De repente, pelas piores razões e da pior forma, Odemira, as condições de alojamento infra-humanas e a agricultura intensiva em estufas que cobrem de plástico o Parque Natural do Sudoeste Alentejano aparecem aos olhos de todos. Nada é novo, mas todos fingem desconhecer. Sabiam, mas não era nada com eles.
O que se tem passado a propósito dos focos de infeção por covid-19 em Odemira é mesmo uma vergonha. Uma vergonha ainda maior, porque se reveste de uma enorme hipocrisia e, mais grave, porque se trata de seres humanos em situação socialmente frágil.
Quem passou nos últimos anos (e já não são assim tão poucos) pela costa alentejana não pôde deixar de observar os quilómetros seguidos de estufas. E quem passou alguns dias pelas praias e pelas localidades da região certamente observou os milhares de imigrantes nas estradas e nas povoações.
Em Odemira todos convivem com os novos habitantes vindos de vários países, com predominância do sul da Ásia, todos conhecem as péssimas condições em que habitam, todos conhecem as situações de exploração a que muitos são sujeitos por organizações internacionais de exploração ou tráfico de mão-de-obra ou as situações irregulares de alguns.
Estas situações são conhecidas pelas autoridades locais, mas também pelas autoridades nacionais, há muito tempo. No entanto, nada, mesmo nada, foi feito. Todos fecharam os olhos a situações de desumanidade evidente.
Agora, que a pandemia atingiu, como seria de esperar, estes pobres homens, deixou de ser possível ignorar. Mas como acontece com quem tem responsabilidades sem nada ter feito, rapidamente procuraram culpados para alijar responsabilidades. Uma vergonha!
Os responsáveis políticos locais e nacionais apressam-se a criar um ambiente de culpabilização dos empregadores – as empresas agrícolas – que, na verdade, não têm obrigação de prover alojamento. Limitam-se a oferecer emprego e devem ser responsabilizadas, isso sim, pelas condições de trabalho e por salários dignos.
Estes trabalhadores vêm à procura de sustento e de condições que não têm nos seus países. E encontram. Certamente que vivem (imagine-se) em melhores condições do que nos seus países. As empresas agrícolas que os recebem conseguem mão-de-obra que não satisfaziam com os locais. Tinha tudo para ser bom para todos.
Este movimento tem impactos que deveriam ser acautelados pelo Estado. O aumento de população nestas zonas é brutal em resultado da imigração (cerca de 50%) e nem por isso aumentaram os alojamentos, os serviços públicos ou as infraestruturas. Pior: as tentativas de as explorações agrícolas providenciarem habitações têm esbarrado na impossibilidade legal de as concretizarem, o que provoca a sobrelotação das poucas ofertas habitacionais nas povoações ou a utilização de alojamentos precários.
Todos conhecem as condições precárias de habitação por falta de oferta. O que fez a autarquia local todos estes anos? O que fez a administração central até hoje? Fecharam convenientemente os olhos. Uma hipocrisia!
Agora que a situação foi denunciada pela pandemia tomam-se decisões precipitadas, procurando esconder as culpas próprias. Entretanto, fica a descoberto que, numa zona esquecida do país, nem infraestruturas públicas existem para acudir a uma emergência. Pobre país.