por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto
O atual presidente da Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom) conseguiu em tempo recorde obter uma licença de reconstrução de uma casa no Parque Natural de Montesinho, no concelho de Bragança. O caso remonta a fevereiro de 2000, quando João Cadete de Matos comprou um imóvel de 40 metros quadrados em estado degradado por cinco mil euros, na Aldeia de Montesinho, mas poucos meses mais tarde transforma-o numa moradia familiar de 170 metros quadrados com dois pisos, apurou o Nascer do SOL.
O nosso jornal sabe que esta aquisição foi feita sem o vendedor ter comunicado o negócio ao Instituto de Conservação da Natureza (ICN) – o decreto regulamentar n.º5ª/97 que estabeleceu a reclassificação do Parque Natural de Montezinho prevê, entre muitas outras medidas, que o ICN autorize a realização de obras de construção civil, alteração do uso atual ou da morfologia do solo designadamente para edificações – e, portanto, sem que este organismo tivesse oportunidade de exercer o respetivo direito de preferência.
Contactado pelo Nascer do SOL, o atual presidente da Anacom garantiu que a «intervenção em causa não careceu de autorização do Parque Natural de Montezinho», uma vez que o mesmo diploma «apenas obriga à obtenção de autorização prévia em caso de obras de construção civil ‘fora dos perímetros urbanos/espaços predominantemente urbanos, como tal definidos nos planos diretores municipais’. De acordo com o PDM de Bragança de 1995, a referida aldeia estava classificada como Aglomerado Urbano e aquele imóvel estava inserido em zona classificada como ‘zona antiga’, pelo que a autorização de reconstrução competia à Câmara Municipal de Bragança e não a qualquer outra entidade».
Uma garantia que vai ao encontro do que diz a autarquia. Num documento a que o Nascer do SOL teve acesso, e quando questionado se poderia ter ocorrido alguma irregularidade na aprovação deste projeto, o departamento de Serviços e Obras Municipais garante que «foi observado o procedimento e legal neste processo», acrescentando que «analisando hoje o processo, dado que que os atos de licenciamento de obras particulares dentro dos perímetros urbanos são, ainda hoje, competências delegadas pela Câmara Municipal à luz do regime jurídico das autarquias locais, não se verifica qualquer irregularidade».
No entanto, o autarca daquela época, António Jorge Nunes, diz que o processo decorreu «há muito tempo» e acrescenta não fazer ideia do processo. «Creio que os serviços, como em todos os processos, teriam que informar do enquadramento legal, no enquadramento dos planos existentes – no caso no PDM do respetivo perímetro urbano –, os condicionamentos associados ao plano de ordenamento do Parque Natural de Montesinho naquilo que fossem as restrições. Independentemente da rapidez, a questão é que saber se foi respeitado ou não. Admito que sim porque é assim que tem de ser em todos os processos mas não sei», disse ao Nascer do SOL.
A vereadora Alice Borges, por seu lado, até ao fecho desta edição, não respondeu às tentativas de contacto.
Processo em tempo recorde
O projeto de reconstrução (n.º189/2000) assinado pelo arquiteto David José Hartigan Soeiro deu entrada na divisão de urbanismo da Câmara Municipal de Bragança em junho de 2000. Cerca de dois meses depois, o técnico da autarquia deu luz verde ao considerar que o projeto «cumpre todas as disposições regulamentares aplicáveis contidas no RGEU [Regulamento Geral das Edificações Urbanas]e PDM [Plano Diretor Municipal]», sem adiantar pormenores.
Uma decisão que levou a vereadora da autarquia da altura, Alice Borges, a deferir o projeto por despacho, o que tinha sido proposto pela divisão de urbanismo, num intervalo de 96 horas. «O projeto apresentado para licenciamento refere-se à reconstrução de um edifício destinado a habitação unifamiliar na aldeia de Montesinho. Cumpre todas as disposições regulamentares aplicáveis contidas no RGEU e PDM. Satisfaz esteticamente. Propõe-se a sua aprovação», diz no despacho a que o Nascer do SOL teve acesso.
João Cadete de Matos é notificado um dia depois da decisão (29 de agosto) e, a partir daí, são lhe dados 180 dias para apresentar os projetos de especialidade, nomeadamente gás, EDP e comunicações. No final de setembro, o arquiteto David José Hartigan Soeiro apresentou um termo de responsabilidade a indicar que não é necessário um projeto de especialidade de cálculo de betão e dias depois o agora presidente da Anacom avançou com o projeto de águas e saneamento.
A 3 de outubro, o processo fica despachado pelo chefe de divisão do saneamento básico, na altura liderado por Luís Mário Doutel, mas ao que o nosso jornal apurou, os pareceres estavam em branco, ou seja, sem contemplar os pareceres das entidades devidas – telecomunicações, energia, Serviço Nacional de Bombeiros, entre outros – apresentando à vereadora que dá luz verde ao projeto no dia seguinte.
João Cadete de Matos solicitou a licença de habitação e a obra ficou concluída em fevereiro de 2001. «As obras foram iniciadas após a emissão do alvará de construção (caso contrário, seguramente, teriam sido objeto de embargo pela Câmara Municipal)», esclarece.
E lembra que a emissão da licença de habitação foi solicitada, como determina a lei, na sequência da conclusão das obras de reconstrução, realizadas de acordo com o projeto licenciado. «Apenas após vistoria pela Câmara Municipal, para confirmação de que as obras foram efetuadas de acordo com o projeto licenciado, foi emitida a licença de habitação, tendo recebido em 23.11.2001 a notificação relativa à emissão da licença de habitação, para efeitos de pagamento da taxa devida».
Quando questionado sobre os timings entre entrega e aprovação do projeto, Cadete de Matos diz ao Nascer do SOL que demorou cerca de três meses e meio. E afastou a ideia de ‘processo-relâmpago’, lembrando que «aos munícipes cabe solicitar os licenciamentos que a lei prevê e às Câmaras Municipais exercer as competências que a legislação vigente em cada momento lhes confere, observando os prazos legalmente estabelecidos para o efeito».
Quanto ao projeto, o atual presidente da Anacom diz que «consistiu, fundamentalmente, na reabilitação do interior degradado da habitação, de muito pequenas dimensões (dois pisos com 40 metros quadrado scada)», acrescentando que «o imóvel objeto de reabilitação não se tratava de ‘uma casa em ruínas’, tanto mais que mantinha as paredes exteriores e o telhado de lousa num estado de conservação aceitável. Assim, a reabilitação efetuada manteve intacta a harmonia e a integração da casa na envolvente, tendo tornado habitável um imóvel degradado e contribuído para beneficiar o património (já construído e previamente existente) da aldeia de Montesinho, contribuindo, ao mesmo tempo, para a sua divulgação e para o seu progresso enquanto aldeia preservada», garantiu.