Licença de ‘campismo de luxo’ do Zmar caducou em 2019

Surgiu como projeto de Potencial Interesse Nacional, apresentando-se como megaunidade turística sustentável. Volvidos 12 anos, a sobrevivência do Zmar parece afigurar-se uma missão cada vez mais complexa.

Idealizado por Francisco de Mello Breyner, da família Espírito Santo, o Zmar Eco-Experience nasceu em 2009, no concelho de Odemira, como complexo turístico. Ainda que o investimento tenha ascendido aos 30 milhões de euros, o projeto fundado há doze anos com o objetivo de criar «campismo de luxo» no Alentejo entrou em insolvência. O Nascer do SOL conta-lhe a história do empreendimento que mais controvérsia tem gerado.

Com 81 hectares e situado na Zambujeira do Mar, o Zmar insere-se em terreno que corresponde às Reserva Agrícola Nacional (RAN) e Reserva Ecológica Nacional (REN).

De acordo com o Decreto-Lei n.º 73/2009, «as utilizações não agrícolas de áreas integradas na RAN só podem verificar-se quando não exista alternativa viável fora das terras ou solos da RAN, no que respeita às componentes técnica, económica, ambiental e cultural».

Por outro lado, Governo aprovou a revisão do regime jurídico da REN em 2006, que atenua as proibições ao nível de obras, passando a permitir a realização de pequenas construções, desde que «inócuas» para a qualidade ambiental, tendo sido esta intenção comprovada através do Decreto-Lei n.º 166/2008.

Contudo, a preservação da vertente ecológica valeu ao Zmar o reconhecimento de projeto de investimento com estatuto de Potencial Interesse Nacional (PIN) e, assim, teve facilitados e simplificados todos os trâmites necessários no relacionamento com as entidades públicas envolvidas.

Tal aconteceu também por corresponder às exigências do Governo: o dono do projeto deve ser um investidor português ou estrangeiro, um grupo de investidores portugueses ou estrangeiros, ou o seu conjunto; o custo do projeto deve ser pelo menos de 25 milhões de euros e o número de empregados deve ser pelo menos de 50 trabalhadores portugueses – neste momento, são mais de 100.

Na Declaração de Impacte Ambiental do Zmar, datada de 23 de janeiro de 2008, do Gabinete do Secretário de Estado do Ambiente, constata-se que existia a «previsão do reforço da vegetação, com recurso preferencial a espécies autóctones, resistentes ao fogo e não utilizando espécies exóticas de características invasoras, nas zonas periféricas do empreendimento, com especial enfoque na transição entre o parque de campismo e a área correspondente ao Perímetro de Rega do Mira, nas zonas onde se prevê a implantação dos estacionamentos e junto à EN 393-1».

O Ministério do Ambiente apelava igualmente à «pormenorização das zonas destinadas a caravanas/autocaravanas/autotendas e tendas e às zonas de mobilehomes, relativamente à sua organização e ao respetivo desenho, considerando a necessidade de adaptação à morfologia do terreno». As mobile homes, ou casas pré-fabricadas, acabam por ser uma solução onde não é possível, em termos legais, construir infraestruturas.

 

O funcionamento

Além de disponibilizar serviços de alto padrão para campismo, o complexo inclui um conjunto de moradias e bungalows construídos com materiais sustentáveis, para uso misto (compra de habitação ou reserva de férias), um spa, uma piscina exterior com 100 metros de comprimento e uma piscina de ondas interior, entre outros.

Pesquisando pelo registo número 247, no site oficial do Registo Nacional de Turismo, é possível encontrar informações relativas ao Zmar. A área útil destinada a cada campista/caravanista é de 517 m2, o número máximo de campistas e/ou caravanista é 1572 e a licença do empreendimento caducou a 3 de dezembro de 2019.

 

A insolvência

O complexo turístico, detido pela Multiparques a Céu Aberto, entrou em insolvência a 10 de março. Agora, cerca de 420 credores reclamam créditos de mais de 40 milhões de euros. O pedido de insolvência foi acionado pela sociedade Ares Lusitani – Stc, S.A., que tem uma participação de 56,6% na empresa.

O administrador de insolvência é Pedro Pidwell, que já conseguiu um perdão de 50% da dívida que a Soares da Costa tinha à banca e liderou a falência da Gant.

Importa referir que, na semana passada, foi aprovado pelo Tribunal de Odemira um plano de recuperação económica para o empreendimento, prevendo a manutenção dos seus 100 postos de trabalho.

A 13 de abril, a coordenadora do departamento de marketing do empreendimento, Francesca de Mello Breyner, declarou à agência Lusa que o Zmar reabriria «muito em breve».

 

Donos de imóveis ou mobile homes?

De acordo com o Regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, «nos parques de campismo e de caravanismo podem existir instalações destinadas a alojamento, nomeadamente bungalows, mobile homes, glamping, e realidades afins».

Na terça-feira, o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, declarou que o Zmar é «um parque de campismo em situação de insolvência em que o Estado é o maior credor», destacando que o resort está «licenciado como parque de campismo» e que, portanto, «dispõe de capacidade que não tem a ver com estruturas ocupadas por pessoas com direitos de permanência».

O Zmar integra 278 casas, das quais 160 foram vendidas a particulares, permanecendo mais de uma centena sem ocupação. Os advogados de cerca de 120 proprietários contestaram a requisição civil do Governo que alojou no Zmar trabalhadores agrícolas do concelho, na sua maioria imigrantes, em isolamento profilático por causa da covid-19.

Esta sexta-feira, o Supremo Tribunal Administrativo deu razão à defesa dos proprietários do Zmar e suspendeu a requisição civil, decretada pelo Governo.

Foi assim aceite a providência cautelar interposta pelo advogado dos proprietários contra a requisição temporária do complexo pelo Governo, para alojar os imigrantes, mais de vinte dos quais já foram instalados no alojamento.

A decisão do Supremo deverá implicar a retirada imediata dos imigrantes, alojados no Zmar desde a madrugada de quinta-feira.