Por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto
Os preços dos combustíveis não param de aumentar em Portugal e ninguém quer assumir as culpas. E as notícias não são animadoras. A partir desta semana, o preço da gasolina volta a subir um cêntimo, o que representa a oitava semana consecutiva de subidas. Já o preço do gasóleo deverá manter-se inalterado. É certo que esta semana o verniz voltou a estalar depois de o ministro da Economia ter revelado que «não houve nenhuma decisão do Governo este ano, ou nos anos anteriores, de aumentar a tributação sobre os combustíveis». Pedro Siza Vieira atirou a batata quente para o Ministério do Ambiente mas garantiu que «os impostos sobre os combustíveis não foram alterados».
E acrescentou: «É verdade que a taxa de carbono que incide sobre os produtos petrolíferos vem aumentando em função do preço do mercado, mas não houve nenhuma decisão do Governo este ano, ou nos anos anteriores, de aumentar a tributação sobre os combustíveis».
Passadas as responsabilidades para outro ministério, Matos Fernandes garantiu que o Governo propôs um decreto-lei que permite atuar sobre as margens de comercialização dos combustíveis. O objetivo, garantiu Matos Fernandes, é evitar «subidas duvidosas» e para que os consumidores consigam sentir a descida de preços. Ou seja, o Governo vai então fixar uma por portaria a margem máxima de comercialização dos combustíveis, para «garantir que nunca terão subida excessivas».
Antes das declarações dos ministros já a Entidade Nacional para o Setor Energético (ENSE) tinha garantido que a subida do preço dos combustíveis, em máximo de dois anos, acontece mais devido ao aumento dos preços de impostos e das margens brutas do que ao aumento da fiscalidade.
No estudo ‘Análise da Evolução dos Preços de Combustíveis em Portugal’, a entidade que fiscaliza o setor dos combustíveis realizou uma análise à evolução dos preços e não tem dúvidas que «os preços médios de venda ao público estão em máximos de dois anos, em todos os combustíveis». Essa subida «é mais justificada pelo aumento dos preços antes de impostos e das margens brutas do que pelo aumento da fiscalidade».
O estudo evidencia ainda que, durante os meses críticos da pandemia, os preços médios de venda ao público caíram «a um ritmo claramente inferior à descida dos preços de referência». As margens dos comercializadores atingiram, assim, em 2020, máximos do período em análise. Feitas as contas: na gasolina, com 36,8 cêntimos por litro, a 23 de março; e no gasóleo, com 29,3 cêntimos por litro, a 16 de março.
Segundo a ENSE, a 30 de junho deste ano, a margem apurada sobre a gasolina era superior à margem média praticada em 2019 em 0,069 euros (ou +36,62%). No caso do gasóleo, a margem no último dia do mês de junho era 0,01 euros superior à média do ano de 2019 (ou +5.08%).
Desviar atenções
Pouca satisfeita com estas declarações ficou a Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis (Anarec) que acusou o Governo de desviar a atenção da «verdadeira razão» da subida do preço dos combustíveis. «Não obstante ainda se desconhecer de que forma essa legislação irá influenciar a atividade dos revendedores de combustíveis» a Anarec diz «não pode deixar de manifestar estupefação e surpresa pelo teor das declarações em causa que visam tão somente focar nas margens comerciais a razão da subida dos preços dos combustíveis desviando a atenção do consumidor da verdadeira razão do preço ser tão elevado», disse o presidente da direção da associação, Francisco Albuquerque.
A associação explica ainda que, no nosso país, o preço dos combustíveis é definido com base em fatores que espelham uma carga fiscal na ordem dos 60%, ou seja, por cada euro abastecido 0,60 euros correspondem a impostos e taxas. «Os cofres do estado, naturalmente têm beneficiado com o aumento dos preços uma vez que, necessariamente, aumentam também os impostos associados, como é o caso do ISP e do IVA», acusa.
Carga fiscal com peso
Mas vamos a números. Abastecer em Portugal está mais caro ocupando o país lugares de topo a nível europeu. De acordo com o Boletim semanal de combustíveis da União Europeia, Portugal tem tido presença regular no topo dos países com a gasolina e o gasóleo mais caro de toda a Europa.
Ao i, Henrique Tomé, analista da XTB explicou que «as subidas dos preços dos combustíveis em Portugal estão associadas aos aumentos dos preços no petróleo. O barril de referência na Europa, o Brent tem estado a valorizar há três meses consecutivos».
Ainda assim, a Anarec lembrou que «os revendedores de combustíveis, que exploram os postos de abastecimento onde o consumidor vai abastecer a sua viatura, não têm qualquer influência (e nem tão pouco voto na matéria) na subida ou descida do preço dos combustíveis», acrescentando que são o último elo da cadeia de revenda de combustíveis.
«Limitamo-nos a praticar os preços que nos são determinados pelas companhias petrolíferas. Os empresários que têm os postos de abastecimento não ganham a mais ou a menos com a subida dos preços, porque a nossa taxa de lucro é fixa e incide sobre o litro vendido. Com o aumento dos preços, alguns consumidores abastecem menos, o que diminui, isso sim, o nosso lucro», garantiu ao i.
Mas do lado da Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas (Apetro), a justificação é outra. O aumento dos preços nos combustíveis «é uma das afirmações mais repetida pelos órgãos de Comunicação Social e tomada como verdade pela sociedade em geral que, de facto, não corresponde à verdade», disse ao i.
A verdade é que o elevado preço dos combustíveis está muito relacionado com a alta carga fiscal que os faz disparar para valores muito altos. Henrique Tomé não tem dúvidas: «De facto a carga fiscal em Portugal sobre os combustíveis é bastante elevada se compararmos com outros países. Mais de metade dos preços dos combustíveis que os consumidores pagam são impostos».
Uma opinião partilhada por Ricardo Marques: «Fazendo as contas ao preço que a gasolina e o gasóleo estão nos mercados internacionais, nos mercados europeus, aquela que é transacionada pelas grandes companhias, é fácil de perceber que mais de 50% do preço que estamos a pagar são impostos», diz o analista da Informação de Mercados Financeiros (IMF). E explica ao o que aconteceu: «Quando os preços caíram, há uns anos, os Governos foram sucessivamente aumentando os impostos porque o público não notava uma vez que o aumento dos impostos estava a ser compensado pela baixa dos preços internacionais. O problema é que agora, quando o preço sobe para os níveis que estava há uns anos, ficamos com os combustíveis muito acima dos níveis a que estávamos há uns anos. O petróleo não está sequer nos 80 dólares e já esteve nos 140 dólares. E a gasolina nunca esteve como está agora. Toda essa diferença são impostos».
É que, ultimamente, os portuguesas pagam mais de 50% em impostos quando abastecem. A Apetro faz as contas: «Na semana com início a 21/06, os impostos representaram cerca de 60% do PMVP na gasolina e de 55% no gasóleo»