Se no início do mês as projeções eram de que a covid-19 teria um impacto moderado no sistema de saúde nacional e também na mortalidade, a última atualização global sobre a evolução da pandemia feita pelo Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde (IHME na sigla inglesa) da Universidade de Washington mostra agora uma tendência mais negativa para a Europa e também para Portugal. Os últimos dados, publicados no final da semana passada, apontam agora para um período de pressão moderada e elevada no sistema de saúde português entre janeiro e fevereiro, em linha com o que foi projetado na reunião do Infarmed pela equipa do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge.
Há um mês, como o i noticiou na altura, a projeção do IHME era de que o SNS pudesse chegar ao fim de fevereiro com um balanço de 19 mil mortes associadas à covid-19 no cenário considerado mais provável em face da atual proteção vacinal, medidas em vigor, nível de mobilidade e uso de máscara. Agora, o instituto, que colabora com a OMS, projeta que a pandemia poderá causar em Portugal este inverno mais 4600 mortes do que as reportadas até aqui, chegando o balanço no final de fevereiro a 23 mil óbitos. Num pior cenário, por exemplo sem aperto de restrições se houver um agravamento das infeções e severidade maior do que o que se tem registado, o país poderia chegar neste período às 29 mil mortes diretamente associadas à covid-19. No cenário mais provável, apontam para o pico de mortalidade no início de fevereiro, quando o país poderá registar 70 óbitos diários – uma situação idêntica à que se vivia no ano passado por esta altura, chegando a registar-se dois dias com mais de 300 mortes no fim de janeiro deste ano.
Em termos de internamentos, se há um mês a previsão era de que depois de um aumento gradual de doentes internados a partir de novembro se chegaria janeiro/fevereiro com a necessidade de alocar 1600 camas no SNS a doentes com covid-19, agora a previsão é de que possam vir a ser necessárias 4500 camas nos hospitais alocadas à covid-19, apontando-se no entanto para uma pressão em cuidados intensivos ainda muito inferior à que se registou no ano passado, na ordem de 260 doentes internados em UCI no pico da atual quinta vaga da pandemia em janeiro.
Na apresentação do Infarmed, Baltazar Nunes, do INSA, salientou que, com base nos modelos feitos a nível nacional, só se houver uma adesão ao reforço de 99% da população com mais de 65 anos elegível para a terceira dose será possível evitar que o país passe a linha vermelha de internamentos em cuidados intensivos que obrigam a desviar recursos de outras áreas, definida pelos peritos que dão apoio ao técnico ao Governo nas 255 camas alocadas à covid-19. É um dos elementos que hoje o Governo tem em mãos para discutir a situação epidemiológica e apresentar medidas nos últimos dias discutidas amplamente no espaço público e com os partidos, com o consenso em torno da necessidade de acelerar a vacinação.
ECDC recomenda reforço de maiores de 40 Ontem a diretora-geral da Saúde disse estar a aguardar pareceres nacionais e da Agência Europeia do Medicamento sobre a vacinação de crianças, este esperado esta quinta-feira. Do lado Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças, que emitiu um alerta rápido sobre a evolução da pandemia na Europa, a novidade não foi no entanto sobre a vacinação de crianças mas sobre o reforço alargado dos adultos. Mantendo como principal prioridade o reforço da vacinação de pessoas mais vulneráveis e em maior risco, como profissionais de saúde, o ECDC defendeu esta quarta-feira que os países devem considerar oferecer uma dose de reforço a todos os adultos com mais de 18 anos, com prioridade a quem tem mais de 40. “O objetivo é aumentar a proteção contra a infeção devido ao declínio da imunidade, o que poderia reduzir potencialmente a transmissão na população e mortes adicionais. A dose de reforço é recomendada seis meses, no mínimo, após completar o esquema primário”, disse Andrea Ammon, diretor do ECDC.
Recuando seis meses e consultando os relatórios de vacinação da DGS, é possível perceber que na última semana de maio os maiores de 80, os primeiros a iniciar a vacinação e a receber nas últimas semanas o reforço, eram o grupo etário com maior cobertura vacinal, com uma taxa de 91%. No grupo dos 65 aos 79 anos, onde quem já tem mais seis meses de vacina já pode fazer o reforço, havia a 30 de maio uma cobertura de 42%, com cerca de 675 mil pessoas com esquema vacinal completo. Mas na altura havia também já 382 mil pessoas dos 50 aos 64 (18%) com vacinação completa e ainda 285 mil pessoas no grupo etário dos 25 aos 49, onde se incluirão profissionais de serviços essenciais que começaram a ser vacinados mais cedo e também já estão a receber o reforço, mas não só. Pela altura do Natal, dentro de um mês, o número de pessoas entre os 50 e 64 anos que atingirá os seis meses de vacinação sobe para 1,1 milhões, não estando ainda definido o alargamento da vacina a este grupo etário em Portugal.
No comentário às últimas projeções, a equipa do IHME aponta como explicação para o que se está a viver na Europa a sazonalidade na circulação do vírus e, paradoxalmente, o que facto de os países que fizeram um “bom trabalho” com a vacinação enfrentarem agora menores níveis de imunidade devido a menores taxas de infeção natural e, por outro lado, o desvanecimento da imunidade conferida pelas vacinas ao fim de algum tempo. “É algo que temos estado a observar e existe o risco potencial de um inverno talvez pior do que esperávamos”, apontou o IHME, recomendando a vacinação dos hesitantes, encorajar o uso de máscaras e alargar a terceira dose. Sublinhando que a questão do acesso global a vacinas se mantém um problema “complexo”, notam que é no hemisfério norte que se prevê o maior número de mortes nos próximos quatro meses.