Economistas pouco convencidos com OE

A proposta entregue esta semana pelo Governo não convence os economistas contactados pelo Nascer do SOL, que consideram que o documento é ‘pouco ambicioso’ e propagandista, no que diz respeito ao aumento de rendimentos face à alteração de escalões do IRS. Outra crítica diz respeito às metas estipuladas pelo Executivo, que, acusam, está a ‘apoiar-se…

Eugénio Rosa – "Cópia agravada de Centeno"

«A experiência destes últimos anos mostra que João Leão não tem uma visão estratégica de desenvolvimento para o país e de articular essa visão com uma política de rigor orçamental sem estrangular a economia e a sociedade», refere Eugénio Rosa. Um caminho que, de acordo com o economista, já era seguido por Mário Centeno ao pôr em primeiro lugar «o cumprimento dos ditames de Bruxelas, considerando isso mais importante que os interesses de desenvolvimento do país e o direito dos portugueses a terem uma vida mais digna».

E dá vários exemplos: «Não publica o Decreto-Lei de Execução Orçamental para assim poder fazer o que quiser – é o arbítrio do Ministério das Finanças impera em todo o Estado –, viola as leis através de despachos e circulares, cativa dos orçamentos dos serviços o que quer, adia decisões indefinidamente sobre concursos quer de pessoal quer de aquisições paralisando os serviços públicos. Isto é tudo feito em nome da redução do défice e da dívida publica. Tal como Mário Centeno que deixou uma administração pública degradada, desmotivada, e sem meios, o atual ministro é uma cópia agravada do anterior».

Segundo o economista, ao contrário do que tem sido dito pelo ministro das Finanças e pelo Primeiro-Ministro, a proposta apresentada «não é amiga do investimento» e considera que, mais uma vez, é «dominada pela obsessão em reduzir a dívida pública, já que no ano em que o país procurará sair de uma profunda crise económica e social causada por dois anos de covid, o Governo no lugar de promover e estimular o investimento criador de emprego de riqueza – e fator essencial para a recuperação – quer reduzir a dívida pública em 4,1 pontos percentuais, ou seja, em cerca de 9300 milhões, portanto um valor superior a 26,9% ao investimento público total previsto». 

Um cenário que, no seu entender, é agravado tendo em conta o que se tem passado em anos anteriores. «A experiência tem mostrado que quase 30% do investimento previsto nos orçamentos do Estado são sistematicamente não realizados, com o objetivo de reduzir o défice orçamental». 

Eugénio Rosa diz ainda que ao contrário do que foi afirmado por Mariana Vieira da Silva, este orçamento não «tem uma marca de esquerda» e a que tem «é muito ténue e com reduzido impacto social como o caso da propalada ‘garantia para infância’ que custará apenas 70 milhões».

E os exemplos, de acordo com o economista, não ficam por aqui. O orçamento prevê 148 milhões para atualização regular das pensões, mas tendo em conta o número de pensionistas abrangidos pela Segurança Social (2.966.400) dá um aumento na pensão de 3,56 euros por mês, ou seja, de 0,12 euros por dia. O mesmo cenário repete-se, segundo o mesmo, nos aumentos de 0,9% da função pública, o que corresponde a uma subida de cerca de 15 euros na remuneração média mensal, o que significa 0,5 euros por dia.

Já em relação às alterações nos escalões e taxas do IRS, Eugénio Rosa defende que «são mínimas e com reduzido impacto». E vai mais longe: «O Governo refere que o ´Pacote IRS´ terá um custo de 203 milhões. Mas se analisarmos a evolução da receita de IRS prevista OE para 2022 está previsto um aumento significativo da receita de IRS», referindo que está contemplado que, entre 2021 e 2022, esta receita aumente de 14.390 milhões  para 147.11,6 milhões (mais 321,6 milhões). 

Um aumento que, segundo o mesmo, penaliza os rendimentos dos trabalhadores e dos pensionistas (92%). «Enquanto os rendimentos do trabalho e as pensões continuam sujeitos a uma taxa máxima de 48%, a taxa máxima aplicada aos rendimentos do capital e de propriedade é apenas 28%. Em Portugal, o sistema fiscal penaliza fortemente os rendimentos do trabalho e as pensões, mas premeia a especulação bolsista e imobiliária», afirma. 

Quanto às empresas, o economista diz que as medidas fiscais mais importantes são a eliminação do pagamento especial por conta, que determinará uma perda de receita fiscal avaliada em 10 milhões por ano e a criação de um incentivo fiscal à recuperação, cuja perda de receita está avaliada em 150 milhões por ano. 

«O que falta, pois nesse aspeto há um vazio total são medidas para dotar a administração pública dos meios materiais e humanos para responder as enormes desafios que o país enfrentará nos próximos que vão desde uma utilização e eficiente dos fundos comunitários ate à criação de serviços públicos de qualidade que os portugueses necessitam», refere.

Mas quando questionado se poderemos vir a assistir a uma crise política face à ameaça de chumbo por parte dos partidos de esquerda, o economista refere apenas: «Espero que isso não aconteça», no entanto lembra que «vai depender muito da abertura para aceitar propostas por estes dois partidos que sirvam os interesses de desenvolvimento do país e as necessidades dos portugueses, nomeadamente dos trabalhadores e pensionistas».

João César das Neves – ‘A cena teatral é indispensável’

«Não me parece que haja crise. A cena teatral é indispensável para fazer valer as posições e a influência, mas ninguém quer uma crise política nesta altura e ainda menos ser culpado por uma crise política nesta altura». A garantia foi dada por João César das Neves em relação à posição dos partidos de esquerda em relação à proposta de Orçamento do Estado para o próximo. Quanto ao documento, o economista admite que «a avaliação é ambígua, simultaneamente positiva e negativa».

E garante que OE, por um lado, «é mau porque tem uma carga sobre a economia próxima dos 50% (peso da despesa total no PIB)» e, apesar de elogiar a diminuição do défice ao considerar que «é significativa» é feita de «novo exclusivamente através do aumento de receita e sobretudo da receita dos impostos indiretos, que são os mais injustos».

E acrescenta: «Mais uma vez cria pequenas medidas que geram distorções na economia, sempre com excelentes intenções, mas com efeitos laterais inesperados». No entanto, reconhece que tem algumas medidas boas e revela que «é o melhor que se consegue nas atuais circunstâncias políticas».

César das Neves admite ainda que o Orçamento vai ao encontro das expectativas, uma vez que, mantém a linha de redução do défice, mas chama a atenção que essa prioridade foi substituída «por uma nova linha despesista, apoiada no dinheiro da Europa».

Já em relação à declaração do ministro das Finanças ao considerar que «é bom para os portugueses», o economista diz apenas: «Chamar bom a um orçamento é como chamar boa a uma intervenção cirúrgica. Os ministros das Finanças, que nos tributam sempre furiosamente, nunca conseguem deixar de fingir que são bons e nós ganhamos muito com isso».

Mas vamos a medidas. César das Neves lembra que a carga fiscal, que anda em máximos históricos desde 2013, desce ligeiramente, de 24,5% para 24% do PIB, mas reconhece que se assista a um pequeno alívio no IRS, que no seu entender, «o Governo sublinha para nos fazer esquecer os outros impostos, mas esses impostos que pretende ser justo (apesar de a evasão o tornar injusto). Os impostos como o IVA, que são injustos e mais eficientes, mantêm o peso no PIB e por isso sobem o peso no total da carga fiscal».

Quanto às outras medidas garante que «estão quase totalmente à sombra do PRR, que passou a ser a estrela, quase obsessiva, da política portuguesa» e afirma «de resto temos, como de costume, uma coleção de pequenas medidas que permitem dizer que esses assuntos foram tratados, sem realmente mudar quase nada». E deixa também uma palavra às empresas: «Para o Orçamento as empresas são sempre vistas como caça para esquartejar, por isso elas ficam sempre descontentes. Mas, dada a cena política, até se podem dar por satisfeitas por não ser pior».

Nuno Teles – ‘Não está à altura dos desafios’

Para Nuno Teles, a proposta de Orçamento de Estado «assenta em bases muito otimistas sobre a evolução da economia portuguesa em 2022, prevendo-se um forte crescimento do investimento (+8%) e das exportações (+10%) face às importações (+8,2%)». E, por isso, «se é certo que 2022 será um ano de recuperação dado o confinamento verificado em 2021, o Governo parece esquecer os efeitos profundos da pandemia na economia portuguesa e as incertezas que se colocam na esfera internacional (evolução da pandemia, ruturas de cadeias logísticas, aumento dos preços da energia, etc.».

Para o economista, o documento representa «a continuação de uma atitude bastante complacente por parte do Estado em relação aos mecanismos que preveniram um maior aumento do desemprego face à queda do produto verificada, nomeadamente o aumento do endividamento de empresas e famílias e os mecanismos de layoff».

De acordo com o economista, com o fim destes apoios temporários, «o Governo pretende retomar a contraproducente trajetória de redução do défice numa economia muito periclitante» e garante com salários a crescerem abaixo da inflação, a aposta do Executivo para este período de transição coloca-se nos fundos do PRR. No entanto, reconhece que há algumas exceções, como acontece na habitação. 

«Estes fundos dizem respeito sobretudo a apoios e subsídios a empresas e não a uma intervenção ativa do Estado na produção com efeitos da procura da economia», acrescentando que estes fundos arriscam-se a servir para a capitalização de empresas sobre-endividadas e não efeito aumento do investimento guiado por dinamização de novos e velhos mercados. Será provavelmente insuficiente para uma recuperação económica que consiga segurar o emprego e salários e é, certamente insuficiente para aquilo que o país precisa: um plano de intervenção pública e reestruturação que, ao mesmo tempo que promova o crescimento os diferentes componentes do PIB, afaste Portugal da dependência e vulnerabilidade do turismo e imobiliário, robustecendo as capacidades produtivas nacionais, valorizando o trabalho e reduzindo a desigualdade».

Quanto às mudanças nos escalões de IRS garante que são pequenas alterações e que considera que são «positivas na progressividade, mas muito limitadas» e quanto às medidas de proteção social «com pequenas transferências e a importante gratuidade de creches confirmam a continuidade que este orçamento não está  dos desafios que hoje se colocam ao país».

Nuno Teles dá ainda uma palavra em relação à negociação política em torno do Orçamento, considerando que é sempre alvo de muita especulação e afirma que não tem qualquer ‘palpite’ sobre o desfecho. Mas deixa uma garantia: «Esta proposta parece longínqua do que têm sido as reivindicações dos partidos de esquerda que têm viabilizado os orçamentos».

Ferreira do Amaral – Proposta ‘é boa, para já’

Para João Ferreira do Amaral não há dúvidas: «A proposta de orçamento é equilibrada do ponto de vista macroeconómico e da afetação dos recursos e é ambiciosa em alguns aspetos da redistribuição do rendimento, em particular no combate à pobreza infantil». No entanto, o economista reconhece que, como todas as propostas de Orçamento, há sempre opções alternativas.

Ainda assim, garante que, no seu entender, a proposta «é boa para já», mas reconhece que o Orçamento só pode provar ser bom desde que seja executado. «E aqui é que bate o ponto. No passado, muitas vezes, a execução orçamental desfigurou o que tinha sido aprovado».

Quanto às alterações no IRS, João Ferreira do Amaral garante que não vamos ter um alívio geral significativo da carga fiscal, mas afirma não há condições para isso. E frisa que «alguns estratos de rendimento poderão sentir algum alívio».

Quanto às medidas destinadas às empresas diz apenas: «O ‘esquecimento das empresas’ é mais um slogan da luta política que algo substantivo. A verdade é que vai ser gasto (e ainda bem) muito dinheiro em apoios à recuperação das empresas e ao investimento. Se o ‘esquecimento’ se refere a uma eventual descida do IRC, do meu ponto de vista essa descida só se deve efetivar para empresas que invistam, mas isso já está contemplado nos incentivos».

Quanto a uma eventual crise política, diz que «o que parece é que à partida, através da negociação, há possibilidades de a evitar».