Fotografias tramam irmãos do Daesh

Iraquianos detidos esta quarta-feira na zona de Lisboa ficam em prisão preventiva. Denúncia de pertença à organização terrorista foi investigada em Portugal com ajuda de Mossul.

Fotografias dos dois irmãos iraquianos em ações do Estado Islâmico no Iraque foram uma das peças-chave da operação que culminou esta semana na detenção dos dois homens na zona de Lisboa.

Colocados em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Lisboa, apenas um dos homens falou diante do juiz de instrução, não assumindo qualquer relação com o grupo terrorista. Mas foi isso que indiciaram as imagens, publicadas na internet, e que mostravam que os homens que se diziam em fuga do Estado Islâmico teriam pertencido na realidade à estrutura da organização em Mossul, no Iraque, integrando um departamento de vigilância de conduta com ações repressivas e violentas. 

Segundo o Nascer do SOL apurou, a investigação a cargo da Unidade Nacional de Contraterrorismo da Polícia Judiciária, que arrancou em 2018, deparou-se com as imagens na chamada internet ‘aberta’ numa denúncia de que os homens, que antes de chegar a Portugal tinham estado um ano num campo de refugiados na ilha grega de Lesbos, iludiam a sua ligação ao grupo extremista.

A investigação prosseguiu pelos canais domésticos e internacionais, enquanto os homens foram mantidos sob escuta e vigilância. 

As autoridades nacionais pediram a colaboração da UNITAD-ONU, o organismo do Conselho de Segurança das Nações Unidas que apoia investigações relacionadas com a atividade do Estado Islâmico, para a apurar o historial dos dois homens e foi endereçada à justiça iraquiana uma carta rogatória, um processo moroso.

Entretanto, em Portugal, não fora intercetada atividade suspeita: os dois irmãos, de 32 e 34 anos, acolhidos no país no âmbito do programa de recolocação de refugiados da União Europeia (UE), estavam aparentemente integrados, a viver com apoio da Santa Casa da Misericórdia e da Segurança Social, nomeadamente habitação.

Pedido de asilo recusado 

Ainda assim, segundo o Diário de Notícias, pouco depois de chegarem ao país, ainda em 2017, o SEF terá sido alertado por outros refugiados de que pelo menos o irmão mais velho teria comportamentos algo agressivos e simpatia pela causa jihadista. Sob vigilância, os homens trabalharam em restaurantes e call-center, ao início com uma autorização de residência provisória. Trata-se de uma autorização que tem de ser renovada anualmente. 

Em 2019, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras recusa o pedido de asilo ao irmão mais velho, por perigo para a segurança interna, uma decisão que o homem contesta inicialmente em primeira instância no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, onde foi confirmada.

Seguiu-se um recurso para o Tribunal Central Administrativo do Sul em 2020, também indiferido, e já este ano, em março, o Supremo Tribunal Administrativo confirmou a decisão. O que, apurou o Nascer do SOL, levou a um acelerar a investigação criminal, por perigo de fuga. 

Portugal recebeu entretanto a resposta à carta rogatória endereçada à justiça iraquiana, que permitiu executar buscas e as detenções. Os dois homens, que à entrada em Portugal não foram sinalizados, tinham efetivamente mandados de detenção pendentes no Iraque, por ligações ao Daesh. 

Extradição pouco provável

A detenção aconteceu na zona da grande Lisboa e os dois homens estão agora indiciados pelos crimes de adesão e apoio a organização terrorista, de terrorismo internacional e crimes contra a humanidade.

À agência Lusa, o advogado dos dois homens, Varela de Matos, indicou que os dois recusam «determinantemente a participação nestas atividades», confirmando um pedido de extradição para o Iraque. Um cenário pouco provável dado que o ordenamento jurídico português tem uma salvaguarda que trava extradições para países onde os arguidos possam enfrentar pena de morte.

Segundo fonte próxima da investigação, situações de possível infiltração de terroristas entre refugiados são sempre monitorizadas mas consideradas ocorrências ínfimas.  

Em Portugal, este é o segundo caso que vem a público depois da detenção, em 2017, de Abdesselam Tazi, de 65 anos, condenado a 12 anos de prisão por crimes de falsificação com vista ao terrorismo, recrutamento para o terrorismo, financiamento do terrorismo e quatro crimes de uso de documento falso com vista ao financiamento do terrorismo. 
Tazi morreu na cadeia de Monsanto em 2020, de causas naturais.

Chegara a Portugal em 2013 com Hicham El Hanafi, recebendo o estatuto de refugiados. O Ministério Público viria a acusar Tazi de recrutar jovens marroquinos para o Daesh. Hicham, detido em França, fora um desses jovens. Durante um ano viveram num quarto em Aveiro, alugado a uma septuagenária, saindo todas as noites.

Já depois da morte de Tazi, Hicham El-Hanafi foi condenado em fevereiro deste ano a 30 anos de prisão em França, pena máxima, num julgamento em que estiveram no banco dos réus outros dois homens com nacionalidade francesa, Hicham Makran e Yassine Bousseria, suspeitos de planearem um atentado em Paris impedido pelos serviços de informação franceses. Hicham El-Hanafi foi considerado o soldado mais fiel do Estado Islâmico.