As esplanadas provisórias dos estabelecimentos de restauração que fazem parte do triângulo do Poço dos Negros, em Lisboa, nomeadamente na Rua dos Mastros, na Travessa dos Pescadores e na Rua da Silva, mais conhecida por Rua Verde, têm de fechar às 22h30, sob a pena de serem retiradas, caso o limite horário não seja cumprido.
O ano passado, aquando da primeira reabertura dos restaurantes durante a pandemia de covid-19, por iniciativa de empresários e moradores, as ruas em questão foram pedonalizadas através de uma deliberação formal da Câmara Municipal de Lisboa, sendo que até hoje a maioria encontra-se totalmente encerrada ao trânsito automóvel e os negócios de restauração que aqui funcionam foram autorizados a ter esplanadas na via pública. A própria câmara terá definido no chão o espaço que cada restaurante pode ocupar de esplanada.
Já este verão, no âmbito das medidas de alívio de restrições, ficou decretado, através da resolução do Conselho de Ministros de dia 30 de julho, que restaurantes e esplanadas podiam aceitar clientes até à 1h da manhã e tinham que encerrar uma hora depois, às 2h.
Contudo, na semana seguinte, mais concretamente a 9 de agosto, a junta de freguesia da Misericórdia, com jurisdição naquele bairro de Santos, fez chegar aos proprietários dos restaurantes daquela zona um e-mail, no qual constava que, apesar da deliberação do Governo, os estabelecimentos com esplanada tinham que fechar às 22h30.
Manuel Paradis, proprietário do Pastanaga, um dos restaurantes localizados à entrada da Travessa dos Pescadores, em Santos, é um dos empresários penalizados por esta situação.
“Sobretudo aos fins de semana, tem aparecido a Polícia Municipal para mandar encerrar as esplanadas. E inclusivamente injuria e interpela os clientes que estão sentados nas mesas, sendo que a maior parte da clientela, cerca de 90%, são estrangeiros e portanto obviamente não entendem o que lhes dizem”, conta o empresário, em declarações ao i.
“Isto decorre tudo de uma determinação da junta que vai contra o que foi deliberado em Conselho de Ministros”, acusa Manuel Paradis, acrescentando que “qualquer alteração aos horários ou ao funcionamento destes estabelecimentos de serviços só pode ser determinada por um membro do Governo”.
Por essa razão, considera que não cabe à junta da Misericórdia condicionar os horários das esplanadas, alegando que confirmou essa informação com a própria CML.
“Temos sido confrontados com uma disrupção completa do funcionamento nos nossos restaurantes, quando a poucos metros existem outras ruas onde as esplanadas estão abertas até às 2h”, queixa-se, evidenciando que a situação também coloca um problema ao nível da concorrência.
De acordo com o responsável do Pastanaga, a penalização dos empresários do Poço dos Negros foi motivada pela pedonalização das ruas ter partido de uma deliberação da CML, à margem da junta de freguesia. “A junta sentiu de alguma maneira que isso lhe tinha retirado protagonismo e na altura levantou até alguns obstáculos à pedonalização”, relata.
Apesar disso, a junta de freguesia alega que os clientes dos restaurantes a partir das 22h30 podem eventualmente fazer barulho e criar outras perturbações, incomodando quem habita aquelas ruas. Argumento que não é bem recebido pelos proprietários dos restaurantes, uma vez que a clientela que recebem é sobretudo de uma faixa etária adulta, entre os 30 e os 60 anos. “A cinquenta metros daqui temos o Largo de Santos onde costumam estar milhares de jovens, que evidentemente causam reais perturbações como é público e onde a polícia não intervém”, critica Manuel Paradis.
Carla Madeira, presidente da junta de freguesia da Misericórdia, explicou ao i que desde que foi decretada a última fase do desconfinamento muitos estabelecimentos começaram a ter as esplanadas a funcionar até às 2h, mas que o horário da esplanada seria até às 0 horas.
“A junta tem toda a legitimidade para impor a condição de fechar as esplanadas até às 22h30 porque é da competência da junta de freguesia. Adicionalmente, as esplanadas na zona do Poço dos Negros são esplanadas no âmbito de um projeto em conjunto com a junta e com a Câmara Municipal de Lisboa”, explica Carla Madeira. Por outras palavras, isto significa que a medida “não contraria nada do que foi decretado pelo Conselho de Ministros porque a competência das esplanadas, em Lisboa, é das juntas de freguesia”. A presidente deixa claro: “O Governo não definiu nada em áreas fora da competência deles”.
Também na freguesia da Misericórdia, o Bairro Alto tem sido palco de confrontos violentos nos últimos fins de semana, tendo até motivado um grande alarmismo entre moradores que exigem até mais policiamento nas ruas, mas o facto é que aquela zona já não é abrangida pela mesma medida. Segundo a presidente da junta da Misericórdia, o Bairro Alto tem há vários anos, sensivelmente desde 2003, um regulamento específico que determina que as esplanadas podem funcionar até às 0 horas.
*Com Gonçalo Morais