A Segurança Social está a pedir a algumas empresas para devolverem as verbas que receberam nos últimos meses relativos ao programa de apoio extraordinário à retoma progressiva de atividade. O Nascer do SOL sabe que esse valor foi entregue a horas, mas agora foi anulado e terá de ser devolvido, nem que seja através de plano de prestação de pagamentos.
Este apoio destina-se a entidades empregadoras que tenham sido afetados pela pandemia com uma quebra de faturação igual ou superior a 25%. Também é possível aceder a essa verba no caso de redução temporária do período normal de trabalho de todos ou alguns dos seus trabalhadores.
«Todos os meses pedia esse apoio à Segurança Social, após verificar que as empresas tinham registado 25% de redução da sua faturação. E essa verba era entregue quase de imediato. Fiz em fevereiro, março, abril e maio, agora estava a fazer o mesmo para junho e vejo no historial que os pagamentos estavam anulados e justificam isso com divergências com a Autoridade Tributária», diz ao nosso jornal uma técnica de contas que preferiu o anonimato.
E lembra que «as contas deles nunca batem com as nossas, ou seja, não assumem agora que a empresa registou essa quebra e querem que o dinheiro seja devolvido. Isto é totalmente descabido, se é validado na altura então tem de haver uma confirmação nesse momento, não é cinco meses depois».
A responsável afirma que esta situação aconteceu com uma série de empresas da sua responsabilidade, mas tem conhecimento de que o mesmo está a acontecer com outros colegas.
Contactada pelo Nascer do SOL, a bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados confirma esta situação e justifica-a com a verificação dos dados que foram enviados para a Autoridade Tributária (AT). «Está a ser feito um cruzamento e estão a ser detetadas algumas questões de quebra de faturação que não correspondem àquilo que está a ser verificado pela AT», afirma Paula Franco.
Cerca de 500 afetados
De acordo com as suas contas, cerca de 500 empresas estão a braços com este pedido de devolução. «Um empresário que recebe agora uma nota de reposição não ficará satisfeito. É uma franja pequena para o universo todo que pediu, mas quem pede apoios que justificavam esses pedidos é porque precisa».
A bastonária lembra que nem sempre essa divergência é da responsabilidade das empresas. «Não quer dizer que seja erro dos contribuintes. Pode haver um erro no cruzamento da informação com a AT, em que esta poderá não ter salvaguardado todas as situações que podem acontecer». E dá como exemplo dívidas que não existem. «Neste caso, a situação tem de ser esclarecida, mas o que acontece é que isto tira muito tempo nas justificações e uma grande demora nas respostas».
Mas os problemas não ficam por aqui. De acordo com Paula Franco também foram identificadas outras situações, em que a troca de informações não está a ser correta. «Há situações em que os rendimentos das empresas não têm que ser comunicados através do e-fatura, nomeadamente entidades que só podem emitir recibos por determinadas operações e por não terem comunicados quando é feito o cruzamento obviamente dá lugar a contas diferentes».
Paula Franco garante que também estes casos têm que ser justificados pelos contribuintes. «O que se está a fazer é pedir uma declaração do contabilista para explicar o motivo pelo qual aquele valor que declarou é que é o correto, mesmo não estando no e-fatura» e mesmo para quem se enganou nos cálculos, a bastonária lembra que «a Segurança Social está a permitir que seja enviado um novo pedido já com os valores corretos, mas mesmo que fiquem em escalões inferiores têm direito a esse valor, desde que tenham a tal quebra de faturação superior a 25%».
Para a técnica de contas a resolução do problema seria outro: «O erro é da Segurança Social porque aprovou o pedido e o que tem de fazer é deixar a empresa com essa verba e não aprovar, a partir daí, mais nenhum apoio». E, ao Nascer do SOL ,confessa: «Há sempre uma cláusula que impossibilita as empresas a receber as ajudas e a principal diz respeito à existência de dívidas. Acho que neste momento não há nenhuma empresa em Portugal que não tenha dívidas à Segurança Social ou à AT. Isso é o primeiro impedimento para tudo».
Atrasos em apoios
Mas os problemas não ficam por aqui. O Nascer do SOL sabe de empresas que, mesmo estando em situações elegíveis e sem qualquer dívida, estão a demorar a receber os apoios.
Um desses casos diz respeito a um grande grupo de restauração que depois de vários contactos com a Segurança Social e a Autoridade Tributária, só conseguiu receber o valor referente ao apoio apoio à retoma progressiva mais de seis meses depois. Em causa estavam quase 200 mil euros.
Também a técnica de contas fala em atrasos em relação ao programa Apoiar Rendas. «Tenho um caso em que o pedido foi aprovado. O valor chegou a 4 de abril, mas apenas 75%. Até agora não foi enviada a restante tranche. Se aprovaram o valor seria para darem o valor todo. Ou então indicavam que a primeira tranche seria paga a x data e a segunda em y».
Uma situação também reconhecida pela bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados, mas que justifica a ausência do pagamento destes 25% por falta de informação. «Os 25% que não foram pagos estão pendentes da troca de informação com a AT, mas parece que a AT está a demorar a identificar os contratos de arrendamento e consequentemente não estão a pagar a segunda tranche», admite ao nosso jornal.
Apoios não são cumulativos
Paula Franco também chama a atenção para o facto de não poderem existir apoios cumulativos, o que pode por vezes criar alguma incerteza aos empresários. Uns pediram apoio do IEFP – que paga dois salários mínimos – outros pediram o apoio à retoma, mas há quem opte por mudar de apoio quando tem a perceção que está em processo de retoma.
«Terminou em maio o prazo de pedido para o apoio do IEFP, mas nessa altura, ainda não havia a noção que iríamos assistir a este agravamento. O que acontece é que as empresas podem querer mudar as suas opções. E a mudança de opções é complicada porque o que estava previsto é que não podem pedir o apoio à retoma três meses depois. A maioria dos empresários pensou que junho, julho e agosto poderiam estar melhor por causa das férias e em setembro se fosse preciso poderiam voltar o apoio à retoma. No entanto, com estas alterações pode não compensar», lembra ao nosso jornal.
Recorde-se que no início deste mês o Governo decidiu prolongar pelo menos algumas das medidas de apoio às empresas e aos trabalhadores independentes que terminavam a 30 de junho. Em causa está o apoio a empresas com uma quebra de faturação igual ou superior a 75% possam reduzir o período normal de trabalho em 100% nos meses de julho e agosto.
«O objetivo é ajudar as empresas a manter os postos de trabalho», disse então a ministra. Ana Mendes Godinho, notando que há 130 mil trabalhadores e 18 mil empresas abrangidas pelo chamado ‘apoio à retoma’, que é um regime de layoff que permite reduzir os horários com o apoio da Segurança Social.
Em contrapartida, os empregadores abrangidos por esta medida têm de manter as situações contributiva e tributária regularizadas, não podem distribuir dividendos e ficam proibidos de, durante a concessão do apoio e nos 60 seguintes, avançar com despedimentos coletivos, por extinção do posto de trabalho ou inadaptação.