A não aprovação da proposta do Orçamento do Estado já está a ter impacto nas taxas de juro das obrigações portuguesas. Ainda esta sexta-feira, as taxas a dez anos registaram a maior subida desde o início da pandemia ao disparem mais de 30%. Também os juros das obrigações a cinco anos estão em alta em 11 pontos base, embora se mantenham em terreno negativo: -0,146%, de acordo com a Reuters.
E os impactos poderão não ficar por aqui. A imagem e a credibilidade de Portugal vai sair ‘beliscada’ não só junto das entidades internacionais como das agências de rating. Ainda esta semana, a agência de notação financeira Fitch afirmou que «segue muito de perto os desenvolvimentos políticos em Portugal», sem elaborar mais comentário pela proximidade da próxima revisão do ‘rating’ nacional a 12 de novembro.
Uma situação que não é de estranhar já que a Moody’s, em setembro, depois de ter subido o rating português de Baa2 para Baa3 alertou para os fatores que poderiam levar a uma revisão em baixa do rating: um «declínio do apoio político a políticas orçamentais prudentes, incluindo um aumento dos pedidos para maior despesa», acrescentando que «a governança e a eficácia das políticas reflete a implementação, pelas autoridades, da redução de dívida e de reformas económicas estruturais, bem como progressos lentos na abordagem às fragilidades do setor bancário».
Riscos que vão ao encontro dos alertas dos especialistas contactados pelo Nascer do SOL. «O chumbo do Orçamento e as dificuldades governativas não serão certamente neutras para os mercados. Provavelmente, nestes próximos meses, haverá ainda expectativa e poucas mudanças, mas a situação não é de todo favorável a um país tão endividado e, por isso, tão dependente dos mercados», garante João César das Neves.
Também Paulo Rosa, economista do Banco Carregosa, afirma que «as agências de rating, bem como os investidores, não gostam de instabilidade política». De acordo com o responsável, os efeitos já se refletiram nos últimos dias com o prémio de risco de Portugal a subir. No entanto, lembra que «este movimento foi transversal à divida da periferia europeia», referindo que «os prémios de risco de todas as dívidas soberanas têm subido, devido às expectativas de taxas de inflação mais elevadas, bem como ao bom desempenho económico, nesta fase pós-covid».
Uma opinião partilhada por Henrique Tomé, analista da XTB. «O mercado obrigacionista tem reagido ao chumbo do Orçamento do Estado e à instabilidade política que se vive no nosso país, embora o mercado bolsista continue dependente do que se passa nos mercados internacionais».
Uma situação que, no seu entender, é agravada com os desafios económicos que começam a aparecer, como os constrangimentos nas cadeias de fornecimento que «continuam a ser vistos como eventos de risco e que podem comprometer a recuperação económica».
Mas apesar de Henrique Tomé garantir que a curto prazo não existir risco das agências de notação olharem para Portugal de lado, reconhece que «se esta situação se prolongar por demasiado tempo as agências de notação, bem como os investidores poderão começar a olhar para Portugal com outros olhos», afirma ao Nascer do SOL.
E vai mais longe: «Embora o país esteja abrangido pelos fundos europeus – a chamada bazuca europeia – , a falta de consenso político poderá trazer consequências económicas numa altura em que é necessário apresentar rapidamente soluções económicas para que seja estimulada ainda mais a economia nacional, que continua a apresentar um fraco crescimento quando comparamos com outros países europeus».
Também Mário Martins, analista da ActivTrades, apesar de admitir que ainda é cedo para alterações no rating atribuído acredita que «é de esperar o posicionamento do outlook para negativo, enquanto não existe uma definição sobre a situação política nacional». Ainda assim, lembra que, sendo o Orçamento a principal montra de credibilidade para os investidores, «é inevitável uma ligeira penalização, mas que será em grande parte compensada com a intervenção do Banco de Portugal na aquisição de dívida, como tem acontecido».
César das Neves garante que ainda é cedo para falar disso, mas reconhece que Portugal não está longe de enfrentar riscos. «Certamente que as agências de rating irão esperar que a situação política fique mais clara. Mas se e quando reagirem, serão contundentes».
O que poderá piorar?
Apesar do economista garantir que o tempo atual é de grande instabilidade política em todo o lado e, como tal, as nossas dificuldades não se destacam, lembra que tendo em conta «as nossas antigas emergências, esta ‘surpresa’ súbita e desagradável só irá confirmar a ideia de que não somos um país de confiança. Tudo depende sobretudo da capacidade de encontrar uma solução governativa estável rapidamente».
Já para o analista da XTB, o pior cenário seria a atual situação comprometer a captação de investimento estrangeiro, no entanto, reconhece que a instabilidade política também prejudica a imagem do país, sobretudo para os investidores. «Mas é importante notar que já estamos a pagar pela atual situação, os juros da dívida soberana a 10 anos continuam a aumentar a um ritmo preocupante. Numa altura em que o país nunca esteve tão endividado e essa dívida está-se a tornar ainda mais cara».
Também Paulo Rosa lembra que a penalização que poderemos ter por parte das agências de rating irá depender do tempo que a situação demorar e dos impactos que a mesma terá na economia.
«A não aprovação do Orçamento pode implicar uma dissolução da Assembleia da República. Sem produção de legislação, vários assuntos e investimentos poderão ficar pendentes. Além de que um Governo em gestão tem os seus poderes limitados, diminuídos, o que poderá colocar em causa vários projetos», refere o economista do Banco Carregosa.
E os alertas do responsável não ficam por aqui. «Menos investimento penalizará o crescimento económico, agravará o rácio da dívida pública e, consequentemente, a imagem e a nossa classificação de crédito se este cenário se prolongar por muito tempo». No entanto, refere que «não é plausível a eleição de um Parlamento, caso o país vá novamente a votos para as legislativas, que coloque em causa o projeto europeu e os compromissos que o país tem junto dos parceiros europeus».
Mais otimista está Mário Martins, analista da ActivTrades ao garantir que «no curto prazo as consequências serão residuais», referindo que a não aprovação de um Orçamento «não é um evento do outro mundo, faz parte de um regime democrático». E salienta: «A não existência de um Orçamento aprovado, por exemplo, em meados de 2022, isso sim já começaria a causar instabilidade na opinião dos investidores».