Um pouco por todo o país, e em cada concelho, os cartazes alusivos aos diferentes candidatos autárquicos ocupam espaços em rotundas, cruzamentos e praças das diferentes cidades e vilas. Da esquerda à direita, todos procuram nas ajudas visuais expressar as suas ideias, mensagens e propostas para as autarquias e freguesias a que se candidatam.
A linguagem dos cartazes, no entanto, por vezes, numa tentativa de se tornar apelativa e ‘jovem’, acaba por causar reações adversas nos eleitores e em quem é confrontado com estas mensagens. A comunicação política procura ser breve e concisa, mas, por vezes, acaba por pecar nessa procura.
Nos diferentes cartazes ilustrados neste artigo, surgem várias frases e ideias caricatas, que mostram que, em certas ocasiões, a procura pela ‘jovialidade’ e pelas linguagens informais acabam por ter resultados negativos.
A comunicação política é um tema que está muito bem afinado e que há décadas é desenvolvido por especialistas em marketing, relações públicas e, de uma forma muito geral, em como os políticos se devem ou não dirigir aos eleitores, com que tipo de linguagem e aparência e em que tom.
Com os anos, os públicos mudaram, tal como as suas expectativas, o seu conhecimento e a linguagem que usam. Com essas mudanças, um dos meios mais populares da publicidade política – o cartaz – teve de se adaptar, e tem de combater um novo competidor pelo seu espaço mediático: a internet.
O partido que mais aproveitou as vantagens do cartaz, nos últimos tempos, foi o Iniciativa Liberal que, segundo defende António Reis, diretor de campanha de João Soares nas eleições autárquicas de 1997, aproveitou bem o seu espaço como novo partido para experimentar diferentes estratégias de comunicação política, dando grande ênfase ao cartaz.
«O que me parece que é claro, é que o resultado que a IL teve pode ter determinado que isso seja utilizado por outros partidos», começa por explicar ao Nascer do SOL, antes de relembrar uma velha máxima da área: «Comunicar é criar emoções, e uma das mais fáceis de conseguir resultados é o humor, mas também se torna difícil criar um [cartaz] que seja eficaz.»
«Se uma mensagem não o obriga a parar para pensar um segundo, tem zero eficácia», continua António Reis, antes de reforçar uma ideia que defendeu no Nascer do SOL há semanas: «Houve evolução graficamente, mas em termos de mensagem política, não evoluiu muito. Os problemas mudaram, a perspetiva que as pessoas têm da política é menos agradável, e a classe política não acompanhou. Nas autárquicas, é uma luta pura e dura por notoriedade. E é preciso garantir que, com o pouco investimento que fazem, têm essa notoriedade e fazem o eleitorado parar».
Da mesma opinião é Luís Lemos, especialista em comunicação e marketing, que acusa a reciclagem de mensagens políticas ao longo dos anos, e a «saturação deste tipo de comunicação [cartazes]», sendo que «o uso excessivo desta forma de comunicar confunde mesmo o comum dos cidadãos».
O especialista fala ainda na «originalidade da mensagem e a irreverência do conteúdo visual», que são «o que nos permite parar, olhar e sobretudo emitir um juízo de valor». «Há quem goste e quem não goste mas só o facto de obrigar as pessoas a refletir sobre o impacto daquela mensagem é algo positivo. De uma forma generalizada o que se faz em Portugal é muito previsível e básico», aponta, ressalvando, tal como vários dos especialistas ouvidos pelo Nascer do SOL, o caso da Iniciativa Liberal.
Já José Paulo Fafe, consultor de marketing político, falou nas mudanças linguísticas nestes mesmos cartazes, defendendo ser «inegável que nos últimos anos, principalmente desde as últimas legislativas, assistimos a uma mudança na linguagem usada naquilo que podemos chamar de publicidade exterior». As novidades, garante ao Nascer do SOL, estão na aplicação de «mais imaginação, talvez mais humor» e «uma vontade de surpreender e gerar ‘media’».
Entre Internet e cartazes físicos, acredita, pode haver uma complementaridade e uma adaptação de linguagem. «As redes permitem projetar um cartaz muito mais além do local onde está afixado e onde é visto por quem lá passa. Já reparou que um ou dois cartazes, afixados, por exemplo, em Lisboa e no Porto, podem chegar facilmente a Vila Real de Santo António ou a Valença?», realça.
Sobre estas linguagens humorísticas dos cartazes, no entanto, José Paulo Fafe tem ainda uma reserva, preocupado com quem imita, «ou melhor, a tentar imitar as peças que o Manuel Soares de Oliveira criou para o Iniciativa Liberal em 2019». Tal como António Reis, Fafe coloca sobre a IL o ónus desta nova preocupação com os cartazes. Neste mundo, acusa, «todos acham que têm graça, andam entretidos a fazer peças publicitárias apenas para tentar gerar likes ou sorrisos, e que a maior parte das vezes nem uma, nem outra coisa conseguem arrancar».
Fafe aponta o dedo a «coisas verdadeiramente pavorosas» e cartazes que «chegam a ser confrangedores». Muitas vezes, acusa, «tudo aquilo é muito mau, mesmo muito mau, muito incongruente, sem nexo, sem ponta por onde se lhes pegue», e, no fundo do poço, estão os autores que «acham que são, eles e as suas ‘obras-primas’, um suprassumo».
Também João Tocha, gestor na First Five Consulting e especialista em marketing político e consultor de comunicação, declarou ao Nascer do SOL que «a comunicação política e o seu sucesso dependem da existência de bons candidatos e de projetos e ideias mobilizadoras», sendo que «compete à comunicação verificar se esses projetos se adequam às necessidades das pessoas a que se dirigem e qual a melhor forma de os fazer chegar ao conhecimento dos eleitores e dos líderes de opinião, influenciadores ou prescritores».
O cartaz, assim, cumpre a missão de comunicação com os eleitores, «de forma eficaz, mas não total». O mesmo deve ser uma «síntese, como parte de um puzzle comunicacional, para ser lido de forma fácil e rápida».
Meios complementares
Sobre a luta entre o digital e os cartazes, Tocha não se alonga, explicando que «os canais digitais são mais uma forma de distribuição da mensagem e de interação com os cidadãos», sendo que «cada canal terá uma linguagem adequada ao público-alvo», onde «o puzzle comunicacional tem de contemplar essa realidade logo no início de conceção da estratégia de comunicação política».
A luta, no entanto, não tirará lugar a nenhum, sendo que ambos os meios se complementam «e convivem bem», defende João Tocha. Para o especialista, há uma forma muito direta de avaliar o sucesso ou o falhanço de uma campanha de comunicação política, mais especificamente dos seus cartazes: «As estratégias e os cartazes são bons quando os objetivos são alcançados: eleição de candidatos, aumento de votos. Os cartazes são maus e não prestam quando as eleições são perdidas e os objetivos não são alcançados». E relembra que «é preciso ter cuidado com campanhas de nicho e supostamente engraçadas, mas que podem prejudicar os candidatos que as protagonizam e aprovam».
Os tons informais de alguns cartazes, admite assim João Tocha, podem ser um presente envenenado, mas dependem da dimensão do partido que os promove. «Um partido de massas tem de ter cuidado com os excessos de informalidade nas suas campanhas, já um partido de nicho pode ousar provocar, escandalizar ou na informalidade», argumenta.
Fazendo um balanço sobre a forma como a comunicação política mudou nos últimos 20 anos, João Tocha mostra-se frustrado, acusando a falta de evolução da comunicação das candidaturas políticas, considerando que, «a par de restrições financeiras», a organização de campanhas é «rudimentar e arcaica», ao mesmo tempo que «faltam dirigentes com chama e projetos galvanizadores».
A causa, defende, poderá estar também na perda de «militâncias para apoiar os contactos com eleitores» e nas «restrições orçamentais e as incongruências e paradoxos legais que dificultam as campanhas políticas». «As máquinas partidárias, salvo exceções pontuais, andam perdidas na forma de comunicar, incorporam o digital mas não fazem o esforço analítico necessário para a sua rentabilização», continuou ainda o consultor de comunicação.
Para concluir, João Tocha aponta o dedo à falta de contacto no terreno entre candidatos e eleitores: «Acresce que hoje a covid-19 e as restrições pandémicas são uma boa desculpa para que os candidatos (que já não gostavam muito de o fazer) não se embrenhem no terreno. Há exceções em que a comunicação política e pública começa no dia da tomada de posse. Mas esta é outra conversa».
Humor sem credibilidade
Também Ricardo Pires, especialista em marketing e comunicação, definiu o humor utilizado em certos cartazes políticos como sendo uma estratégia «utilizada pelos partidos que geralmente estão numa posição de conquista e sem grandes ambições». «É uma maneira de tentar conquistar novos públicos, mas falta a credibilidade».
«Enquanto houver uma estrada e um automóvel vai haver comunicação exterior», afirma Ricardo Pires, que tem opiniões mistas sobre se a comunicação política evoluiu ou não nos últimos anos. «Há campanhas que acrescentam e dão um salto em frente, mas também há campanhas que recuperam exemplos que no passado foram sucesso, na esperança que a história se repita», diz, defendendo que estagnação e a evolução, neste caso, «coabitam».