Outrora amantes, hoje inimigos e rivais na Justiça. A acusação de assédio, que inclui episódios de perseguição encoberta por agentes do Centro Nacional de Inteligência espanhol, entrou em tribunal e promete dar que falar nos próximos meses.
Mais um golpe difícil para a imagem do Rei emérito, Juan Carlos I, e para a monarquia espanhola. Aos conhecidos escândalos financeiros, junta-se agora uma ação cível apresentada junto do Supremo Tribunal de Justiça britânico pela ex-amante de Juan Carlos I, Corinna Larssen, que o acusa de assédio. O pedido dos advogados exige uma ordem judicial que impeça o Rei emérito de Espanha de estabelecer contacto, segui-la, difamá-la ou aproximar-se a uma distância inferior a 150 metros.
Como noticia o El País, a demanda judicial, que deu entrada nos tribunais ainda em dezembro do ano passado e da qual Juan Carlos I tomara conhecimento há meses, foi agora tornada pública pelo Supremo Tribunal de Justiça britânico, em Londres, onde Corinna Larssen reside.
O articulado interposto na Justiça, relata episódios de assédio e de difamação desde 2012, responsabilizando ainda o ex-chefe de Estado espanhol pela perseguição «aberta e encoberta» de agentes do Centro Nacional de Inteligência (CNI) espanhol em Londres e em Montecarlo, onde a empresária de 55 anos também tem residência.
O ex-diretor do CNI, o general Félix Sanz Roldán, consta, aliás, na acusação pela participação ativa nas «perseguições» a Corinna, ainda que sejam apenas dirigidos a Juan Carlos I os crimes descritos ao longo de 20 páginas. O general já tinha admitido ter viajado para Londres em Maio de 2012 para se encontrar com a ex-amante do monarca. Larsen exige agora uma indemnização por danos e prejuízos em valor não quantificado.
A doação e o envolvimento do Rei da Arábia Saudita
A causa apresentada na Justiça revela uma doação feita pelo Rei emérito à ex-amante, com a qual teve uma relação secreta de sete anos, no valor de 100 milhões de dólares (64,8 milhões de euros) em 2012. O amor foi a causa. Mas cedo Juan Carlos I recuou nas suas intenções. Em 2014, ano em que renunciou ao trono, exigiu a Larssen a devolução do dinheiro, e ante a recusa do pedido, iniciou uma onda difamatória contra a dinamarquesa, acusando-a de o ter roubado.
O caso é relatado no processo que relembra ainda o envolvimento do Rei da Arábia Saudita, que transferiu para Juan Carlos 100 milhões de dólares no dia 8 de agosto de 2018 para a sua contra secreta na Suíça, em nome da Fundação Lucum. A transferência é investigada na Suíça desde 2018 como uma operação de branqueio de capitais agravada.
O caso está em tudo ligado à história de Juan Carlos e Corinna Larssen, por reforçar as suspeitas de que a doação feita à amante – depositada na Suíça – seria proveniente de comissões pagas pela Arábia Saudita como «agradecimento» pelo papel do monarca na formação de um consórcio de empresas espanholas para a construção do comboio de alta velocidade de Medina a Meca.
A estreita relação com Abdulaziz, antigo Rei saudita, levaram-no a atuar como intermediário nessa obra pública, e tanto a Justiça espanhola como a suíça suspeitam do pagamento de comissões ilegais durante as negociações.
Esse dinheiro, que nunca passou por Espanha, foi posteriormente transferido para o banco Gonet, nas Bahamas, devido a mudanças na legislação Suíça. Estão hoje em curso três investigações sobre contas e operações ocultas do antigo monarca no Supremo Tribunal espanhol.
Corinna, nascida na Alemanha e de nacionalidade dinamarquesa, havia denunciado o caso ao novo Rei de Espanha, Felipe VI, e explicou na carta enviada à Casa Real que se recusou a devolver o dinheiro doado pelo antigo Rei «para evitar possíveis acusações de crimes financeiros». O documento, na altura publicado no El Mundo, revela que aquela sua decisão deu início a uma campanha caluniosa na qual o Rei emérito a acusa de lhe «ter roubado o dinheiro».
Hoje, Corinna volta ao ataque e relembra as operações financeiras obscuras, a difamação ou as perseguições das quais foi alvo.
O El País adianta que um juiz designado pelo Supremo Tribunal britânico ficará encarregue da investigação e dispõe de um período máximo de 18 meses para fazer a instrução do caso. Fontes judiciais adiantam que o precedente de Juan Carlos I não abonará a seu favor para uma possível presunção de imunidade.
O jornal relembra o caso do ditador chileno Augusto Pinochet, destituído da imunidade presidencial em 2000 pelo comité judicial britânico devido aos delitos de tortura, incompatíveis com o estatuto de chefe de Estado.