A fuga dos urbanos

As contas podem ser feitas à vontade do freguês, mas o PS perdeu várias capitais de distrito, apesar de ter sido a força política mais votada e com grande diferença para o 2.º, o PSD.

Quem quiser divertir-se com as contas eleitorais pode ir ao site da Comissão Nacional de Eleições e fazer a leitura de acordo com a sua cor política. Está lá tudo, câmara a câmara, até ao total de freguesias. Mas, por mais voltas que se dê, há factos que são indesmentíveis: o PS perdeu eleitorado nos grandes centros urbanos e arredores, enquanto o PSD também não aumentou a sua votação, embora tenha tido uma queda inferior. Daqui se perceberá facilmente que houve muitos eleitores citadinos que optaram por votar no Chega e no Iniciativa Liberal.

No concelho de Lisboa, por exemplo, o partido de André Ventura ficou em quarto lugar em várias freguesias. O que mais deve ter doído ao PS foi, obviamente, ficar sem a capital, mas o mesmo aconteceu no Funchal, Portalegre  – que era de uma independente e onde os socialistas também tinham pretensões de poder ganhar – e Coimbra.

No total, o PSD ganhou mais de 30 câmaras ao PS e só perdeu uma dúzia para os socialistas. Curiosamente, entre as câmaras que os sociais-democratas perderam para os socialistas estão terras que não há muito tempo foram fustigadas por incêndios, nomeadamente Castanheira de Pera, Monchique e Sertã.

Apesar de ser o vencedor em número de votos – com todas as coligações, o PS alcançou mais de 1 milhão 876 mil votos –, em cidades como Cascais, e apesar de se ter apresentado com uma ‘geringonça’ aumentada, o PS perdeu  8756 votos, e em Sintra, apesar de ter mantido a presidência da câmara, contabilizou menos 11.239 votos do que em 2017.

A Grande Lisboa, desta vez, não foi mesmo rosa para os socialistas, apesar de terem conseguido uma vitória inesperada em Loures, onde obtiveram mais mil votos do que no último ato eleitoral autárquico. Também em Almada, onde Inês de Medeiros conseguiu manter a presidência e resistir à aposta comunista em Maria das Dores Meira, os socialistas puderam sorrir.

Outrora uma das grandes forças da política autárquica, o PCP, ou se se quiser, a CDU, viu a sua estrada ficar cada vez mais estreita e curta. Perdeu sete câmaras e teve apenas dois prémios de consolação com a conquista das autarquias de  Barrancos e de Viana do Alentejo.

Quanto ao Chega, apesar de não ter conseguido afirmar-se como a terceira força nacional, surpreendeu com a conquista de 19 mandatos em executivos municipais.

Já o Bloco de Esquerda foi um dos derrotados da noite, ao perder mais de 30 mil votos e passar de 12 para apenas quatro vereadores eleitos, demonstrando que o partido não se consegue implementar no país mais profundo. Teve apenas uma razão par comemorar: o seu primeiro vereador no Porto.

O Iniciativa Liberal não perdeu muitos votos – cerca de três mil – em relação às últimas legislativas, mas não conseguiu arranjar cargo para nenhum dos seus candidatos. A mesma sorte teve o PAN que parece ter sido castigado pela sua filosofia de os animais estarem à frente das pessoas. Se nas últimas legislativas tinha conseguido 174511 votos, agora nas autárquicas não foi além dos 56933 votos – embora tenha tidos mais uns milhares de votos em coligações com o PS.

 

O flagelo da abstenção

Já muito se disse e escreveu sobre os portugueses que prescindem de votar, seja nas legislativas, presidenciais, europeias ou autárquicas. Mas mais de quatro milhões e trezentos mil eleitores preferiram andar por outras paragens que não as mesas de voto. Na noite eleitoral, foram muitos os que já reclamaram a obrigatoriedade do voto. Mas até às próximas eleições é possível que mais ninguém volte a falar do tema.

É sobretudo estranho comparar com as primeiras eleições livres depois do 25 de abril de 1974, onde só pouco mais de 500 mil optaram por não votar.

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