Nos últimos quatro anos a Caixa Geral de Depósitos (CGD) recuperou todos os prejuízos históricos registados em 2016, ao mesmo tempo que melhorou os indicadores de solvabilidade, eficiência e qualidade dos ativos. A garantia foi dada pelo presidente do banco público na apresentação dos resultados do primeiro trimestre, em que os lucros deslizaram 6%, para 81 milhões de euros. A contribuir para esta queda está, em parte, o reforço de imparidades de crédito em 59,6 milhões de euros, «em antecipação dos efeitos da crise pandémica».
Apesar destes resultados, ainda não foi oficializada a recondução do gestor à frente da instituição financeira. Mas o Nascer do SOL sabe que Paulo Macedo vai continuar. Um nome que será oficializado na Assembleia-geral que irá realizar-se este mês.
O homem forte da Caixa já admitiu várias vezes que estava disponível para se manter no cargo, mas, contactado pelo Nascer do SOL, o Ministério das Finanças preferiu não se pronunciar. No entanto, em fevereiro, o gabinete de João Leão já tinha admitido ao nosso jornal que o «Governo proporá aos supervisores uma equipa muito competente e profissional, que permita consolidar a CGD como o pilar do sistema bancário nacional», acrescentando que «o Ministério da Finanças não se pronuncia no decorrer do processo. A nova administração para o mandato 2021-2024 deverá ser designada este ano, na Assembleia Geral Anual que se realiza, habitualmente, em maio».
Para já, só há certezas em relação ao novo chairman que irá substituir Rui Vilar – que logo em em outubro mostrou a sua indisponibilidade, garantindo que era «altura de virar a página». «Relativamente à equipa, o CEO tem uma palavra a dizer, mas quem nomeia é o acionista [o Estado]. O que sabemos é que o Dr. Farinha de Morais foi convidado. O que sabe sobre ele, sobre mim, sobre todos é que depois de serem convidados segue todo o processo fit and proper, compliance, só depois a equipa está completa e operacional», afirmou Paulo Macedo nesta quinta-feira.
Quanto ao plano estratégico da CGD para os próximos anos, disse apenas que está já a ser feito, havendo uma parte referente à melhoria da atividade atual e outra de «ações que se pretendem mais disruptivas». No entanto, garantiu que os novos membros da administração da CGD devem também ter «uma palavra a dizer» sobre o plano já que o irão executar.
Para trás ficaram anos e anos de prejuízos, declarações como a do ex-administrador José de Matos (que assumiu a liderança da Caixa em 2011) que chegou a comparar o banco público a um «petroleiro difícil de mover» e a polémica autoria da EY à gestão da CGD entre 2000 e 2015 que obrigaram o banco dirigido por Paulo Macedo a fazer profundas alterações: implementar um novo modelo de análise do risco na concessão de crédito, reforçar a independência do responsável máximo pela gestão de risco e criar um rating para fortalecer o controlo das carteiras de crédito a empresas.
O ‘cartão vermelho’
Se, para muitos, a liderança de Paulo Macedo é um exemplo a seguir, para outros é alvo de críticas.
Eugénio Rosa, por exemplo, dá cartão vermelho à gestão da Caixa. «Redução do crédito à economia e às famílias, perda de quota de mercado, liquidez em excesso não utilizada, enorme aplicação em títulos com risco, vendas de carteira de crédito, write-offs, resultados obtidos à custa dos depositantes e da reversão de imparidades, provisões excessivas e redução de trabalhadores e agências», é desta forma que o economista analisa os últimos anos, num estudo a que o Nascer do SOL teve acesso.
E dá números. Entre 2015 e 2020, o crédito concedido pela CGD às empresas diminuiu 37,3%, ou seja, uma redução de 11.137 milhões. No mesmo período, a redução do crédito às famílias foi de 21,6% (um decréscimo de 7.798 milhões) e mesmo o crédito à habitação sofreu uma redução de 7.041 milhões (-21,4%). «A redução no crédito total durante a administração de Paulo Macedo foi de 29,7%, ou seja, de 21.226 milhões. Deliberadamente ou por incapacidade, a gestão de Paulo Macedo não cumpriu a missão da CGD que é a de promover o crescimento económico e o desenvolvimento do país», refere.
O economista aponta ainda o dedo à queda de quota de mercado, ao lembrar que, no ano anterior à entrada de Paulo Macedo para a administração da Caixa, o banco detinha 22,5% de todo o crédito concedido no país, sendo por isso o maior banco de Portugal. No final do mandato baixou para 18%. «No mesmo período, a quota do crédito às empresas tinha diminuído de 19,8% para 14,5%, e às famílias (particulares) de 23,5% para 19,5%. A CGD, com Paulo Macedo perdeu quota de mercado até na habitação e no setor público administrativo», acrescentando que «em contrapartida quem ganhou quota de mercado foram os bancos controlados por estrangeiros. A sua gestão permitiu o aumento do domínio quer do setor bancário quer da economia pelos grupos estrangeiros».
Eugénio Rosa chama também a atenção para a redução de ativos, entre 2015 e 2020, que caíram 9.626 milhões (-9,4%) e, ao mesmo tempo, assistiu-se a uma maior aposta das aplicações em títulos, que no seu entender, «representam um elevado risco pois podem determinar elevados prejuízos». E vai mais longe: «Não se aumenta o crédito à economia e às famílias, mas investe-se 23.445 milhões em títulos, certamente a maior percentagem existente no setor bancário, cujo valor está sujeito a flutuações devido aos riscos que incorpora. Qualquer gestor prudente nunca faria um investimento com tal dimensão em títulos, o que até não é a missão da CGD, ainda mais com dinheiro dos contribuintes e dos clientes».
Pressão nas comissões e na redução de estrutura
As críticas do economista não ficam por aqui e lembra que face à diminuição da carteira de crédito e à redução das taxas de juros cobradas pelo banco banco público, a receita de juros cobrados diminuiu, entre 2015 e 2020, 49% (- 1.422,3 milhões), enquanto os juros pagos aos depositantes sofreram uma redução de 74,9% (-1.365,4 milhões), uma vez que, os depósitos estão a ser remunerados com uma taxa próxima de zero. «Cerca de 95,9% da redução de receitas resultantes do crédito concedido foi suportada pelos depositantes, apesar dos depósitos terem aumentado: passaram de 66.692 milhões em 2015 para 72.033 milhões, em 2020, enquanto as comissões líquidas sofreram apenas uma redução de 0,2% (um milhão de euros)».
Um comportando que leva Eugénio Rosa a garantir que a quebra nas receitas de comissões por crédito concedido foi compensada «através da multiplicação e aumento das comissões aplicadas aos depositantes em que, muitas vezes, os juros nem davam para pagar as comissões, o que os obrigou a pagar utilizando o próprio capital (depósito feito). O banco publico fez o que os outros fizeram: massacre dos depositantes com juros próximos de zero que nem cobrem a inflação e a multiplicação de comissões».
O estudo a que o Nascer do SOL teve acesso destaca ainda a redução da estrutura que foi levada a cabo nos últimos anos. «Outro instrumento utilizado pela administração de Paulo Macedo foi a redução de custos operacionais, nomeadamente de pessoal que, entre 2015 e 2020, sofreram uma redução de 37,6% e dos ‘gastos administrativos’ que, no mesmo período, registaram uma diminuição de 48,7%. Isso foi conseguido através da destruição de 2.226 postos de trabalho e do fecho de 221 agências só em Portugal».
Os últimos dados revelados pelo banco relativos ao primeiro trimestre revelam que a margem financeira (diferença entre juros recebidos e juros pagos) continuou sob pressão, tendo descido 11,5% para 233 milhões de euros, enquanto os resultados de serviços e comissões subiram 2,2% para 125 milhões de euros. No final de abril contava com 5.705 milhões de euros em créditos com moratórias, o que corresponde a 13% da carteira de crédito total, dos quais 2.391 milhões de euros são referentes a crédito a particulares e 3.314 milhões de euros a crédito a empresas.
O total de crédito em moratórias em abril representava menos 4,8% do que montante de crédito em moratórias em final de janeiro (5.992 milhões de euros). Já face a setembro do ano passado, quando foi atingido o pico de crédito em moratórias (6.906 milhões de euros), a redução é de 17,4%.