Finda a corrida à São Caetano à Lapa, parece que, afinal de contas, as hostes de Rui Rio – que teoricamente se concentravam no ‘voto livre’ – eram quem efetivamente tinha o controlo do… aparelho. Distritos como Braga – que todos davam largamente afeto a Rangel – caíram, afinal, para Rio (por menos de 3%, mas a favor do líder). Outro exemplo é o Porto, que os rangelistas reclamavam como uma praça rangelista: não era, era rioista como antecipou, aliás, o Nascer do SOL na sua última edição (e aqui a diferença foi de 9%). Em Aveiro – distrito dominado por Salvador Malheiro e apontado como «única vitória certa de Rio» – a diferença foi ainda mais avassaladora: 15%. Das quatro principais distritais, só uma acabou por cair efetivamente nas mãos de Rangel: a da Área Metropolitana de Lisboa, onde o eurodeputado ganhou.
«O aparelho é de Rangel», dizia-se. «O Rangel tem isto no papo», vangloriavam-se os seus apoiantes. Erradamente. Paulo Rangel reunia à sua volta importantes aparelhistas dos tempos de Passos Coelho: Miguel Relvas, Marco António Costa, Miguel Pinto Luz, Miguel Morgado (estes últimos formalizando o chamado eixo Lisboa-Cascais). Acontece que este aparelho – que no passado sábado de manhã estava tão confiante que dizia que o mapa do Nascer do SOL (que dava a vitória ao Rio) estava ‘errado’ –, afinal, já não controla de facto a máquina laranja. Que, na realidade, passou mesmo para as mãos dos chamados rioistas.
Quem são, então, os novos donos do aparelho? Destacam-se, aí, nomes como Salvador Malheiro, vice-presidente do partido e presidente da Câmara de Ovar, José Silvano, deputado e secretário-geral do partido , João Montenegro, vice do Instituto Sá Carneiro e membro da direção de campanha de Rio, e Carlos Eduardo Reis – deputado e destacado dirigente do PSDde Barcelos. São estes os quatro principais homens fortes do aparelho em qujem Rio deposita a preparação da campanha para as legislativas que se avizinham.
1.746 votos de diferença
1.746: foi este o número de votos pelo qual Rio bateu Rangel. O primeiro teve 52,43% dos votos, o segundo 47,57%. Embora seja a distância mais curta na história das diretas do PSD, foi a distância suficiente para garantir a reeleição. Nas últimas, em 2020, Rui Rio bateu Luís Montenegro com uma diferença de 2.071 votos.
Segundo os resultados finais disponíveis no site do PSD, depois de homologados pelo Conselho de Jurisdição Nacional (CJN), votaram 36.476 militantes, de um universo eleitoral de 46.664 com as quotas em dia. A abstenção foi de 21,83%, mas votaram mais quatro mil militantes do que nas últimas eleições. Rio somou 18.852 votos e Paulo Rangel 17.106.
329 votos foram em branco (0,9%) e 189 (0,5%) foram nulos.
Rio ficou à frente nas distritais de Porto, Braga, Aveiro, Viana do Castelo, Bragança, Viseu, Leiria, Santarém, Évora e Faro. Além de nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
Já Paulo Rangel venceu, além das estruturas da Europa e Fora da Europa, na Área Metropolitana de Lisboa, Setúbal, Vila Real, Guarda, Coimbra, Castelo Branco, Portalegre, Lisboa Área Oeste e Beja.
Salvador Malheiro. ‘Vice-Almirante do PSD’
Presidente da Câmara de Ovar, saltou para a ribalta mediática em Março de 2020, quando viu a cidade que administra receber a primeira ‘cerca sanitária’ por covid antes da prática se tornar recorrente.
Aos dias de hoje, é o homem do aparelho do PSD. Principal maestro da sua orquestra, Salvador Malheiro, como diretor de campanha de Rio, montou uma fortíssima teia de contactos políticos pelo país, muito discreta mas bastante eficaz, como veio a confirmar-se. É licenciado em Engenharia Mecânica pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (e talvez por isso tenha tanto jeito para mexer na máquina do partido).
Em 2017, Salvador Malheiro surge pela primeira vez como diretor nacional de campanha de Rio. Batendo os santanistas, segue-se-lhe, em 2018, um lugar que viria a manter até hoje e a revalidar no próximo Congresso: o de vice-presidente da Comissão Política Nacional do PSD. Passados dois anos, na contenda que opôs Rio, Montenegro e Pinto Luz, Salvador Malheiro é, novamente, chamado para comandar a orquestra rioista. Mais uma vez, soube afinar pelo diapasão da vitória e viu aumentada a sua influência junto da cúpula social-democrata. Renovou o seu mandato na Permanente do partido e passou a integrar a equipa que iria comandar o PSD nas autárquicas de 2021 (que, como se sabe, abonaram a favor do partido).
Chegados ao fim de 2021, dá-se o hattrick de Malheiro: venceu em 2018, venceu em 2020 e, agora, vence em 2021. O vareiro voltou a demonstrar domínio hegemónico sobre o aparelho social-democrata, dando mais uma vitória a Rio e levando a gôndola social-democrata a bom porto.
Nos corredores da São Caetano à Lapa é considerado, em jeito de brincadeira, o «Vice-Almirante do PSD». Rio contará com ele para um bom resultado nas legislativas de 2022.
José Silvano. 'O que não vacila'
Apesar de ter nascido em Abaças, concelho de Vila Real, foi em Mirandela que José Silvano mais cresceu politicamente. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, em 1996 conquista a autarquia mirandelense pelas cores do PSD. Advogado, viria a governá-la durante 16 anos, até 2012. Hoje, é secretário-geral do PSD. Foi eleito deputado à Assembleia da República em 1995, 2015 e 2019: nas VII, XIII e XIV legislaturas. No âmbito deste seu lugar no Parlamento foi acusado de nele marcar falsas presenças, mas reclama inocência, qualificando como um «absurdo» a imputação que lhe foi feita.
É o braço direito de Rui Rio. Se Salvador Malheiro é o homem do terreno, Silvano é o homem da organização: o transmontano foi o responsável por idealizar a estratégia que conduziu Rio à sua terceira vitória consecutiva na corrida à São Caetano à Lapa.
Apesar de ser ‘rioista desde a primeira hora’, Silvano não foi logo escolhido para desempenhar o cargo de secretário-geral. Foi-o, apenas, na sequência da crise de março de 2018: Barreiras Duarte é obrigado a demitir-se e Silvano sucede-o. Desde então, tem desempenhado com sucesso as várias missões que Rio lhe coloca: foi diretor nacional de campanha das legislativas de 2019 e diretor nacional de campanha nas autárquicas de 2021. É ele quem organiza meticulosamente os trabalhos ‘para fora’ da máquina laranja.
Atento, em outubro, antes até de Rio anunciar a sua candidatura ao PSD, Silvano já avisava para a «confusão» que seria o cenário de haver diretas em cima de uma crise política resultante do chumbo do Orçamento de Estado. A intuição de Silvano viria a revelar-se correta.
Dentro da São Caetano à Lapa, descrevem-no como o que «não vacila» e o que, sendo uma pedra angular de Rio, «representa o rioismo como ninguém». Será um dos principais homens de Rio para a batalha de janeiro. E está de pedra e cal.
João Montenegro. ‘O novo general’
João Montenegro era, até há uns anos, um dos homens da primeira linha do passismo. O antigo assessor do primeiro-ministro e seu secretário-geral adjunto no partido foi, durante muito tempo, a sua sombra. Montenegro é um dos grandes frequentadores dos corredores da São Caetano e das sedes concelhias e distritais de norte a sul do país e nas ilhas. É, também, especialista em campanhas eleitorais: esteve envolvido nas vitórias legislativas e presidenciais de Passos e de Cavaco em 2011 e foi um dos grandes responsáveis da campanha da coligação PSD-CDS, em 2015. Caído Passos, Montenegro viria a tornar-se diretor de campanha de Pedro Santana Lopes.
Em 2019, juntou-se às hostes rioistas no célebre Conselho Nacional em que Rio é alvo da tentativa de derrube. Desde aí, integra a direção nacional do partido como secretário-geral adjunto. Fez, também, parte da última campanha autárquica do PSD, organizando publicamente a ‘Volta Nacional’ – o que lhe valeu elogios públicos do presidente. De notar, ainda, que Montenegro foi quem trouxe o CDS para a coligação ‘Novos Tempos’, algo que, na altura, causou mal estar junto da distrital do PSD Lisboa. Na noite eleitoral, foi um dos que subiu ao 9º andar do hotel no Marquês de Pombal para cumprimentar Carlos Moedas.
Vencidas as eleições ‘externas’, João Montenegro também marcou presença na direção das ‘internas’. O secretário-geral adjunto juntou-se a Salvador Malheiro, Hugo Carvalho, Rui Rufino e Vitor Moreira para formar a equipa de campanha – vitoriosa – de Rio. Finda a campanha, na noite eleitoral interna de 27 de novembro, Montenegro manteve-se sempre ao lado de Rio, informando o líder do desenrolar dos resultados através de um computador que atualizava a informação em tempo real (uma das imagens da noite). É visto, pelo partido, como um dos seus «novos generais» e alguém a ter em conta no futuro.
Carlos Eduardo Reis. ‘Enfant terrible’
Considerando a sua idade (37 anos), Carlos Eduardo Reis é visto como uma espécie de enfant terrible no PSD. Mas a juventude não o impede de ser hoje considerado um poderoso pilar nas hostes sociais-democratas. Tal poder amplificou-se quando nas últimas autárquicas sugeriu Mário Constantino para cabeça-de-lista em Barcelos. Uma aposta que viria a revelar-se vencedora: Constantino ganhou as eleições e o concelho foi reconquistado pelo PSD. Foi, aliás, essa mesma terra, via Carlos Eduardo Reis e Constantino, que deu um dos maiores empurrões a Rui Rio nestas diretas. Rio venceu em Barcelos por cerca de 10% em relação a Rangel, numa concelhia que cresceu às centenas em número de militantes e se tornou numa das mais importantes do partido.
No último congresso do PSD, há dois anos, em Viana do Castelo, as listas mais votadas para o Conselho Nacional foram de cada um dos candidatos à liderança (a lista oficial de Rui Rio e as listas de Montenegro e Pinto Luz) e uma outra encabeçada por Carlos Eduardo Reis, que obteve 102 votos. Mas esse congresso não foi o primeiro e único em que Reis se impôs como um dos vitoriosos do conclave laranja. Em Espinho, congresso da reeleição de Passos Coelho no pós-troika, a sua lista foi também das mais votadas.
Suspeito de envolvimento no caso Tutti Frutti, Carlos Eduardo Reis ascendeu no partido na medida em que conquistou o seu espaço dentro do rioismo, pela lealdade e pela solidariedade política que revelou para com o líder. Exemplo disso foi quando apoiou publicamente a decisão de Rio substituir a liderança parlamentar, lá colocando Fernando Negrão. Outro, quando apoiou a substituição de Barreiras Duarte, colocando os seus conselheiros nacionais a votarem favoravelmente o nome de José Silvano. Ainda, aquando da alteração de regulamentos ou aprovação de listas eleitorais, Rio contou sempre com o apoio de Reis. Por fim, quando Luís Montenegro apresentou uma moção em Conselho Nacional para substituir Rio, terão sido os votos de Reis a impedir que Rio caísse.