O tiro até pareceu ter sido disparado sem querer. Mas que doeu, doeu. Na quarta-feira à noite, na Grande Entrevista da RTP, Rui Rio disse que Paulo Rangel «não está preparado para ser primeiro-ministro». «Rangel não sabia que íamos ter eleições em janeiro de 2022. Quando propõe candidatar-se [ao PSD] estava a pensar que tinha dois anos para se preparar. Não está preparado [para ser primeiro-ministro]». A frase saiu-lhe disparada minutos depois de justificar por que razão rejeitou participar em debates ou fazer campanha interna pública contra Paulo Rangel. O líder voltou a reiterar que predispor-se a debater em público com o seu adversário interno só daria a António Costa mais argumentos contra ambos e contra o próprio partido.
Rio lembrou, aliás, o que aconteceu na campanha interna do PSque envolveu António Costa e António José Seguro – e os debates entre ambos – para reafirmar a sua posição, segundo a qual a troca de acusações e críticas entre candidatos do mesmo partido só fragilizam o próprio partido, independentemente de quem venha a ser o seu líder, e beneficiam os seus adversários externos. E daí que se recuse a participar nesse ‘espetáculo’ de troca de acusações com Rangel.
Mas, sem querer – ou não… –, Rio acabaria por fazer minutos depois exatamente aquilo que rejeitara, acusando Rangel de «não estar preparado para ser primeiro-ministro», como ele próprio assumiu que não estava preparado três meses depois de ter assumido a liderança do partido, sendo que agora ainda há a agravante de, neste período, ainda haver uma disputa interna pela liderança.
‘Apanhado na curva’ pelo jornalista Vítor Gonçalves – que o confrontou com a incoerência –, Rio petrificou. Mas depois de um silêncio sepulcral, veio a assunção do erro: «Está a ver como tenho razão? Acabei de usar um argumento contra ele, que vai favorecer António Costa». Não obstante o mea culpa, acrescentou: «O que está aqui em causa é estabelecermos um paralelo entre um candidato que está há quatro anos, que fez um trajeto coerente, que sabe o que quer, ou então alguém que aparece agora. Sempre que alguém se propôs a eleições a um, dois, três meses, perdeu. (…) Não se chega ao povo e diz assim: ‘Estou aqui há 60 dias, votem em mim».
Mesmo que não intencional, o tiro acertou em cheio no alvo. Tanto que a máquina rangelista abanou e Rangel não deu grandes sinais de retaliação sobre a bala que traz cravada ao peito.
Aliás, só depois do fundador e militante número 1 do PSD, Francisco Pinto Balsemão ter declarado em entrevista à Antena1 que, desta vez, não tomaria posição pública por considerar que ambos os candidatos «são muito válidos», Rangel respondeu ontem finalmente a Rio: «Isso significa que pelo menos ele acha que eu estou preparado para ser primeiro-ministro, senão naturalmente a sua recomendação seria outra».
Confrontado diretamente pelos jornalistas com a crítica de Rui Rio, segundo a qual não estará preparado para ser primeiro-ministro, Rangel acrescentou: «Não pode ser uma pessoa a decretar quem está ou não está preparado. São os militantes do PSD e os cidadãos portugueses que vão fazer essa escolha».
Recorde-se que nas duas últimas eleições diretas no PSD, Francisco Balsemão esteve ao lado de Rui Rio, contra Pedro Santana Lopes em 2018 e contra Luís Montenegro em 2020.
Na entrevista à RDP, Francisco Balsemão congratulou-se com o facto de que «os partidos estejam agitados», pois, frisou, «é sinal de que não adormeceram». Na mesma entrevista, Balsemão demonstrou ver com maus olhos qualquer entendimento com partidos dos extremos – ou seja, PCP e BE à esquerda e Chega à direita – e admitiu possíveis coligações tanto com o PS, como com o IL e o CDS. «Dos que estão mais perto, vejo o PS como um grande partido e alguns mais pequenos como a IL e o CDS. Digo por essa ordem porque temo que o CDS fique em lugar inferior à Iniciativa Liberal nas próximas eleições». Aproveitou, ainda, para situar o PSD ao «centro, centro-esquerda», tal como o faz Rui Rio. Mas não deixou de lamentar a ausência de debates internos no seu partido, neste caso alinhando com a posição assumida por Paulo Rangel e contrariada por Rui Rio.
Para o líder do partido, a prioridade são mesmo as legislativas e, por isso, a máquina partidária em que continua a apoiar-se está já focada na elaboração do programa eleitoral que o PSD, consigo na liderança, apresentará para as eleições de 30 de janeiro de 2022, na definição da estratégia e da campanha eleitoral e na formação das listas de candidatos.
Rio já trabalha nas listas de candidatos a deputados
O Nascer do SOL confirmou junto de colaboradores próximos de Rui Rio que este, inclusivamente, já tem vários nomes definidos para cabeças de lista dos sociais-democratas nas próximas legislativas.
«Este trabalho tem de ser feito e está a ser feito. Depois se verá quem ganha as diretas e o vencedor fará o que entender com tudo o que o partido não pode deixar de preparar», disse ao Nascer do SOL uma fonte próxima de Rio.
Rio está a fundo na preparação do PSD para as eleições legislativas – arrumando, oleando e limando a máquina e o programa a todo o gás. Todos os seus esforços se mobilizam nesse sentido: segundo o próprio, só assim alguém poderá estar preparado para exercer o cargo de primeiro-ministro. «Se eu não estiver preparado não me interessa nada ganhar o partido porque vou perder a seguir as legislativas. Mas mal fora se não estivesse preparado», afirmou na entrevista à RTP.
Nesta lógica, assume que o programa que irá apresentar ao país já está avançado sobretudo por estar a trabalhá-lo «há quatro anos». «Paulo Rangel tem duas pessoas para fazer o programa. Eu não tenho duas, ando há quatro anos com umas centenas. Mas, mesmo assim, isto tem de ser bem feito. O que é útil para o partido, mais do que andar a guerrear-me com Paulo Rangel, é assumir a posição de presidente do partido e liderança de oposição».
Entre as prioridades, Rio destacou «mais e melhores empregos». Ainda, procurará melhorar os serviços públicos e reduzir a carga fiscal no IRC e no IRS. «A carga fiscal vai baixar e no programa eleitoral tem de estar claro em quanto, tenho de saber responder a isso, qual a folga orçamental que o crescimento nominal do produto vai ter, qual quero usar nesta redução e qual a parte destinada ao IRC e IRS».
Acusado de a sua ausência na campanha interna ser um desrespeito aos militantes, Rio nega. Para si, o facto de estar envolvido em lides políticas desde os 16 anos e de ter exercido vários cargos públicos é o suficiente para os militantes já o conhecerem. «As pessoas conhecem-me há muito tempo e estão em condições de avaliar o que tem de ser avaliado».
Rangel soma apoios
Apesar da demora na resposta a Rio, Paulo Rangel continua a sua campanha interna – esta semana foi à Madeira – e a somar apoios de pesos-pesados sociais-democratas.
O antigo ministro da Defesa José Pedro Aguiar-Branco saiu a terreiro em defesa de Rangel, por considerar que este tem «mais capacidade para fazer uma afirmação clara e inequívoca do partido em relação à governação do PS».
Aguiar-Branco mostrou-se surpreendido com o facto de Rio ter rejeitado os debates internos, notando que estes «nunca são prejudiciais em democracia, que vive do confronto de ideias».
Também do Porto, a deputada e presidente da distrital dos TSD portuenses, Carla Barros declarou o seu apoio ao eurodeputado, manifestando-se disponível para colaborar com «contributos setoriais» para o programa eleitoral docandidato.
Recorde-se que Rangel entregou a coordenação do seu programa eleitoral ao ex-ministro de Passos Coelho, Miguel Poiares Maduro.
Paulo Rangel prossegue hoje o seu périplo pelo país, com uma visita a Portalegre, onde estará na feira da castanha e manterá um encontro com militantes do distrito antes de participar numa iniciativa da JSD local em que estará também Rui Rio. Sem debate, obviamente.