A história da Sérvia é tão confusa como a história dos Balcãs e todos sabem como um nunca mais acabar de conflitos, étnicos, políticos e religiosos transformaram essa zona da Europa num dos lugares mais desassossegados do mundo. Em 1882, quando Milan Obrenovic se proclamou Rei da Sérvia, escovando para o mais longe possível as tropas do Império Otomano, já o futebol começava a ganhar popularidade nas ilhas britânicas, mas os sérvios tinham mais do que fazer para se dedicarem ao desporto, até porque Milan se envolveu numa guerra com a Bulgária, guerra essa que descambou num fracasso com derrotas muito sangrentas e dolorosas em Svlinitsa e Pirot. A sua popularidade roçou as ruas da amargura e só o apoio austríaco o manteve no trono até que, em 1889, após ter feito votar uma nova Constituição, bem liberal, por acaso, em relação à época, abandonou as suas funções reais, nomeou o filho Alexandre, e foi viver prodigamente em Paris com as várias amantes que faziam parte da sua espécie de harém, uma delas a inglesa Jennie Jerome, esposa de Randolph Churchill e, portanto, mãe de Winston.
Jugoslovenski Nogometni Savez: assim se declarava o novo reino que se seguiu e que incluía sérvios, croatas e eslovenos. Esta nova realidade étnico-política surgiu em 1919, logo após o final da I Grande Guerra que deixou a geografia europeia em estilhaços com a dissolução do velho Império Austro-Húngaro.
Aqui chegados, já os sérvios tinham adotado o futebol como desporto do povo e, no ano seguinte, apareceram no torneio olímpico de Antuérpia com uma equipa onde brilhavam nomes que todos os seus conterrâneos conheciam de cor: Dragutin Vruka, Vjekoslav Zupancic, Jaroslav Sifer, Stanko Tavcar, Slavin Cindrić, Rudolf Rupec, Dragutin Vrag e Jovan Ruzi. O entusiasmo e a boa vontade não foram suficientes para se baterem com a Checoslováquia que já possuía uma seleção com estatura internacional. A derrota por 0-7 foi difícil de engolir, mas não arrefeceu o entusiasmo então jugoslavo e não apenas sérvio.
Reino da Jugoslávia: assim foi batizada a união entre sérvios, croatas e eslovenos no ano de 1929. Ninguém tinha dúvidas que nova guerra estava a caminho e muito sofreram os jugoslavos após a invasão dos exércitos nazis de Adolf Hitler. Mas isso mais tarde, em 1941. Para já, era apenas a sombra da destruição que pairava sobre os céus da Europa.
O primeiro Mundial O Uruguai ficava longe. Tão longe (e dispendioso) que a maior parte das seleções europeias desistiu de participar na primeira fase final de um Campeonato do Mundo agendada para aquele pequenino país da América do Sul entre 13 e 30 de julho de 1930. O desenvolvimento da aviação ainda não chegara ao ponto de tornar fáceis as deslocações aéreas, os navios de grande calado eram a alternativa mas obrigavam a suportar longos dias a bordo. Três meses antes de o Mundial ter início não havia uma única equipa da Europa que tivesse confirmado a sua presença.
A seleção da Jugoslávia enfrentou o desafio com um enorme espírito desportivo. Depois de uma demorada transição feita por linha férrea chegaram a Villefranche-sur-Mer onde o Conte Verde estava à sua espera depois de ter feito embarcar a seleção da Roménia e o rei Carol I, presidente da federação romena, em Génova, 48 horas antes.
Com os jugoslavos, os selecionados franceses também subiram a bordo. Uma escala em Barcelona permitiu o embarque da equipa belga. Finalmente, na primeira paragem do outro lado doAtlântico, o Rio de Janeiro, foi a vez de o Brasil tomar seu lugar rumo a Montevidéu.
Incluída no Grupo 2, a Jugoslávia causou surpresa ao vencer o Brasil na estreia por 2-1. Seguiu-se uma goleada à Bolívia: 4-0. Lá longe, em Belgrado e Zagreb o povo saía à rua para manifestar a sua alegria. Nas meias-finais, o Uruguai, jogando e casa, foi demasiado forte e a derrota inevitável: 1-6. Sem jogo para os 3.º e 4.º lugares, os jugoslavos foram considerados quartos por via do goal-average em relação aos Estados Unidos. Mas a viagem valera a pena.