Quer pôr a Ordem dos Economistas na rota das decisões e ajudar o país na definição de um crescimento económico que dê frutos, ao contrário do que tem acontecido nos últimos anos. Pedro Reis garante que é preciso respostas em relação ao que tem sido feito até agora: «A sociedade, a economia e as empresas têm o direito de exigir de saber porque é que estamos a seguir determinado caminho, para onde estão a ir os nossos impostos, qual o impacto real das decisões que estão a ser tomadas». Quanto ao facto de avançar para a corrida à Ordem, remete para uma decisão semelhante à de quando aceitou a liderança da AICEP: «Entendi que o país estava numa situação absolutamente crítica, difícil e, com o meu percurso de empresas, do setor privado, podia ajudar a causa pública».
Como surgiu a ideia de avançar com a candidatura à Ordem dos Economistas?
Num momento decisivo da economia portuguesa e até do país é fundamental uma instituição como a Ordem – que tem um espaço próprio, independência e responsabilidade – seja capaz de se renovar, reafirmar e repensar. Curiosamente, isso está alinhado com o que se passa no país, até no mundo e na economia. A Ordem não pode passar ao lado deste processo.
Isso tem acontecido nos últimos anos?
A Ordem tem desempenhado o seu papel dentro de um certo estilo, de uma certa agenda e de um certo programa. Mas é possível ajustar um novo ciclo a um novo estilo, principalmente num momento decisivo em que temos que repensar o nosso modelo económico, em que há desafios transformacionais para a economia portuguesa e europeia e em que há um pacote de fundos a aplicar. E das duas uma: ou é um pretexto para mudar o paradigma ou é uma oportunidade perdida. Custar-me-ia que a Ordem não tivesse um papel importante na dinamização da discussão pública, na elevação do debate e na profundidade da reflexão. A primeira razão que me fez avançar com a candidatura é servir – através da Ordem – o país. Hoje em dia, cada vez mais, respira-se robustez, precisa-se da saúde e da vitalidade das instituições.
Isso implica mudar a Ordem tal como está?
Para introduzir dinâmica, atração e para rejuvenescer a Ordem é absolutamente determinante trazer jovens. Quem estiver sintonizado com as novas gerações está a ler bem a agenda fundamental. Um dos grandes desafios que tenho é conseguir, ao longo do mandato, se for eleito, trazer para a Ordem mais gente nova, muito válida, belíssimos economistas e gestores que têm carreiras e percursos muito diversificados, que estão cá nas suas carreiras académicas, na sua vida profissional, que estão no estrangeiro, estrangeiros que estão a exercer a sua atividade em Portugal e que podem ser membros. Toda essa gente representa ativos fundamentais se quisermos relançar e dinamizar a Ordem.
Estão neste momento de costas voltadas para a Ordem?
Não colocaria a expressão de costas voltadas. Diria que não estão de olhos postos. São situações diferentes. A obrigação das instituições é dar-lhes o pretexto, as obrigações e as razões para que ponham os olhos na Ordem e, através deles, melhorarem o olhar da Ordem sobre a sociedade e sobre a economia. É esta dinâmica que gostaria de trazer e acredito que com uma equipa muito profissionalizada como trazemos, muito jovem mas também muito eclética e muito diversificada, pode rasgar novos horizontes. Há outro aspeto que é possível dinamizar que é o da temática. Ou seja, a Ordem, com os seus 10 mil membros e com a sua orgânica própria tem especialistas muito qualificados nas várias temáticas que hoje em dia são colocadas: seja ao nível da economia pública, seja ao nível da micro economia ou da vida das empresas. Isto significa que, quando falamos de temas como o da sustentabilidade, digitalização, dívida, equilíbrio orçamental, modelo de crescimento económico, fronteiras e desafios da competitividade, existem essas especialidades dentro da Ordem. O que é preciso é tirar ainda mais partido destes grandes profissionais para fazer uma caminhada mais ativa em relação ao posicionamento destas discussões e depois articulando-as com a agenda institucional. Estou convencido e tenho tido sinais muito estimulantes para introduzir na Ordem a discussão dessas matérias e nos temas em que pode ajudar Portugal a ser transformador, que é o que precisamos na nossa economia.
E como pode ajudar?
Há duas maneiras de trabalhar essa informação para que tenha valor acrescentado para os decisores ou para os eleitores ou para os cidadãos, contribuintes, investidores. Para se esclarecer é preciso digerir. A Ordem, com a sua capacidade interna de conhecimento – imagine o que é o valor acrescentado e acumulado de 10 mil economistas e gestores, e estou convencido que podemos trazer mais umas centenas ao longo do mandato – pode ajudar na interpretação, na descodificação da informação dos dados, das tendências e dos acontecimentos. Por outro lado, também pode, de certa maneira, ao trabalhar essa informação, encontrar padrões, tentar descortinar tendências e ajudar a marcar a agenda. Dou um exemplo concreto, um de macro e um de micro, sem falar nos custos de contexto. É incontornável que, de uma vez por todas, seja trabalhado em Portugal o tema da produtividade que leva à competitividade, o que ajuda à internacionalização, o que permite o ganho de escala e o que implica a capitalização. Esse circuito é absolutamente decisivo.
É uma pescadinha de rabo na boca…
Mas o que é preciso é libertar esse peixinho. Ou seja, em vez de ter o rabo na boca tem que ter a cabeça orientada para o futuro, seguir a maré do mundo. A Ordem, ao trabalhar esta cadeia decisiva de valor das empresas, pode dar uma ajuda determinante para sensibilizar ao nível de políticas públicas, ao nível de aplicação do PRR, ao nível do diálogo com a Comissão Europeia. A nível macro, por exemplo, há o tema da sustentabilidade. Primeiro, a sustentabilidade da dívida nacional. Ou seja, a dívida pública, a dívida das famílias, das empresas. Sabemos hoje que a sustentabilidade só é atingível pelo crescimento, não há outro caminho possível. Mas esse crescimento tem vários modelos que podemos encontrar e claramente, em 20 anos de crescimento anémico, andamos a errar a mira, só pode. Convém que, pelo menos, cheguemos a acordo em relação ao diagnóstico, caso contrário nunca mais passamos à implementação. E aí a Ordem pode ter um papel preponderante em consubstanciar as recomendações que faz e as propostas que disponibiliza à sociedade e ao país para explicar, por exemplo, que um crescimento baseado nas exportações, na internacionalização, no investimento privado é mais saudável e liberta forças muito mais virtuosas do que aquele que é baseado no consumo público e no consumo público-privado.
E em vez da atribuição de subsídios…
Exatamente. O que está a faltar aqui e o que é que nos pode ajudar a focar como país e como economia? Um trabalho que a Ordem pode fazer – não sozinha, mas fazendo parte desse movimento – é de abrir, de arejar o discurso e retirar essas discussões da demagogia, da ideologia, da infantilização, colocando a discussão onde deve estar que é com argumentos racionais. Um aspeto que é paradigmático – vejo acontecer em outros países, mas em Portugal há um enorme caminho a trilhar – é oferecermos para a discussão pública argumentos e uma análise de custo-benefício das políticas públicas. Já pagamos demasiado em impostos para fazê-lo de uma maneira anestesiada. A sociedade, a economia e as empresas têm o direito a exigir em saber porque é que estamos a seguir determinado caminho, para onde estão a ir os nossos impostos, qual o impacto real das decisões que estão a ser tomadas, qual o efeito custo benefício estratégico, qual o encaixe estratégico de cada medida que às vezes nos parece isolada, contraditória. O trabalho da Ordem pode ajudar a dar consistência, estabilidade, serenidade e racionalidade nessas decisões. O meu objetivo é que essa agenda não se esgote no dia das eleições. O meu compromisso com os membros da Ordem – seja com os que estão, seja com os que queiram entrar – é mostrar-lhes que o o dia 3 de dezembro é o começo da caminhada e não o final de uma maratona. Acho que é possível dinamizar e aproximar esta agenda dinâmica, de mobilização, de estudo, de análise, de encontros, trazendo gente de fora, de outros países e olhar para as temáticas da atração do investimento local. Porque é que concorro? Porque entendo que quando se pode, na vida, com custo sempre elevado em conforto e exposição, se deve dar o nosso contributo. Acredito que devemos devolver à sociedade aquilo que a vida nos foi dando. É a maneira que tenho de retribuir, tal como fiz na AICEP há 10 anos. Porque é que aceitei ser presidente da AICEP? Entendi que o país estava numa situação absolutamente crítica, difícil e, com o meu percurso de empresas do setor privado, achei que podia ajudar a causa pública, ajudar as empresas que conhecia tão bem a encontrar mercados externos, a promover a sua internacionalização e a captar investimento externo que era o que o país mais precisava naquele momento. Hoje, de certa maneira, acontece o mesmo, numa situação diferente e num ciclo diferente mas há aspetos que se mantêm. Mais uma vez encontro o país numa bifurcação, encontro as pessoas muito perdidas.
Desmotivadas…
Muita desmotivação, desnorteamento. Parece que existe uma certa orfandade de orientação, de mobilização e de projeto para o país. Isto vai muito além da política. Mas também envolve a política. Acho que a Ordem também tem aí o seu papel e se eu, humildemente, for eleito Bastonário – fazendo uma renovação serena, não acredito nada em ruturas, não percebo como é que se pode defender ruturas em cima de uma instituição extraordinária como é a Ordem – acredito que é possível reciclar, renovar. E deve fazer-se isso porque os tempos mudaram e o mundo acelerou. O mundo está todo diferente, as economias estão todas diferentes, mas é assim que acredito na vida: em evoluções ambiciosas.
A sua experiência como presidente da AICEP pode dar uma ajuda?
Acho que sim, mas vejo isto, mais uma vez, sempre como um trabalho de equipa. Ou seja, entre os históricos que estão na Ordem, entre os que estão disponíveis para dar um contributo ainda mais próximo e mais ativo e entre os novos que vão entrar – e já tenho dezenas, para não dizer centenas, que dizem que vão aderir se for eleito – acho que isto pode introduzir uma energia extremamente positiva na Ordem. E, com isso, contaminar positivamente a agenda das instituições públicas, nomeadamente no tema da economia.
Com as eleições a 3 de dezembro, significa que a casa está organizada para o novo ciclo, nomeadamente em relação ao próximo Orçamento do Estado?
Acho que sim. A Ordem deve ter e pode ter um olhar sobre as recomendações de traves mestras que um Orçamento deve ter. Além do leilão que se faz anualmente de medidas, além da negociação de compromissos, gostava de ver o Orçamento como uma peça de uma estratégia de longo prazo. E a Ordem, justamente com a sua densidade e espessura técnica pode ajudar. Os desafios estão lá. Não é preciso conhecer-se a peça específica do Orçamento para poder fazer recomendações sobre os eixos de desenvolvimento do país e sobre o novo paradigma de crescimento.
Cada ano o Orçamento muda, não há a tal previsibilidade que tantas vezes se pede…
É curioso. Acho que temos aí um problema até bipolar. Ou seja, o Orçamento muda demasiado e não muda o suficiente. Parece uma contradição mas não é. Muda demasiado onde não devia mudar. Dou um exemplo concreto: regime fiscal, enquadramento para a competitividade e atração do investimento. Se calhar não devia mudar tanto ao sabor da tal negociação/leilão das medidas, de cargas ideológicas e oportunismos de agenda. Devia haver uma estabilidade, pelo menos, para preservar a previsibilidade dos investidores. Por outro lado, o tema das novas fronteiras em que Portugal se pode posicionar, o tema da sustentabilidade, da economia verde, azul, circular deveria ser disruptivo e deveríamos estar à frente face ao que se faz pelo mundo fora. Será que fomos suficientemente longe? Aí não mudou o suficiente o Orçamento. Quando olho para estes orçamentos – vou pôr no plural para anestesiar um pouco – tenho dificuldade, e o mesmo acontece com muitos economistas que tenho ouvido e muitos empresários e gestores, em perceber como é que daqui a uns anos estaremos diferentes. Como é que teremos dado aquele salto incremental e transformacional que precisamos para devolver esperança às pessoas e confiança aos investidores. É mais do mesmo. Por um lado, somos frenéticos a mexer em determinados aspetos para capturar receita para alimentar a despesa que é excessiva e, por outro lado, somos tímidos a discutir e a implementar um modelo novo de economia muito mais sustentável.
Há alguma resistência e talvez daí os Governos não irem por esse caminho…
Por isso mesmo é que a Ordem tem um papel determinante. Acredito muito no modelo colaborativo, desde que esse modelo seja uma união de esforços complementares e qualificados, em vez de preponderar o mínimo denominador comum. Ou seja, se o colaborativo for um entendimento a nível institucional que não é acomodatício e diz: ‘Não estamos a crescer tanto quando devíamos. Não estamos a crescer tanto como os nossos parceiros europeus’ então esse encontro de vontades é prodigioso. Se for um modelo colaborativo, em que acredito, com o peso devido do setor privado, com o peso devido da academia, em que o Estado olha para o seu cidadão, para o seu contribuinte, para o seu eleitor, para o seu utilizador, com a razão de ser da sua existência, em que é obrigado a focar-se, em vez de olhar com apetite, mas olha com disponibilidade, com apetência para ter um melhor nível de serviço, para devolver às pessoas aquilo que lhe estão a dar com voto de confiança inter-gerações, para explicar que o dinheiro delas está a ser bem aplicado, então aí mostra superioridade e arejo de estar disponível para estudar modelos diferentes de colaboração com o setor privado, desde que as pessoas não sejam penalizadas. O problema é que há certos estigmas que nos inibem de fazer a discussão certa no país. As pessoas, hoje em dia, já estão muito além da discussão política. Estou profundamente convencido disso. As pessoas querem discutir como é que podemos ter uma economia mais competitiva, como podemos tirar o Estado da frente e de cima porque assim não conseguem investir, como é que combatem a burocracia. Acredito num voto de confiança entre o investidor, as empresas e o Estado com aprovações tácitas e depois, com certeza, com uma regulação forte e independente para supervisionar o que foi feito.
O problema deste Governo é ter estado nos últimos anos a ser apoiado por partidos de esquerda, em que muitas as vezes as empresas são vistas como uma espécie de ‘inimigas’?
Acho que há uma desconfiança e uma carga de pressão em cima das empresas e do setor privado que não é positivo para lubrificar o verdadeiro motor da economia. Muitas vezes, as pessoas dizem que ‘é para satisfazer o capital’, mas não é. As empresas são criadoras de emprego e geradoras de mobilidade social. São as bases do bem-estar das sociedades. Acarinharmos as empresas e o setor privado é tratar do futuro de todos porque não há outra forma de financiar a Segurança Social. Não há outra forma de financiar a sociedade, nem há outra forma até de assegurar a igualdade de oportunidades que não seja por uma economia saudável. Nunca vi um país demasiado dependente do Estado ou que não cresça em décadas ou que tenha uma dívida asfixiante poder tratar dos mais desfavorecidos, dos mais novos e dos mais velhos. Não se consegue chegar a tudo. De uma vez por todas acho que era importante percebermos que tem de existir uma associação virtuosa entre o Estado e o papel que tem nas suas funções soberanas, nas funções de regulador, nas funções de cuidar dos mais desfavorecidos, mas também poder dar a mão ao setor privado e procurar modelos com plasticidade, com equilíbrio, com moderação, mas que deixe respirar o setor privado a favor de todos.
Até em termos salariais, em todos os Orçamentos vê-se a diferença entre o privado e o público…
Gosto muito desta discussão. Em relação à administração pública vi gente absolutamente espantosa, que ia muito além do que era obrigada a fazer por contrato, tanto na AICEP, como em outros organismos com quem lidei. Fiquei com um enorme e profundo respeito pela administração pública.
Não é o tal elefante na sala?
Não, e vi gente tão boa na administração pública como vejo no setor privado. Sinceramente, em 30 anos de carreira – tenho 25 do setor privado e cinco da administração pública – vi muito do melhor que existe no setor privado pelo mundo fora, mas também encontrei na administração pública portuguesa pessoas altamente qualificadas. Por isso, estou à espera que me expliquem e que me convençam que estes modelos que são asfixiantes para o setor privado – isto se acreditarmos que o crescimento tem de vir do setor privado, das exportações, das internacionalizações e do investimento e até do consumo privado em conta e medida e não baseado em dívida – com essa carga fiscal perfeitamente desmobilizadora pode patrocinar, financiar, acelerar a requalificar a administração pública. Não precisamos que o PRR encha a administração pública de computadores.
A tal digitalização….
Mas devemos apostar na digitalização de processos, na qualificação das pessoas, precisamos de mobilidade de carreira, de uma gestão por objetivos e de prémios variáveis com base na meritocracia. Precisamos de rejuvenescer a administração pública. Estou convencido de que se tivéssemos alinhados os objetivos da função pública com os do país, e sabendo cativar os melhores através de progressão de carreiras, com perspetivas de carreira, com condições financeiras, estaríamos melhor. Se a administração pública se mobilizar e nos ajudar a dar saltos a incrementar os tais níveis de serviço porque é que não hão de ganhar mais?
Ou com a atribuição de prémios…
Sim. Porque é que temos essas fronteiras invisíveis e esses estigmas que não permitem mobilizar a função pública? Mesmo esse tema da administração pública, às vezes vejo colocado como se fosse uma alternativa sem vasos comunicantes: ou vamos apostar no setor privado ou vamos apostar no setor público. Não compro isso.
No caso da bazuca viu-se isso. Uma grande aposta no Estado, mas depois foi acenado que os privados iriam beneficiar com os concursos públicos…
Claramente que o balanceamento que está feito – e, agora que está feito, temos é que de nos focar em implementar bem – entre o setor privado e o setor público está desequilibrado. Continuo a acreditar no tal círculo virtuoso, em que há uma aposta no crescimento, nas exportações, na internacionalização, na capitalização, na escala, na inovação e na qualificação que se iria multiplicar ao longo do tempo. Como tal, acredito que se o PRR tivesse sido mais colocado no setor privado – não estou a inventar nada, basta olhar para a Grécia e para a Espanha, que têm um modelo em que chamaram o setor privado, dando os pesos que acharam fundamentais para gerar um crescimento mais acelerado – por cada unidade de investimento no privado iria obrigá-lo a trazer mais investimento. Mas tem é de se acreditar neste modelo. Estou convencido que cada incremento no PIB via setor privado representa mais receita fiscal. Mas esta não é por sacrifício dos agentes atuais, que já não têm como respirar. Agora se houver menor carga fiscal, acompanhada até com reduções de impostos muito direcionados para o investimento e para novos projetos, irá gerar maior dinamização económica. Está provado, os modelos estão aí. Se calhar por cada ponto percentual de crescimento do PIB iria gerar mais 0,3% ou 0,4% de receita fiscal e até reduzir o défice orçamental. Esse é um modelo virtuoso. Com o outro modelo estamos sempre atrás da nossa própria cauda. Quantos mais anos precisamos para perceber isso? Mais 20 anos?
Até aqui a receita tem sido sempre a mesma…
Exato. Estamos sempre a discutir o mesmo. E a evidência mostra que este crescimento não chega. Talvez esteja na hora de mudar a receita.
No programa também fala no desafio do crescimento demográfico…
Temos um envelhecimento acelerado da população, temos a emigração de jovens – uma coisa é a emigração voluntária, outra coisa é a emigração forçada por falta de perspetivas e aí é muito perigoso e preocupante para uma sociedade, como é o nosso caso –, temos o problema da sustentabilidade da Segurança Social e agora estamos a assistir ao último problema que as nossas empresas precisavam que é a falta de mão-de-obra qualificada. Ando todas as semanas pelo país a ouvir empresas e o que sinto é uma preocupação extrema porque não há mão-de-obra qualificada para aquilo que precisam, o que é um dilema escusado e trágico neste momento. Então com as empresas a saírem da pandemia precisam de relançar as suas produções e não têm gente para trabalhar? Isso é terrível. O problema é um bocadinho como o clima: podemos não querer ver mas já está aí a chegar. São os tais problemas estruturais de fundo que temos de confrontar desde já. E isso é confrontado com quê? Atraindo gente nova, apostando a longo prazo em políticas de natalidade, ver como se pode captar imigrantes para Portugal, nomeadamente gente qualificada de outros continentes. Acredito que isso seja possível desde que se sinalize com uma base consistente e ativa. Há políticas pensadas para isso. Claramente é um país que se posiciona bem – pode ser um hub de desenvolvimento na inovação, em startups, em universidades de ponta, em desenvolver temas como o mar – e isso também atrai pessoas novas e ao trazer gente nova começa aos poucos a contrabalançar o problema demográfico. Gosto muito que sejamos a Florida da Europa, ainda por cima hoje em dia vive-se até muito mais tarde com qualidade de vida e com capacidade de consumo e investimento – que venham todos. Mas também acho que podemos ser a Califórnia da Europa, que é esse tal ecossistema dos projetos novos, de inovação, de empresas mais pequenas, mais dinâmicas, mais versáteis. Isto conjuga bem com o interior. Temos hoje em dia infraestruturas, sistemas de comunicação e logística, com o enquadramento das instituições, de universidades, de outras empresas e cadeias de valor, podemos fazer essa captação. Temos uma distância que em termos físicos é irrelevante quando comparado com outros países. Também podemos ter serviços partilhados que estão muito na linha do mundo de hoje até porque acho que vai haver uma pulverização muito maior com os modelos de trabalho que foram criados com a pandemia. Isto mostra que temos o argumentário todo para trazer muito mais gente nova e mantê-los em Portugal. E uma das maneiras de responder é com incentivos financeiros, com benefícios fiscais, com políticas de fomento da formação e de qualificação das pessoas. Não vejo outra maneira de aproximação entre investigação e inovação. Se implementarmos políticas deste tipo, os resultados vão-se ver a tempo. Mas depois também temos de ter consistência. Às vezes, em Portugal somos muito frenéticos, muito intensos, mas depois rapidamente desmobilizamos. Estou convencido que uma política desta de fundo que demora o seu tempo a passar até lá para fora podia mexer o ponteiro nessa matéria. Acho que a Ordem se conseguir ajudar em colocar a discussão de uma maneira séria e fundamentada nestes temas já cumpriu o seu papel.
Disse há cerca de duas semanas que era muito arriscado abrir uma crise política. Mas o resultado está à vista…
Já que se abriu, agora passou a ser muito arriscado se não for clarificadora.
Foi um dos signatários de uma carta aberta a pedir ao Presidente da República eleições ‘com tempo’….
A ideia era pedir um tempo equilibrado para que se respire os calendários de forma a que o maior número de pessoas pudesse decidir com informação e com propostas claras. Não posso falar pelos 117, mas foi assim que entendi o meu contributo ao assinar essa carta. Pedia justamente que houvesse ponderação e equilíbrio na definição do calendário eleitoral para podermos mobilizar as várias propostas para termos uma escolha informada.
Até haver uma organização por parte dos partidos de direita?
É fundamental para a democracia que tenhamos alternativas e que sejam claros os projetos que se submetem à vontade democrática. Temos que cuidar o máximo de legitimidade dos processos.
A data de 30 de janeiro respondeu a isso?
Acho que é uma data equilibrada. Mas continuo a achar que foi arriscado desencadearmos uma crise política na fase em que Portugal está. Temos fragilidades estruturais e temos momentos desafiantes dado os contornos da pandemia, ou pós-pandemia se assim o quisermos chamar. Em cima disto tudo criar uma crise política acho arriscado, mas já que aí está há que evitar o próximo risco: que é não ser clarificador. Tendo em conta as dezenas de conversas que tenho todas as semanas com economistas, com gestores, com empresários, com investidores nacionais e estrangeiros, a expectativa é sairmos de 30 de janeiro com uma solução governativa com estabilidade, seja ela qual for. Não vou dar a minha opinião pessoal. Como candidato a Bastonário, o meu papel é de recomendação da via que me parece mais estruturante para o sucesso.
Mas pelas sondagens parece que vai ficar tudo na mesma…
O que seria mais perigoso depois da crise política que já há é uma fase de instabilidade e que o resultado seja o bloqueio do sistema. E o bloqueio do sistema é não haver soluções claras que nos levem ao que existe em alguns países. No entanto, esses países têm economias muito mais robustas, portanto com uma capacidade de resiliência, resistência e autonomia maior, a nossa não. Infelizmente continuamos muito dependentes do Estado e dos círculos políticos. Era bom que daqui a uns anos não estejamos tanto e, como tal, não podemos estar dependentes de soluções coxas, frágeis, que servem para viabilizar um Orçamento, para passar um programa na Assembleia, caso contrário, os investidores, os empresários e os consumidores estão a olhar para aquilo e pensam: ‘Isto aqui não vai durar’. Esses micro ciclos é tudo o que não precisamos. O que é crucial que haja essa capacidade de arranjar uma solução estável. Não confundir esta estabilidade por imobilização ou por situacionismo. É estabilidade no sentido de dar condições para agarramos em tudo aquilo que tivemos a falar que é uma agenda transformadora e reformadora.
E que não seja apenas para um mandato…
Exatamente. É estabilidade virtuosa.
Também já referiu que as pessoas têm cada vez menos paciência para a política. Acha que é por causa desta instabilidade?
Acho que é mais profundo que isso. Acho que as pessoas – e a abstenção e as situações mais radicais são reveladoras disso – estão cansadas e desiludidas com a política há muitos anos. As pessoas não veem que as suas escolhas e a alternância sejam verdadeiramente uma alternativa. E como veem que não crescemos, que a dívida colossal está aí, que não há perspetivas de carreiras, de crescimento e de mobilidade social, como veem que pagam cada vez mais impostos, ficam desiludidas e ficam cansadas desta falta de ambição, desta falta de atitude e da falta de qualidade das políticas públicas. Acho que é muito mais profundo do que esta crise política. Quando há um elevado grau de abstenção, quando não consegue mobilizar gente nova – acho que são dois belíssimos barómetros – quem está a faltar e a falhar é o sistema político. Não acredito que as pessoas já não querem saber nada da política, as pessoas estão é mais exigentes. Deem-lhes lideranças fortes, projetos mobilizadores, estratégias consistentes e aí acredito que as pessoas se mobilizam e vão votar. Até podem perceber que podem não conquistar tudo de uma só vez, numa agenda política, económica, reformadora do país mas estão dispostos a fazer um pacto adulto.
Acreditam desde que haja um percurso…
Exatamente. Como já disse, estamos há demasiado tempo só focados no imediato e sem cuidar do longo prazo. E o imediato quando não tem longo prazo é uma sucessão de políticas efémeras.
Como aconteceu com o turismo?
E foi determinante. Mas depois podíamos ter cavalgado muito mais para ir buscar outro tipo de serviços, para rejuvenescer ainda mais a nossa indústria, para apoiar ainda mais o sistema agroindustrial, etc. Acho espantoso o que as empresas conseguiram fazer, apesar do Estado. E não deveria ser assim. Devíamos conseguir fazer tudo isto porque temos uma ajuda de um Estado amigo do investimento, da economia e do crescimento. Isso é o que falta mudar e está só na nossa mão. Estou a apontar caminhos que me parecem relativamente óbvios e que só precisam de ser implementados. Mas eu e milhões de portugueses vemos que há temas que não estão só na nossa mão e se não há vontade ou capacidade política para os implementar ficamos desmobilizados e é isso que se passa com Portugal.
E como vê as alterações às Ordens?
Pelo que tenho visto, o tema pode ficar adiado. Mas acima de tudo acho que as Ordens têm um papel muito importante a cumprir, no sentido que têm um papel de supervisão, de regulamentação de profissões autorreguladas, mas não ao nível dos atos próprios ou das barreiras à entrada. Se desclassificassem a Ordem dos Economistas neste modelo que já é extremamente equilibrado ou abrirem cavalos de Troia para ingerências governamentais ou partidárias ou externas que não fazem sentido, o que se estava a fazer não era proteger os membros de uma classe das suas Ordens, mas era impedir que a Ordem os protegesse de uma governamentalização das atividades. Isso seria extremamente arriscado. O olhar das Ordens sobre os conselhos profissionais, sobre os conselhos de deontologia até recomendações sobre novos cursos, a certificação para fins externos de quem vai para fora, esses aspetos são importantes, não são cooperativos, mas são qualificadores. A Ordem dos Economistas não barra a atividade a ninguém. Ninguém para ser economista ou gestor precisa que a Ordem se pronuncie. A partir do momento em que estamos num mundo aberto, num mundo arejado, não temos que ter medo da Ordem. Temos é que perceber que Ordem faz um papel muito importante de filtro entre ingerências governamentais, políticas e uma profissão autorregulada.