André Silva: “A política vai afirmar-se mais pelas causas do que pelas ideologias”

Na última entrevista antes de deixar a liderança do PAN, André Silva diz que ‘valeu a pena’ e orgulha-se de ter lançado debates que estavam fora da agenda para ‘não incomodar interesses instalados’.

 

Decidiu deixar a liderança do PAN e o cargo de deputado. Tomou essa decisão por razões familiares, depois de ter sido pai, ou por razões políticas?

Foi um conjunto de motivos. Estou no fim do terceiro mandato como porta-voz do partido e sempre defendi a limitação do número de mandatos. Entendi que a saída do Parlamento seria uma consequência lógica dessa decisão. Este é o momento, a meio da legislatura e numa situação em que há estabilidade política, para que se possa fazer uma transição suave. Não faria sentido sair daqui a dois anos, próximo das eleições legislativas, e não dar espaço para que a próxima direção se possa afirmar. E fui pai aos 45 anos. A forma como considero que uma liderança partidária e parlamentar deve ser desempenhada não é compatível com o acompanhamento da paternidade nos primeiros tempos de vida do meu filho. Alguma coisa ficaria para trás.

Ficou surpreendido com os elogios de responsáveis dos outros partidos por ter mostrado algum desprendimento dos cargos políticos?

Por acaso fiquei admirado com elogios que vieram de pessoas tão diferentes como Ferro Rodrigues, Francisco Louçã, Luís Marques Mendes, Ana Gomes… Não estava à espera, mas é um sinal que o nosso trabalho é reconhecido.

O PAN cresceu nas eleições legislativas e europeias. Nas últimas eleições conseguiu eleger quatro deputados. Um partido com as características do PAN tem capacidade para crescer mais ou há um limite?

Crescemos nas europeias e legislativas, mas também nas últimas autárquicas. Tem havido um caminho de evolução em cada disputa eleitoral. Temos todas as condições para continuar a crescer porque somos o único partido que dá respostas a problemas como a crise ambiental e climática. Somos um partido fundamental do Parlamento pelo posicionamento de não acantonamento que outros partidos tomam em virtude dos campos políticos diversos que existem.

O PAN é um partido que não se define como de esquerda ou de direita. É mais importante ser um partido de causas?

Sim. Um partido que dá respostas aos principais problemas. A maioria das pessoas não quer saber de ideologias. Reveem-se ou não num conjunto de valores que cada partido ou cada movimento representa e na capacidade para resolver os problemas. Penso que a política se vai afirmar mais pelas causas do que pelas ideologias. O que está a acontecer no atual contexto político deve-se à falta de políticas eficazes do PS e do PSD. Há partidos demagógicos e populistas que aproveitam essa insatisfação das pessoas.

Está a falar do Chega…

Sim. Essa insatisfação só existe porque está por fazer algo relativamente a uma determinada matéria. Dou-lhe o exemplo do combate à corrupção. PS e PSD, nos últimos anos, não só alimentaram a máquina do Estado com os seus boys, como continuam a permitir a existência de portas giratórias entre o Governo e várias entidades que representam interesses instalados. Continuam a permitir que pessoas que pertençam a organizações discretas ou secretas possam ser deputados sem o declarar. Permitem que um deputado possa pertencer a órgãos sociais de clubes de futebol e nós conhecemos a promiscuidade entre a política e o futebol ao mais alto nível. Os principais responsáveis por este cavalgar de forças não construtivas são o PS e o PSD.

O Chega é o partido com que o PAN tem mais dificuldade em dialogar?

O Chega e o PCP. Com os outros partidos é mais fácil dialogar.

Porquê?

O Chega porque tem uma base programática que nos afasta. O_PCP é um partido conservador e poucas vezes alinha nas medidas mais progressistas que o PAN apresenta. Nós, em muitas áreas, contamos com o PS, o PSD e o Bloco de Esquerda para fazer avançar as nossas propostas.

O PAN não vai ter de clarificar se é de esquerda ou de direita…

Isso é obsoleto e redutor. A forma como todos os países geram riqueza, desde os mais socialistas aos mais liberais, é através de um modelo utópico de crescimento económico ilimitado com base na exploração de recursos que são finitos. A direita e a esquerda são amplamente responsáveis pelo estado a que chegamos no planeta. O sistema social que o PAN defende aproxima-se daquilo que é defendido pelos campos políticos da esquerda e acreditamos numa economia de mercado regulamentada.

O PAN viabilizou alguns orçamentos da chamada ‘Geringonça’, mas também tem sido crítico em relação a algumas políticas deste Governo. Esperava mais deste primeiro-ministro?

Não tinha grandes expectativas, mas previa-se alguma instabilidade porque a esquerda teria alguma dificuldade em se entender. Desse ponto de vista superou as expectativas de todo o país. Não tinha nenhuma expectativa elevada, mas esperava que, num momento em que vivemos uma crise climática e ambiental, fosse mais sensível e mais convergente com medidas protecionistas do ambiente.

O PAN viabilizou quase todos os orçamentos deste Governo…

É verdade. Somos um partido de oposição, mas não somos um partido do contra. Queremos fazer avançar as nossas causas.

Valeu a pena negociar com o PS? O Governo cumpriu os compromissos que assumiu com o PAN?

Houve algumas medidas que foram aprovadas e ainda não foram concretizadas, mas estão a ser concretizadas. É evidente que valeu a pena. Vivemos hoje num país bastante diferente em algumas áreas, especialmente na área da proteção dos animais, mas também ao nível das políticas ambientais ou da saúde mental. Claro que valeu a pena e a prova disso é que os eleitores nas últimas eleições autárquicas, europeias e legislativas deram-nos uma confiança enorme. No fundo, agradeceram com o seu voto o trabalho que nós fizemos e continuam a confiar em nós. Por outro lado, há uma outra dimensão que para mim é fundamental que são as alterações de consciência. Houve temas que não eram debatidos e passaram a ser.

Porque é que esses temas não eram debatidos?

Não eram debatidos para não incomodar interesses instalados ou porque estavam fortemente representados no Parlamento por setores intocáveis. O grande mérito do PAN foi pôr o país a discutir assuntos que não eram discutidos. Todos esses temas passaram a ser debatidos, no Parlamento, na comunicação social, nas casas das pessoas e nas mesas dos cafés.

O fim das touradas na televisão pública é uma vitória do PAN?

É uma vitória claramente do trabalho do PAN e daquilo que temos feito nos últimos anos. É fruto daquele trabalho e daquele desgaste que fomos fazendo ao setor da tauromaquia que tem uma aceitação cada vez maior dos partidos do sistema.

Vários deputados e autarcas do Partido Socialista continuam a apoiar as corridas de toiros…

Mesmo o Partido Socialista que agora avança com esta decisão, há seis anos não tinha coragem de a tomar. Conseguimos acabar as garraiadas académicas no Porto, em Coimbra e, inclusivamente, em Évora. O_PS percebeu que o sentimento geral da população portuguesa é este e que acabar com as touradas na RTP é bom eleitoralmente.

Esta questão foi negociada com o PAN no Orçamento do Estado?

É um dos pontos que estaria acordado para mais tarde, mas o Governo decidiu e bem antecipar.

O Governo prometeu ao PAN que iria avançar com esta medida?

Sim.

Manuel Alegre criticou que um partido minoritário como o PAN tenha conseguido impor uma ‘censura cultural à RTP’.

O Manuel Alegre só aparece para falar da tauromaquia. Quando a RTP deixa de transmitir teatro não vejo o Manuel Alegre a insurgir-se. É um adepto das corridas de toiros e é um digno representante do lóbi tauromáquico.

Ninguém disse que ia acabar com o teatro…

O que não percebo é o seguinte: porque é que por ferir determinada sensibilidade a pornografia, que é uma atividade legal, não passa em canal aberto e quem quer consumir esse produto paga para assistir num canal privado e a tauromaquia, que é absolutamente violenta e que fere suscetibilidades, pode passar na RTP? O que se está a ensinar às crianças e aos jovens é a normalização da violência.

Acha que é a mesma coisa?

São duas atividades que ferem sensibilidades e nunca deveriam ser transmitidas em canal aberto. Quem quiser assistir pague, como é evidente, como a pornografia.

Mas não deixa de ser verdade que as propostas do PAN e também do Bloco de Esquerda contra as touradas foram rejeitadas. Não sente que esta é uma forma menos democrática de combater essa atividade.

O PAN não conseguiu aprovar as propostas contra as touradas porque o Parlamento está, do meu ponto de vista, de costas voltadas para o sentimento da população.

Mas, por exemplo, esta decisão de acabar com as touradas na RTP não teria apoio da maioria dos deputados…

E a construção do aeroporto do Montijo, que não veio ao Parlamento? E todas as outras decisões do Governo que não são discutidas no Parlamento?

As pessoas ligadas ao PAN garantem, desde a criação do partido, que as touradas vão acabar. Continua a acreditar que vão mesmo acabar em Portugal?

O que lhe posso dizer é que, em 2015, o setor tauromáquico dizia que estava inabalável. Neste curto espaço de tempo, em que o PAN se bateu no Parlamento por esta causa, fechou a Praça de Toiros de Albufeira e diminuiu, mesmo sem ter em conta a pandemia, o número de corridas de toiros e de telespetadores.

São sinais de que está para acabar?

Há outros sinais que consideramos fundamentais como o fim das garraiadas na academia do Porto, na academia de Coimbra e na academia de Évora, que é de facto uma das zonas em que a tradição tauromáquica é maior. Aquilo que está a acontecer é uma resistência generalizada do público à tauromaquia, mas claro que depois há meia dúzia de famílias que querem manter esta tradição.

Os animais passaram a ser encarados de uma maneira diferente, mas há também quem alerte para um certo exagero na relação entre as pessoas e os animais. Como é que encara esta discussão sobre a humanização dos animais?

Uma coisa é defender o bem-estar animal e outra é humanizar os animais. Humanizar os animais pode, em última análise, prejudicar os animais. Por isso é que nós somos contra e defendemos que animais selvagens não podem ser encarados como animais de companhia. Ao contrário dos gatos e dos cães, que estão habituados à companhia e à presença humana, os animais selvagens, não. Por exemplo, é uma aberração um animal como um papagaio estar preso a um pau num apartamento em Lisboa. Tem de estar numa floresta tropical como é evidente.

Faz sentido continuarem a existir espaços como o Jardim Zoológico?

Não. Os jardins zoológicos, uns melhores, outros piores, acabam por ser prisões para os animais. Tenho uma sensibilidade muito grande pela vida selvagem e aprendi isso na aldeia com os meus avós e com os meus pais. Vi vários documentários, ao longo da minha vida, sobre a vida selvagem. A maior parte dos animais nunca os vi ao vivo e não é por causa disso que acho que eles devem estar num jardim zoológico. Dizem que os jardins zoológicos são importantes, porque há espécies que estão em vias de extinção e são reproduzidas naquele contexto. Mas a verdade é que a maioria das espécies não estão nessas condições e os animais estão aprisionados.

Não é importante, por exemplo, as crianças terem contacto com os animais?

O mais preocupante num jardim zoológico é o seu papel antipedagógico. Ou seja, é a normalização da nossa relação com os animais. Da mesma forma que somos contra a transmissão das corridas de toiros, não só, mas também porque isso ensina ou dá a ideia aos mais novos que é normal relacionarmo-nos com os toiros daquela maneira, um jardim zoológico normaliza a ideia de que os animais estão numa gaiola ou atrás de um vidro num determinado espaço. É normalizar essa relação e isso é inaceitável. É inaceitável ter araras e bichos fantásticos em gaiolas. Precisam de estar em florestas tropicais. É uma mensagem totalmente errada e de formatação das crianças e, por isso, de uma forma geral somos contra. Mas se me perguntar se devem existir espaços para recuperação da vida selvagem, eu digo-lhe que deve haver. O Estado deve criar espaços um pouco por todo o país de recuperação da vida selvagem. Isto é uma coisa diferente de ganhar dinheiro à custa dos animais que estão enjaulados. É uma mensagem errada. Quem vai ao jardim zoológico são sobretudo os pais com os seus filhos, porque as crianças gostam de animais e ainda não têm esta consciência.

Quando era criança não o levaram ao Jardim Zoológico?

Fui e aquilo para mim sempre foi natural. Só mais tarde é que comecei a refletir sobre estas questões. Não estou a condenar ninguém. Pelo contrário. Os meus pais levaram-me a jardins zoológicos.

O momento mais difícil da sua liderança foi quando teve de enfrentar uma crise interna com a saída de uma deputada no Parlamento e o único eurodeputado do PAN?

Não foi um momento fácil, mas o momento mais difícil não foi esse. Foi a votação da moção de rejeição do Governo do PSD. Foi uma decisão difícil [o PAN votou a favor], mas o país precisava de mudar.

As divergências internas não contribuíram para desgastar o partido num altura em que estava a crescer?

Acho que não desgastou. Não foram momentos fáceis, mas isso não desgastou o PAN. Depois disso elegemos um deputado nos Açores.

Qual é a expectativa em relação ao congresso do PAN e ao futuro do partido com uma nova liderança?

A expectativa é que o congresso possa correr bem. Vão ser discutidos alguns aspetos da vida do PAN. O partido está unido e tem condições para continuar a crescer com o reforço da nossa base eleitoral já nas autárquicas e depois nas legislativas. Vou estar como militante de base e sempre disponível para apoiar a minha concelhia e distrital naquilo que entenderem.

O presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, disse que o André Silva não iria ficar muito tempo afastado da vida política. Tenciona voltar em breve?

Acho que não, acho que não… São palavras simpáticas de alguém com quem tive uma boa relação pessoa e institucional.

O que é que vai fazer a partir de agora?

Vou fazer aquilo que sei fazer que é na área do património.