, contra o voto do PS, que aumenta a despesa?
Há uma diferença entre uma ação de emergência e uma ação de médio e longo prazo. Quando falamos num Plano de Recuperação e Resiliência, estamos a falar num plano para os próximos dez anos, quando falamos em iniciativas de apoio a situações de exclusão e de pobreza, estamos a falar de ações de curto prazo. Neste momento, temos de considerar que tem de ser o Estado, através da despesa pública, a acudir a situações de fragilidade social, de forma a mitigar os efeitos que a pandemia teve. E o que temos observado é que o Governo projeta despesa, mas depois não a executa. Há um reconhecimento das necessidades, mas, depois, não há capacidade para chegar junto das pessoas, no sentido de lhe criar condições para que possam viver com o mínimo de dignidade. Há uma situação de emergência e uma situação de desenvolvimento a médio e longo prazo, e elas não são incompatíveis.
Considera que as medidas são faladas mas não são implementadas?
Espero, e no que diz respeito à parte dos fundos que vêm da União Europeia, que possa haver capacidade de concretização. E reconheço que o Governo tem feito um esforço no sentido em concretizar despesa, sem deixar que os fundos se arrastem. Nós temos um problema ao nível das pequenas e médias empresas, onde está o grosso do emprego e da riqueza; aí é que necessário encontrar um conjunto de medidas que lhes confira maior capacidade competitiva no mercado interno, mas, e acima de tudo, no mercado externo. Esse aspeto é fundamental, até no sentido de favorecer associações ou fusões de empresas. Não há redução das desigualdades e da pobreza se não houver crescimento económico; não há crescimento económico se não houver crescimento e exportações; e não haverá crescimento e exportações se nós não contribuirmos para que o tecido empresarial se possa tornar mais competitivo.
Falou de um plano a 10 anos. Na perspetiva do PSD, que pretende ser Governo a partir das próximas legislativas, que parte deste plano lhe poderá dizer respeito, o que considera de mais positivo no PRR?
De alguma forma, os futuros governos ficarão vinculados a uma parte significativa – há sempre uma margem de gestão própria – dos compromissos assumidos neste plano. Aquilo que devia ter sido acautelado é algum entendimento do Governo com as diferentes forças políticas, em especial com o maior partido da oposição, relativamente a um conjunto de medidas que foram pura e simplesmente ignoradas. Houve muito pouco sentido de Estado por parte do Governo, porque sabe que está lá agora e que outros virão a seguir.
Acha que isso tem alguma coisa a ver com a frase do primeiro-ministro António Costa: ‘Com este PSD não se pode contar’?
Não sei se terá a ver. O primeiro-ministro definiu uma espécie de cordão sanitário à sua direita, no sentido de orientar e articular toda a sua ação governativa com a esquerda – Bloco de Esquerda e PCP. Foi uma escolha que fez. Nós percebemos claramente que essa era a escolha que queriam fazer e, em seu tempo, começámos a ficar menos disponíveis para soluções de compromisso. Agora, se, em nome do interesse nacional, houvesse essa preocupação, não é necessário que o PSD viabilizasse fosse o que fosse, era ter-se sentido responsabilidade relativamente a um plano de longo prazo que vai precisar o apoio da maior parte dos partidos que estão no representados na Assembleia da República, em especial o PSD, porque é a única alternativa de governo ao Partido Socialista.
Mas se é verdade que o primeiro-ministro construiu a tal cerca sanitária em torno da direita, temos a direita que não consegue construir uma cerca sanitária em torno da extrema-direita. Logo, e provavelmente, o que António Costa fez foi de alguma sensatez.
Não creio. O PSD demonstrou desde que tem esta direção e este presidente que em nome do interesse nacional está sempre disponível para fazer entendimentos…
Como coligar-se à extrema-direita?
Não, não estamos a falar de coligações, estamos a falar de estarmos de portas abertas para dar entrada a possibilidade de compromissos. Não estamos a falar nem de acordos, nem de coligações, estarmos a falar de manter as portas abertas, quer à esquerda, quer à direita.
E acha que é isso que passa para as pessoas?
Temos um parceiro natural, que é o CDS/PP, e temos boas relações, pelo menos potenciais, com a Iniciativa Liberal e temos relações com sentido de Estado com o Partido Socialista ou com qualquer outro partido. Não temos relações propriamente ditas, formais, com o Chega. Aquilo que aconteceu nos Açores foi uma situação específica, que exigiu uma resposta específica.
Podíamos perceber isso, mas a seguir aos Açores temos uma série de incidentes, vamos chamar-lhes assim…
Quais são?
São muito óbvios, e até tem mostrado alguma resistência pública no caso de Isaltino de Morais….
Não tenho mostrado resistência nenhuma. Nunca ouviram da minha parte qualquer comentário relativamente às relações com Isaltino de Morais. E passo a esclarecer. Eu fui vereador de Isaltino de Morais, que é de há muito tempo meu amigo, sendo que as relações pessoais não devem influir na política. Nunca ouviram da minha parte qualquer recriminação ou qualquer reserva relativamente à legitimidade que Isaltino de Morais tem em ser presidente de Câmara, como o foi, eleito por larga maioria e ser atualmente candidato eleito também por uma boa maioria. Houve uma notícia que saiu em que se dizia que eu dentro da comissão política tinha sido um opositor ao entendimento com o Isaltino de Morais, e isso é falso.
Então, acha que o PSD deve apoiar Isaltino de Morais?
Não, não acho. Acho que o PSD está neste momento a ponderar qual será a melhor solução, quer para o PSD, quer para Oeiras – porque o que nos interessa também é a solução para Oeiras – e aquilo que eu digo é que nestas coisas não há amizades nem simpatias, há opções racionais.
Falemos então de Suzana Garcia, candidata à Câmara da Amadora.
Para mim, o caso da Suzana Garcia é um caso em que o politicamente correto queria impor a sua vontade. Acusam-na muito relativamente ao problema da castração química, e eu volto a dizer que todo este problema é uma tentativa de castração política do PSD. O PSD entende que ela é uma boa candidata. É uma candidata independente, embora seja simpatizante do PSD, e, portanto, tem liberdade para expressar as suas opiniões. Antes de tomar uma posição fui ver, ouvir e ler tudo o que estava disponível sobre o assunto, e devo confessar que há uma embirração clara por parte de mainstream. Suzana Garcia vai ser uma grande candidata na Amadora, sobre isso não tenho grandes dúvidas. Se tivéssemos apresentado um menino muito cromo, muito fatinho bem-posto, a gravatinha no sítio, podia ser o maior dos racistas ou dos fascistas que podiam existir, mas como é a Suzana Garcia transforma-se numa espécie de bombo da festa…
Estou tentada a parafrasear Ursula von der Leyen: acha que isso acontece porque ela é mulher ou porque é claramente populista?
Acho que também é por ser mulher, e gostar de apresentar-se como se apresenta, de gostar de gostar de falar como fala, e isto sai foram do estereótipo do político bem-comportado. Finalmente, aparece alguém que começa a colocar as questões fora da caixa.
E o facto de Suzana Garcia ter vindo do mundo mediático para a política também não lhe provoca urticária?
Não me causa preocupação nenhuma porque a política também acaba por ter uma interação muito forte com os media. Tal como o caso do António Oliveira, por causa do futebol. Ouça, eu nunca vi este escrutínio sobre os candidatos do Partido Socialista, em que até há pessoas acusadas e arguidas em processos-crime. Eu nunca vi a comunicação social preocupada com esses candidatos, só estão preocupados com os candidatos do PSD. O PSD, eventualmente, está a ser penalizado pelo facto de ser ter adiantado, de quer mostrar aos eleitores de que estamos a trabalhar de forma planificada, consciente, sem pressas e sem pressões.
Mas as escolhas do PSD são mais complexas, digamos assim, porque o PS já é poder, as apostas do PSD deviam ser mais certeiras, menos problemáticas…
Precisamente por isso, por ser poder, é que o escrutínio dos candidatos do PS devia ser maior. Há conivência com o partido do poder. Sabe, eu continuo a viver no mundo da racionalidade, e precisamente por isso entendo que Suzana Garcia e António Oliveira são dois excelentes candidatos. Um na Amadora e o outro em Vila Nova Gaia.
António Oliveira é um acionista relevantes do Futebol Clube do Porto. Temos assistido nos últimos dias a um conflito entre Rui Rio e esta hegemonia nortenha do FC Porto. Como reage a tudo isto? Inquieta-o? Não acha que Rui Rio continua num eterno ajuste com Pinto da Costa?
De modo nenhum. Não há qualquer problema de Rui Rio com a instituição FC Porto, com o clube ou com os seus associados. Pode haver relativamente a determinadas opções ou a determinadas práticas que caracterizam a direção do clube. Mas também lhe digo: se António Oliveira fosse presidente do FC Porto, o que aconteceu esta semana não teria acontecido.
António Oliveira, enquanto jogador e ator desportivo, foi sempre um bocado truculento…
António Oliveira é uma pessoa por quem eu tenho enorme respeito. Não gosto de falar sobre futebol, mas tenho de falar sobre a pessoa de António Oliveira, tenho uma enorme admiração por ele e é um homem bom. É um homem de bem ou não é um homem de bem? É. E essa é a questão essencial. Como futebolista ganhou dinheiro, e bem, ganhou o reconhecimento da sociedade, e depois disto teve a humildade de ir tirar um curso já com alguma idade para se valorizar, até porque não se vive do futebol eternamente.
Mas nunca deixará de ser o jogador e selecionador de futebol.
Claro, esse é o seu passado. Para mim, é um excelente candidato a Vila Nova de Gaia.
E politicamente consistente, na sua opinião?
Sim, conheço o António Oliveira como militante do PSD há já bastantes anos. E estou absolutamente convencido que ele assume e incorpora aquilo que são os valores fundamentais do PSD.
Quais são as expectativas do PSD para as autárquicas?
É aumentar o número de mandatos e os números de presidências de câmaras e de juntas de freguesia. Partimos de uma base muito baixa e o grande desafio é alargar a base. Estas recuperações nunca se fazem numa eleição, fazem-se nas duas ou três eleições seguintes. Da mesma forma que o PSD não perdeu a posição que tinha na década de 1990 só com uma eleição. Foram várias, sucessivas: 2013 e 2017 foram duas eleições muito más para o PSD. Pretendemos recuperar em termos de implantação, mandatos e presidências. Mas não vou quantificar.
Posso intuir da sua resposta que não será pelo facto do PSD ter um mau resultado nas autárquicas que Rui Rio vai pôr em causa a sua posição como líder do PSD.
Não estou a dizer isso. Eu posso lembrar qual foi a minha posição e a posição de certa forma consensualizada em torno dos apoiantes de Rui Rio, há cerca de dois anos, quando se colocou a possibilidade se candidatar ou não, e novamente, à liderança do partido. E nessa altura a pergunta que fiz foi muito simples: a estratégia que nos trouxe para a direção do PSD mantém-se ou não? As condições que são necessárias para implementar essa estratégia, mantêm-se ou não? Não é só o problema dos resultados das autárquicas, é também aquilo que é a nossa estratégia, aquilo que é nossa vontade, que é contribuir para que o país se possa tornar melhor, se é possível ou não.
Em síntese, quais são as condições para que se possa manter como líder do PSD?
Fundamentalmente, Rui Rio escolheu uma série de reformas que considera fundamentais para mudar o sistema político e o país, e foi apresentando diferentes soluções e propostas. E vamos continuar a contribuir. O que se passa mais recentemente na Justiça vem precisamente ao encontro da ideia que nós tínhamos. O sistema político, tal como o sistema de justiça, está a revelar fragilidades muitos grandes, é necessário adoptar soluções de base reformista para responder a esse problema. E o PSD está disponível para encontrar soluções, aprová-las e pô-las no terreno.
Às questões da justiça já lá iremos. Por agora, gostaria que me dissesse quais são os sinais evidentes que o PSD precisa para que a liderança do Rui Rio seja posta em causa?
Vamos esperar pelas propostas que vamos apresentar relativamente ao sistema de justiça, vamos ver o que acontece com a reforma do sistema politico, e aí os sinais já não são tão bons._Relativamente ao plano de recuperação da economia, devo acrescentar que fiquei frustrado porque tínhamos propostas muito boas que foram ignoradas, mas não vamos desistir. Rui Rio é o líder que tendo entrado com o partido na oposição está há mais tempo na liderança.
E arrisca a ser o líder que nunca leve PSD ao poder.
O poder só tem sentido se for para resolver os problemas do país. Chegar ao poder só por chegar ao poder, convenhamos que não é coisa que nos mobilize.
Como lida a atual liderança com o fantasma de Passos Coelho? Aqui uma espécie de nostalgia de um tempo que teima em não passar…
Nós temos um enorme respeito pelo trabalho de Passos Coelho, é um capital que ele adquiriu. Fez coisas muito boas, salvou o país da bancarrota, e outras de que eu, eventualmente, discordo. Agora, não vejo Passos Coelho como um fantasma, acho que é uma criação de uma parte significativa da comunicação social, porque ele nunca se pronunciou sobre isso, e tem tido sempre o maior cuidado em não se assumir como um fantasma, há sempre alguém que quer fazer dele um fantasma e não sei se ele se sente bem com isso. Para mim não é um fantasma, é um património político do PSD e como tal não tenho de estar preocupado. A guerra pelo poder quer seja no país ou no PSD não se pode regular por esse tipo de visões conspirativas.
Discute-se, ainda que em sussurro, uma eventual sucessão de Rui Rio?
Eu nunca discuti isso, nem me chegou, nem mesmo em sussurro, mas é natural que quem queira sussurrar não o venha fazer nos meus ouvidos.
Em janeiro deste ano, disse: ‘Com este Chega é impossível conversar’. Em abril sente o mesmo?
Sim. Não noto que tenha havido por parte do Chega qualquer alteração no sentido de moderar as suas posições e de se afastar da imagem que ele próprio criou. Não faço cordões sanitários, mas é óbvio que perante estas posições é muito difícil estar a tentar chegar a acordos seja para o que for.
O que é que o preocupa?
São as intervenções. É a prática política. A prática política do Chega preocupa-me.
Como é que a direita em Portugal pode ser suficientemente agremiador e voltar a ter o papel que já teve, lidando com o Chega? Alguma coisa tem de ser feita?
Nós não vamos interferir na vida dos outros partidos. Quando as pessoas perceberem que não é com soluções radicais que se resolvem os problemas de Portugal e dos portugueses, e que tem de ser através de uma cultura de compromisso e de moderação que nós podemos encontrar as soluções para os problemas do país. Enquanto não se chegar a essa conclusão, não será possível chegarmos a grandes acordos.
Penso que está a pedir o impossível, está pedir ao Chega para moderar o seu discurso…
Então, pronto! O problema é saber se o Chega tem ou não capacidade de reconhecer que este extremismo e este tipo de discurso não acrescenta nada de bom ao sistema político e à resolução dos problemas dos portugueses, é tão simples quanto isto. Quando disse há uns tempos que é necessário ter coragem para se ser moderado, estava precisamente a pensar também, não só na minha posição, que sou por natureza moderado, mas, acima de tudo, estava a pensar que outros, que se queiram afirmar e crescer, no espectro político português.
Mas vivemos tempos imoderados, que se ajustam a políticos imoderados.
Mas quando isso ficar institucionalizado, e quando eu reconhecer que só os políticos imoderados é que têm futuro, vou-me embora.
Disse-me que não comentava a vida de outros partidos, mas não resisto a desafiá-lo a olhar para o seu vizinho, para o PS, o que tem a dizer-me?
Não querendo falar do PS, vou falar do Governo. O que o Governo está a fazer, neste momento, é a ocupar de forma despudorada a administração pública e os grandes lugares de cargos dirigentes, e isso confunde-se com o partido a tomar conta do aparelho de Estado. É a parte mais preocupante, com implicações na forma como induz, não direi que controla, junto dos meios de comunicação social. Eu cito sempre estas estatísticas, estamos muito atentos, a quantidade de entrevistas que o primeiro-ministro dá e a quantidade de entrevistas dadas pelos ministros. Há uma estratégia de ocupação do espaço mediático. Tal como há uma estratégia de ocupação do espaço público em termos do aparelho de Estado. É avassalador o que se está a passar e as pessoas não têm dado por isso. Houve uma altura em que se falou muito do familismo, uma rede de relações familiares que estava a tomar conta do partido…
Mas esse é o comportamento clássico dos partidos dominantes…
Mesmo que tenha sido, é altura de mudar. Não podemos andar a repetir os memos erros eternamente. Se eu vou para o poder sempre com a perspetiva de distribuir lugares e satisfazer os clientes do Partido Socialista é obvio que nunca conseguirei mudar o que se apresenta. Posso ter uma conceção idealista porque neste caso sou idealista. O Estado precisa de maior isenção e distanciamento relativamente à organização partidária.
Acha que o caso do ex-primeiro-ministro José Sócrates é um exemplo de uma democracia menos sã?
Essa é uma das funções mais importantes de um partido político, a de ser um autêntico filtro no acesso ao poder.
E o PS falhou?
O PS falhou, reconhecidamente. Até pelos próprios. Usando a sua palavra, sussurrando há vários dirigentes do Partido Socialista que vão reconhecendo que foram inocentes relativamente ao que se estava a passar. Inocentes no sentido de ingénuos.
Acha que algo semelhante poderia ter acontecido no PSD?
Julgo que qualquer partido está sujeito a esse tipo de situações. A vida interna dos partidos tem de dar uma volta no sentido de garantir que lá estão os melhores e que têm de ser pessoas acima de qualquer suspeita. Há duas ou três ideias que retiram destas duas semanas. Primeiro, temos uma classe política que, maioritariamente, não é corrupta. O que não quer dizer que não haja potenciais políticos. A segunda, esta característica não é exclusiva dos políticos, só que os políticos têm outro nível de escrutínio que outros sectores da sociedade não têm, e se tivessem, muita coisa se descobriria, há corrupção ao nível da atividade privada. O problema da corrupção não é exclusivo do sistema político.
Temos assistido a uma espécie de o meu governo foi melhor do que o teu no combate à corrupção. Mas a verdade é que aqui chegados, estamos como estamos, a discutir no parlamento uma proposta do Associação Sindical dos Juízes Portugueses [ASJP] sobre enriquecimento injustificado. O que tem impedido os partidos de poder de criar uma legislação mais eficaz?
Penso que se deve essencialmente ao absolutismo das propostas. Umas são as soluções que nós entendemos como as mais desejáveis, outras são as soluções que nós entendamos como as mais possíveis. E nem sempre as mais desejáveis são as mais possíveis. Não vale a pena estarmos a batalhar novamente sobre o problema do enriquecimento ilícito porque é um atentado ao princípio básico da presunção da inocência. O próprio conceito de enriquecimento ilícito pressupõe logo a presunção da culpa. No que diz respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos temos de ser muito cuidadosos.
Mas não é uma questão semântica, de linguagem, ao dizermos injustificado ou ao dizermos oculto mudamos exatamente o quê?
Não, não. O problema é que ou temos uma atitude penalizadora ou temos uma atitude preventiva. O problema que se põe aqui é se relativamente ao detentores de cargos políticos tornarmos obrigatória a declaração ou a justificação daquilo que é um acréscimo dos ativos de um determinado património.
Mas isso não é um pouco acreditar na vontade das pessoas e contrariando aquele ideia de que a corrupção não é um exclusivo da classe política?
Acho que o fundamental nestes casos é saber se há vontade política de mudar ou não há vontade política de mudar. Esse é o ponto básico,.
Mas tanto PS como PSD têm mostrado em clamor essa vontade de mudar, o que é certo que é aqui estamos a discutir o assinto
E se não fosse o caso Sócrates nem estávamos a discutir essa questão, e não estamos nós, nos partidos, como também não estavam os jornalistas a fazê-lo, nem os comentadores.
Isto de pôr os jornalistas no papel do mordomo e a acarretar com a culpa é já um clássico.
Não, não. Só estou a dizer que o sobressalto só existe a partir de um determinado caso, portanto estamos agora sobressaltados, tudo bem, vamos lá encontrar uma solução. Aquilo que o caso Sócrates, o despacho da pronúncia veio levantar é que há alçapões, questões e problemas que a única forma de serem resolvidos é através da intervenção do poder político. Se há diferentes interpretações do problema dos prazos de prescrição, então tem de haver um esclarecimento na lei.
Acha que deste vez o PS e o PSD se vão entender sobre o assunto?
Não sei. O PSD irá fazer tudo para que haja esse entendimento.
Acha que os cidadãos vão entender se o PSD e PSD não se entenderam sobre esta questão?
Eu acho que não vão entender. Todo o esforço é aconselhável e desejável para que haja compromisso, sendo que as melhores soluções podem não ser aquelas que estão a ser apregoadas na praça pública. Não sou jurista, mas há uma componente técnica que temos de acautelar.
E não se sente nada incomodado se o essencial da proposta aprovada no Parlamento tiver como origem a proposta a ASJP?
O que interessa é resolver, e neste caso, os problemas antes de mais são da prevenção da corrupção. O caso Sócrates foi a gota que fez transbordar o corpo,.
Há um problema sério no setor da justiça?
Vai ter que o resolvido mais tarde ou mais cedo. O PSD já apresentou o seu pacote de reforma do sistema judicial.
Passa pela extinção do Tribunal Central de Instrução Criminal?
Não é obrigatório. Estamos agora a tratar da parte criminal, mas se formos paro setor administrativo ou para o fiscal, temos processos que se arrastam mais de dez anos. O que se passa nos tribunais administrativos e fiscais é muito mais grave do que o que se passa no penal.
É maçon?
Não. Não sou. Sou muito pouco associativo. Bom, sou militante e pago quotas no PSD. Não vejo é o problema em dizer.
Acha que esta polémica é necessária?
Quando se fala de transparência, sim. O problema não está na profissão ou na fé, isso é do domínio privado, outra coisa é quando se pertence a uma organização hierárquica, ritualizada, que é uma organização como outra qualquer. E partir da altura em que a organização existe, a relação de pertença deve ser pública.
Como lhe pareceu o discurso do Presidente da República na sessão solene evocativa do 25 de Abril?
Fiquei, de certa forma, compensado, porque é algo que tenho vindo a dizer, até mais em termos académicos do que políticos, Não podemos construir o passado à luz das nossas preocupações, interesses ou conceções do presente. Quando nós olhamos para o passado temos de saber quais são os contextos específicos, em que esse passado de operou. O caso da guerra colonial merece ser estudado em primeiro lugar e só depois discutido.