O tema do racismo saltou há relativamente pouco tempo para o espaço político-mediático apanhando quase toda a gente desprevenida. Mas não foi só racismo, sucedeu o mesmo com o assédio sexual. Até há cinco anos, em Portugal, não eram temas nos partidos políticos tradicionais.
Os grandes partidos fizeram o possível para afastar esses temas da agenda político-mediática, na prática não dando voz a quem, dentro dos partidos, tentou promover esse tipo de debate. O PS e o PSD, por exemplo, muitas vezes, dedicam-se a produzir documentos e reflexões sobre aquilo que consideram ser os ‘grandes temas’ da política nobre, a saber: a reforma da segurança social, da educação, do serviço nacional de saúde, ou da justiça; tratando como assuntos menores a condição de vida nas áreas suburbanas, a condição das mulheres, a sub-representação étnica e racial, a ecologia, ou os direitos dos animais.
Ou seja, à medida em que as classes médias urbanas começaram a estar conscientes dessas problemáticas, houve muita gente que, reflexamente, dentro dos partidos, tentou sensibilizar para a necessidade de essas preocupações terem adequada representação política. Ou seja, quando no metro, nos cafés, nos supermercados, as pessoas começam a achar que as mulheres são assediadas e não deviam ser, que ganham menos e não deviam ganhar; ou que estranhamente quase não se veem portugueses negros no Parlamento, nos partidos políticos, na administração pública; os partidos deviam ter escutado mais a rua.
Foi um certo autismo partidário tradicional que, em grande medida, nos fez cair na situação em que estamos. É claro que houve quadros políticos inteligentes que perceberam que havia mercado eleitoral para o seu discurso. Uns mantiveram-se nos partidos mas começaram a usar os eficazes mecanismos da comunicação e das redes sociais para afirmarem as suas posições, outros criaram partidos novos para (só) falarem disso.
O PS e o PSD são tradicionalmente partidos moderados que buscam soluções mais consensuais, todavia não podem usar o argumento da moderação para serem pouco sensíveis à realidade – pois tal só conduz à radicalização dos excluídos.
O debate destas questões está extremado. A linguagem escalou e radicalizou-se, já se chama racista a qualquer pessoa. Dou exemplos: Mamadou Ba ou Suzana Garcia falarem de raça não faz deles racistas, mas o problema é que parecem ser quase os únicos a falar sobre o tema – o que provoca uma curiosidade mórbida, levando os media e as redes a escalpelizarem e distorcerem tudo o que dizem de uma forma doentia.
Não considero que Mamadou Ba ou Suzana Garcia sejam racistas, mas gostaria efetivamente que perdessem o monopólio do tema e que as questões que ambos colocam fossem tratadas pelo PS e PSD (aqueles que juntos representam 70% do eleitorado que vota) de forma mais abrangente, com moderação e com soluções que dessem respostas às justas pretensões das pessoas.