A série de grandes reportagens da SIC intitulada A Grande Ilusão, da autoria de Pedro Coelho, que gerou polémica em plena campanha eleitoral para as últimas presidenciais, causou incómodo entre vários administradores da Fundação Gulbenkian – que atribuiu uma bolsa (financiamento) àquele jornalista do Grupo Impresa para a realização daquele trabalho sobre a ascensão da extrema-direita na Europa e em Portugal. Financiada no âmbito de um programa da Fundação de apoio ao jornalismo de investigação, a série de reportagens estava previsto inicialmente ir para o ar apenas a partir de fevereiro, mas os dois primeiros episódios (focados no Chega de André Ventura) acabaram por ser transmitidos nos dias 5 e 12 de janeiro – ou seja, a poucas semanas do dia das eleições presidenciais que ditaram a reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa, tendo Ana Gomes sido segunda e André Ventura em terceiro.
Este facto, da antecipação destes dois episódios para poucas semanas antes da ida às urnas, levou vários administradores a criticar internamente a decisão da estação de televisão, uma vez que a Fundação Gulbenkian sempre fez questão de manter a sua independência em relação ao poder político e muito menos admitiu intrometer-se em campanhas eleitorais. E, tratando-se de uma trabalho que ganhou a tal bolsa para jornalismo de investigação, lá vinha expressamente mencionada a Fundação Gulbenkian.
O que levou a administração presidida por Isabel Mota a imediatamente descartar qualquer responsabilidade tanto na escolha da obra (da responsabilidade de um júri externo) como nas datas da sua publicação (exclusivamente do canal de televisão de Paço de Arcos).
Além da presidente Isabel Mota, integram o conselho de administração da Fundação Rui Vilar, Guilherme d’Oliveira Martins, Martin Essayan, Graça Andressen Guimarães, José Neves Adelino, António Feijó e Pedro Norton (que foi CEO da Impresa). E, na altura, também ainda estava Carlos Moedas – que só saiu para anunciar formalmente a sua candidatura à Câmara de Lisboa.
Em resposta ao Nascer do SOL, a diretora de comunicação da Fundação, Elisabete Caramelo, fez questão de reafirmar o distanciamento da Fundação em relação à polémica suscitada pelas reportagens e pelo timing da sua emissão: «De acordo com o Regulamento que atribui estas Bolsas, os candidatos são selecionados por um júri independente e são responsáveis por toda a informação e conteúdos que disponibilizam no trabalho de investigação, garantindo que cumprem todas as normas éticas, deontológicas e a legislação que enquadra a atividade jornalística», começou por explicar, colocando o ónus sobre o júri que escolheu o projeto de Pedro Coelho, aproveitando ainda para afastar a Fundação de qualquer juízo de valor sobre o trabalho publicado. «A Fundação não tem intervenção na apreciação das candidaturas nem na publicação posterior dos trabalhos, garantindo-se assim a independência quer para a Fundação quer para o jornalista», concluiu a diretora de comunicação da Fundação Calouste Gulbenkian.
Direito de resposta e desmentido
Recorde-se que, desde a sua emissão, A Grande Ilusão foi alvo de, pelo menos, dois desmentidos: o de Nuno Melo, eurodeputado do CDS, que, no próprio canal e depois de pedir intervenção da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), publicou um direito de resposta a negar factos relatados na série, que considerou de «pura ficção», para concluir que «a ‘Grande Reportagem’ não é exactamente uma telenovela».
Também César do Paço, uma das figuras centrais de um dos episódios da Grande Reportagem, publicou um ‘desmentido’ em vários meios de comunicação, anunciando que agirá judicialmente contra Pedro Coelho, e contrariando informações veiculadas no programa de investigação.
Por coincidência – a direção de informação da SIC respondeu ao Nascer do SOL não haver qualquer relação causal entre os dois factos –, Pedro Cruz, que durante 22 anos trabalhou na SIC e era subdiretor de informação, demitiu-se do seu posto no canal a 12 de janeiro – precisamente o dia em que foi para o ar o segundo episódio da série A Grande Ilusão.
Aliás, Ricardo Costa, diretor de informação do canal, garantiu também que não houve da parte da SIC qualquer antecipação da emissão das peças de Pedro Coelho, apesar de o calendário inicial apontar de facto para fevereiro de 2021 – tal como «a SIC já explicou várias vezes», nas palavras de Ricardo Costa. «O calendário de exibição de Grandes Reportagens da SIC é dinâmico, afetando a exibição ao longo de todo o ano de variadíssimos trabalhos. A única decisão que a SIC teve que tomar foi a contrária: se achava que a exibição se justificava apesar da campanha eleitoral», explicou o diretor. «Tal como em muitas situações de outras eleições, entendemos que o valor editorial se impunha, o que acontece em qualquer órgão de comunicação social», concluiu.
Questionado sobre uma possível discrepância entre o acordado com a Fundação Gulbenkian em termos de calendarização, Ricardo Costa desvaloriza, defendendo que foi tudo realizado dentro do acordado, até porque «a decisão sobre a data da exibição foi exclusiva da SIC e não foi, como não tinha de ser, discutida com a Gulbenkian ou com o Júri das Bolsas».
O Nascer do SOL contactou Pedro Coelho, o jornalista responsável pela autoria de A Grande Ilusão, que não hesitou em garantir que a decisão de lançar a peça em janeiro deste ano «foi da Direção de Informação, mas partiu de uma sugestão» sua: «Estavam três jornalistas a trabalhar a mesma matéria, tínhamos informação relevante verificada e entendemos que não podemos deixar notícias na gaveta».
O cronograma, garante, não levantou qualquer problema com a Fundação Gulbenkian: «Enviei o relatório e não recebi qualquer comentário da FCG».
Pedro Coelho defendeu ainda o timing da emissão dos programas centrados no Chega: «O jornalismo serve para informar as pessoas, para que possam tomar decisões na sua ação quotidiana», sendo que «as duas grandes reportagens trouxeram a público informações relevantes sobre o funcionamento de um novo partido político e sobre a liderança do seu presidente».
Pedro Coelho não se escusou também a falar ao Nascer do SOL sobre o desmentido de Nuno Melo – que afirmou ser «completamente falso» ter feito parte do conselho de administração de uma fundação de César do Paço, até porque, nas palavras de Nuno Melo, «não se pode fazer parte de uma coisa que não existe».
Na reportagem, Pedro Coelho afirmou que Nuno Melo era membro da dita fundação e dela «pediu para sair, assim que lhe perguntámos o que lá estava a fazer».
Se Nuno Melo diz que nunca foi contactado sobre tal tema nem por Pedro Coelho nem por qualquer outra pessoa da SIC, já o jornalista garantiu ao Nascer do SOL que «o contacto com Nuno Melo foi feito através do gabinete de imprensa do eurodeputado no PE». E acrescenta: «A resposta do assessor, citando o eurodeputado – que remetemos à ERC – foi-nos enviada por escrito e foi a que reproduzi na reportagem», garante o jornalista.