O ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE), Augusto Santos Silva, faltou às reuniões de emergência com os seus homólogos da União Europeia e da NATO sobre a crise no Afeganistão, ontem e na passada terça-feira. Em ambas as reuniões de titulares dos Negócios Estrangeiros, da UE e da NATO, Santos Silva fez-se representar pela secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Ana Paula Zacarias – curiosamente, a única titular do Governo que António Costa admitiu estar de saída do Executivo nos próximos dias.
Esta informação, apesar de pública, não teve grande eco nos meios de comunicação social, tendo mesmo vários – certamente induzidos em erro por um comunicado do Conselho da Europa – noticiado, erradamente, que Santos Silva teria estado presente nas reuniões.
Augusto Santos Silva está «efetivamente de férias», garantiu o ministério dos Negócios Estrangeiros ao Nascer do SOL, confirmando que o ministro se fez representar pela sua secretária de Estado em ambas as reuniões.
Não obstante estar de férias, o ministro marcou presença na televisão para manifestar a sua preocupação com a situação em Cabul e com manifestar a disponibilidade de Portugal para acolher 50 refugiados afegãos. Um procedimento normal…. caso também o tivesse feito nas reuniões oficiais – que, note-se, decorreram por videoconferência.
Recorde-se que, nas vésperas da tomada de Cabul pelos talibãs, a ministra de Estado e da Presidência do Conselho de Ministros, Mariana Vieira da Silva fora anunciada como primeira-ministra em exercício face à ausência por férias dos três governantes que a antecedem na hierarquia do Executivo, segundo a Lei Orgânica do Governo: o primeiro-ministro, António Costa; o ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, Pedro Siza Vieira, e… o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva.
Por quinze dias, Portugal seria governado por uma mulher. E, enquanto primeira-ministra em exercício, Mariana Vieira da Silva aproveitou para notar, em entrevista ao Jornal de Negócios, ser «inevitável que o PS venha a ter uma secretária-geral».
As férias em simultâneo do primeiro-ministro e dos seus números dois e três no Governo – que se traduziram na delegação de competências na número quatro – não deixaram de ser notadas e criar burburinho nos bastidores da política portuguesa. Não falta quem aponte a decisão de Costa de adiar as férias para a mesma altura de Pedro Siza Vieira e de Augusto Santos Silva como um ‘castigo’ para ambos e um sinal em vésperas do Congresso do PS, em Portimão.
Recorde-se que Pedro Siza Vieira não é militante socialista e é associado à ala mais à direita do PS, tal como, aliás, Augusto Santos Silva.
Quanto ao ministro dos Negócios Estrangeiros, tendo recentemente deixado implícito em entrevista ao Expresso que gostaria de poder dedicar-se à sua atividade letiva, António Costa não terá querido deixar-lhe o Governo nas mãos tão pouco tempo depois de ter sido forçado a vir a público dizer que o seu ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros estava para durar e ainda longe de poder dedicar-se à Universidade.
’Santos Silva está em fim de ciclo’, diz Guimarães Pinto
Em declarações ao Nascer do SOL, Carlos Guimarães Pinto confessou não saber da ausência de Santos Silva das reuniões da UE e da NATO sobre o Afeganistão e sublinhou que «um assunto tão importante exigia que Santos Silva estivesse lá».
Contudo, na análise do fundador do Iniciativa Liberal, o MNE já «está numa fase em que está a desligar do cargo», pois «sente-se o clima de fim de ciclo».
A seu ver, «alguém que esteja em fim de ciclo não devia estar na posição em que está», sendo que esses casos «acabam sempre com este tipo de problemas».
No entender do economista, «não faz sentido que uma decisão desta importância não conte com o principal representante português na área dos Negócios Estrangeiros».
E as férias não servem como desculpa: «Quando se tem responsabilidades políticas e existem situações deste género, as férias não são uma desculpa suficientemente boa para não fazer parte do processo de decisão». Da sua ausência, Guimarães Pinto só consegue retirar duas possíveis explicações: «Ou ele acha que Portugal não tem peso nenhum neste processo de decisão – o que é humilhante para o país – e por isso não vale a pena o seu esforço», ou «ele próprio acha que já não acrescenta nada e lança já alguém para o substituir».
«Se assumirmos que Portugal acrescenta alguma coisa e que ele acrescenta alguma coisa ao cargo em que está, faz sentido que vá ele», notou Guimarães Pinto.
Costa também de férias… ou talvez não
O que também não deixou de causar estranheza e revelar a somenos importância que o Governo português terá dado à crise política do Afeganistão foi igualmente o facto de António Costa não ter feito qualquer declaração pública sobre o Afeganistão (nem a primeira-ministra em exercício) quando todos os líderes europeus e mundiais vieram a público tomar posição sobre a tomada de Cabul pelos radicais talibãs.
Ainda por cima, António Costa, mesmo de férias, fez questão de marcar a agenda política com uma entrevista ao Expresso em que excluiu uma remodelação governamental nos próximos tempos e anunciou que o Governo está a ponderar a revisão dos escalões de IRS no Orçamento do estado para 2022.
Curiosamente, na primeira notícia sobre a dita entrevista, António Costa admitiu apenas uma substituição no Governo nos próximos tempos: a da secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Ana Paula Zacarias, precisamente quem acabou a representar Portugal nas reuniões de emergência desta semana da União Europeia e da Aliança Atlântica.