Francisco Calheiros: “O que as empresas têm estado a receber não são mais do que meros paliativos”

O presidente da Confederação do Turismo Português mostra-se preocupado com a atual situação política do país, ainda assim, reconhece que o setor não está a ser afetado por esta instabilidade, mas sim porque os apoios que eram previstos chegar às empresas ainda não chegaram.  

Francisco Calheiros afasta a ideia de ter saído da concertação social, lembrando que os parceiros sociais suspenderam a sua participação nas reuniões perante a ‘desconsideração do Governo pelos parceiros sociais’, no entanto, lembra que estes encontros são ‘muito importantes’ para o país e que Portugal tem ganho muito com os acordos que têm conseguido fazer. 

O presidente da Confederação do Turismo Português não quer avançar com um número em relação ao possível aumento do salário mínimo nacional, remetendo esse assunto para a concertação social, preferindo chamar a atenção para a falta de mão-de-obra que afeta o setor.

Disse que é necessário ter um quadro político estável para a economia crescer. Acha que o atual cenário político está a comprometer esse crescimento?

A atual situação do país deixa-me preocupado, sobretudo pelo impacto que possa ter na economia. Mas esta situação política não é inédita. Devemos olhá-la com serenidade, respeitando as instituições democráticas. Da nossa parte, empresários do turismo temos é de continuar a fazer o nosso trabalho para que numa união de esforços consigamos a recuperação da atividade turística.

Mas não escondo que se esta instabilidade política se arrastar por muito tempo e se, entretanto, os apoios ao turismo já há muito definidos e aprovados não chegarem às empresas, aí sim, poderemos ter um novo travão à recuperação da nossa atividade.

Até que ponto esta instabilidade política está a afetar o turismo?

Neste momento o que está a afetar o turismo, especificamente as empresas do turismo, não é a instabilidade política, é sim o facto de ainda estarmos aos poucos a sair da pandemia e das suas graves consequências, mas sem terem chegado às empresas os apoios previstos, nomeadamente os que constam do Programa Recuperar o Turismo, que permitiriam às empresas recapitalizarem-se e estarem mais preparadas para a recuperação da atividade.

É certo que a atual conjuntura política obriga a um compasso de espera em muitas decisões, mas na verdade, os apoios às empresas do turismo estão há muito aprovados, pelo que nada impedirá que cheguem já às empresas.

Começa a notar alguns sinais de recuperação no setor?

Sim, já se começam a sentir alguns sinais positivos. Para já, e conjunturalmente, destaco o facto de os certificados digitais de vacinação possibilitarem hoje viajar com mais segurança, e ao ver que o processo de vacinação está a ter resultados permite-nos olhar para o futuro próximo com alguma esperança.

E de facto a recuperação do turismo já se começa a notar aos poucos. Um exemplo disto é que em setembro, de acordo com o INE, as dormidas de turistas estrangeiros já superaram as dos portugueses pela primeira vez desde que a pandemia começou. Um sinal de que as viagens estão a aumentar e que os turistas estrangeiros continuam a escolher Portugal como destino seguro.

O plano de vacinação deu então um ‘empurrão’ para atrair novamente turistas?

Sim, sem dúvida. A vacinação trouxe confiança e segurança a quem quer viajar e Portugal demonstrou para fora que é um país muito seguro.

Defendeu que 2022 vai marcar o início da recuperação e em 2023 atingirá níveis próximos da pré-pandemia. Acha realmente que vai ser possível?

Se não houver, entretanto, uma inversão na situação da pandemia, eu diria que que em março de 2022 o setor vai retomar a sua atividade normal, com a aproximação do Carnaval e da Páscoa, bem como com o fim do período de época baixa.

Em que situação estão as empresas ligadas a este setor depois desta longa fase de pandemia?

As empresas continuam muito descapitalizadas e a necessitar de apoios que as refortaleçam economicamente para voltarem a investir, a criar emprego e a oferecer toda a qualidade de serviços e produtos que colocou Portugal no topo mundial dos destinos turísticos.

O que mudou no turismo entre final de 2019 até aos dias de hoje?

Em 2020 tivemos o pior número de dormidas desde 1993 e uma quebra na atividade turística na ordem dos 63%. Em 2021, esta quebra deverá situar-se nos 53% em relação ao ano anterior. Ficámos, este ano, longe dos 27 milhões de turistas, dos 70 milhões de dormidas ou dos proveitos globais registados em 2019.

E de acordo com os últimos dados do INE relativos ao mês de agosto deste ano, os proveitos gerais registados nos estabelecimentos de alojamento turístico desceram mais de 19,2%, relativamente a agosto de 2019, tendo o número de hóspedes descido quase 24% e o número de dormidas 22%. Isto são dados terríveis.

Esta quebra abrupta na atividade turística retirou faturação às empresas em muitos casos acima dos 70%, descapitalizou-as e forçou muitas unidades a fechar, com a consequência inevitável de redução de postos de trabalho no turismo. Tudo isto quando o nosso turismo estava a alcançar resultados nunca antes vistos.

Portugal estava já no top mundial, em vários segmentos, e não apenas no chamado turismo de sol e praia. O turismo em Portugal é hoje muito mais diversificado, geograficamente e em termos de oferta. Mas quero ser positivo e acredito que vamos conseguir voltar aos níveis pré-pandemia.

Qual era o peso do setor nesse ano e qual é o atual?

Entre 2019 e 2020 – que são os dados mais atuais – o setor das viagens e turismo teve uma quebra de 49,1% no seu contributo para o Produto Interno Bruto (PIB) nacional, sendo que em 2019 o peso do turismo no PIB foi de 14% tendo descido para metade em 2020.

Depois do ‘país fechado’ enfrentam agora o aumento dos preços da energia e dos combustíveis. Até que ponto pode ainda afetar mais as empresas?

Os custos de contexto, como os que refere, estão a afetar de forma exponencial a competitividade do turismo, numa altura em que esta atividade económica, fundamental para a geração de riqueza e emprego, necessita de se refortalecer para recuperar destes quase dois anos de pandemia.

Só não afetarão mais se vierem a encontrar-se mecanismos de compensação para ajudar as empresas a suportar o aumento de preço da energia elétrica, que tem um peso relevante na nossa estrutura de custos. Também o preço elevado dos combustíveis tem um impacto muito significativo nas empresas, pelo que a CTP tem defendido a redução significativa dos impostos sobre os combustíveis.

Continua a existir um grande esforço para manter os milhares postos de trabalho do setor?

O objetivo das empresas do turismo é manter os postos de trabalho, mas contribuir também para a criação de mais emprego e também para uma maior requalificação e especialização dos recursos humanos. Aliás, estes são objetivos que constam da ‘Agenda Acelerar e Transformar o Turismo’ que um consórcio empresarial e académico, que reúne empresas da área do turismo, universidades e instituições tecnológicas, suportado pelo Turismo de Portugal e a Confederação do Turismo de Portugal, entregou ao Governo em resposta ao convite à manifestação de interesse para desenvolvimento de projetos no âmbito do PRR – Plano de Recuperação e Resiliência.

É imprescindível que esta agenda venha a ser aprovada, já que se trata de uma agenda mobilizadora que visa obter apoio financeiro a projetos que no global estão avaliados em 145 milhões de euros. Projetos de investigação e desenvolvimento, inovação, transformação digital e transição climática, na área do turismo, que pretendem cumprir os eixos definidos no PRR e concretizar os objetivos do Plano de Reativação do Turismo.

Agora com alguma recuperação, o setor queixa-se de falta de mão-de-obra qualificada. Como vê esta questão?

Continua a haver falta de mão-de-obra, e não é só de recursos humanos qualificados. É uma questão que continua a ser prioritária para a atividade do turismo. Estamos atentos, estamos a estudá-la para encontrar as melhores soluções. Mas estamos em crer que com a retoma do turismo, voltando a ser uma atividade atrativa e garantindo uma subida média de salários – de acordo com o perfil de profissionais necessários – que a mão-de-obra deixará de ser uma preocupação.

Disse que há medidas fundamentais de capitalização das empresas, instrumentos financeiros, que não saíram do papel e que devem ser prioridade do próximo Governo. Que medidas são essas e que impacto podem ter?

Falo sobretudo do Programa Recuperar o Turismo, um plano que prevê um investimento superior a 6 mil milhões de euros, dos quais 4 mil milhões de euros são para as empresas.

Apoios que devem chegar urgentemente às empresas. São estes apoios estratégicos que permitirão recapitalizar as empresas e devolver-lhes a capacidade de investir, de criar emprego e de tornar a fazer do Turismo a atividade mais dinâmica, mais exportadora e mais competitiva da economia nacional.

Mas para isto é também necessário que exista uma redução da carga fiscal, que se aposte fortemente na promoção externa e que se decida finalmente em avançar com um novo aeroporto na região da Grande Lisboa.

O Governo deveria ter ido mais além nas medidas que foram tomadas na ajuda ao setor?

No início da pandemia, as medidas tomadas no imediato foram as necessárias, mas agora o Governo já deveria ter feito chegar às empresas os apoios estruturantes definidos e aprovados. O que as empresas têm estado a receber são apoios insuficientes e pontuais que mais não são do que meros paliativos.

A CTP foi uma das confederações que suspendeu a sua participação na concertação social. Esta saída era inevitável?

Deixe-me primeiro que tudo esclarecer um ponto: as confederações não saíram da concertação social. Como já foi explicado na altura, a decisão foi suspender a participação nas reuniões da Concertação Social perante a “desconsideração do Governo pelos parceiros sociais” na discussão sobre a Agenda do Trabalho Digno.

Está disponível para regressar à mesa de negociações?

A CTP não abandonou nem abandona a concertação social. Até porque a concertação social é muito importante para o país, tem muito valor e o país tem ganho muito com os acordos que se têm conseguido fazer em sede de concertação. A CTP quer sempre fazer parte da solução e não do problema.
 
A concertação social corre o risco de perder o peso e a importância que tinha até aqui?

A concertação social deve é ser reforçada, deve ter um papel cada vez mais importante.

O Governo já garantiu que o aumento do salário mínimo nacional é para avançar. Como vê esta posição?

Essa é um tema para continuar a discutir em sede de concertação social, que é o lugar próprio para debater esta questão.

Qual na sua opinião deveria ser o aumento do salário mínimo nacional desejável e comportável para as empresas?

Como lhe disse, é em sede de concertação social que a CTP abordará esse assunto.